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como agora os expellem. Os Christãos tão pouco tinham, sinão alguns poucos, porque os desta terra mais se dão a folgar e jogar e passear, fizeram nesta terra antes de tempo côrte de Principes, havendo nella ainda agora mister quem habite e trabalhe com fouces e enxadas.

Dahi a alguns dias e quando estavamos mui receiosos com a tardança de Men de Sá, chegou outra caravela, que vinha carregada de escravos de Guiné, da ilha do Principe. Esta disse como a nau de Men de Sá fòra aportar áquella ilha com grande aperto e falta d'agua, e que dali era já partida no mesmo dia em que esta partiu; mas comtudo não podia chegar, que cansavam os espiritos de esperar, até que Nosso Senhor por sua misericordia a trouxe, a oitava dos Innocentes, havendo oito mezes que partira de Lisboa, com trazer muita gente menos, porque morreram de fome e calores da costa de Guiné mais de 40 pessoas.

Depois de haver chegado, começou logo a pôr a terra em ordem, assim aos Christãos como aos Gentios, porque aos Christãos atalhou as demandas com que toda a terra andava revolta, tirou o jogo da cidade, que tão publico andava e com muita offensa do Senhor; fazia aos vagabundos e ociosos trabalhar, assim por palavra, como pelo exemplo, porque é mui fragueiro; tirou que andasse entre os Indios a gente que entre elles soia ser escandalosa. Isto era do que a terra tinha mais necessidade. Aos Gentios tambem começou a ordenar, porque fez logo ajuntar quatro aldeias em uma grande, para que com isto pudessem mais facilmente ser ensinados daquelles que estavam aqui mais perto da cidade, e, a todos os que póde, obriga que não comam carne humana, e fal-os ajuntar em grandes povoações; começou já a castigar a alguns e começa a pôl-os em jugo, de modo que se leva outra maneira de proceder que até agora não se teve, que é por temor e sujeição; e pelas mostras que isto dá no principio, conhecemos o fructo que adiante se seguirá, porque com isto todos temem e todos obedecem e se fazem aptos para receber a Fé. Mas sempre o inimigo de todo o bem busca estorvos grandes, e um delles foi a morte do filho do Governador, o qual, sendo mandado por seu pae a soccorrer a capitania do Espirito Santo com certos homens, foram dar onde não os mandavam e, comtudo, renderam duas cercas, onde mataram muitos Gentios e prenderam boa parte delles; com este bom successo, querendo o Capitão seguir a victoria, deu na terceira cerca, onde se acabava tudo de vencer; nesta o deixaram todos os seus, só com dez homens a pelejar e se acolheram aos navios, uns para curarem algumas feridas de

pouco momento, outros para arrecadarem suas peças, o que elles mais desejavam. Estes dez, com o seu Capitão, pelejaram tão bem que tinham já a cerca rendida, si os acudissem com duas panellas de polvora, que nunca lhes quizeram levar, até que os Indios attentaram que eram tão poucos, com o que cobraram animo e carregaram sobre elles e fizeram-n'os vir recolhendo até aos navios quiz a desventura que lhes haviam tirado os navios e barcos de onde os haviam deixado, que foi desconcerto nunca ouvido, e ali, na praia, pelejaram um grande espaço, esperando soccorro dos navios, e ao cabo nunca lhes veiu, e ali mataram o Capitão, filho do Governador, com cinco, porque os outros salvaram-se a nado. Esta nova, ultra de estristecer os corações de todos os da terra, deu esforço e animo á Gentilidade por se matar pessoa tão assignalada. Outro estorvo maior que este temos, e é que, como a gente desta terra não busca, nem pretende a gloria de Deus, nem o bem universal, sinão o seu proprio, todos são em estorvar esta obra e esfriar a vontade e fervor que o Governador mostra ; illic trepidaverunt semper ubi non erat, neque est timor, porque estando os Indios sujeitando-se e obedecendo e tremendo de medo, os Christãos, com outro maior medo, lhes estão dando animo.

lhe

CARTA DO PADRE ANTONIO PIRES, DA BAHIA, DE 19 DE
JULHO DE 1558.

Logo no principio, quando o Governador determinou de pôr a terra em concerto, e tirar todos estes maus costumes das guerras, mortes e comer carne humana, e deu lei na qual prohibiu tudo isto, tiveram-na alguns Negros por zombaria, porque dantes por alguns justos respeitos não se castigavam tanto por isso, de maneira que não deixavam de comer carne humana, parecendoque lh'o dissimulariam. E tanto que o Governador soube, mandou prender o primeiro que a comeu, e sem chamar a conselho mais que ao Espirito Santo, por que cremos elle ser neste negocio ensinado, porque sabia que havia de vir o Demonio com suas contradictas que nunca lhe faltam, mandou fazer gente e barcos prestes, e mandou prender dous Principaes, scilicet: pae e filho, do que nasceu grande temor a todo o Gentio e muito maior pesar ao Demonio, por lhe estorvarem cousa de tanta perdição das almas.

Logo nesta conjuncção succedeu que outro Negro, o mais

soberbo desta terra, em cuja aldeia entendemos, em tempo do governador D. Duarte da Costa, fazer casa para os doutrinar, e como elle vivia em tanta liberdade que parecia não temer a ninguem, nos desprezou e não quiz que fizessemos la casa; antes, medindo os tempos todos por uma medida, tambem agora desprezou as leis que já disse, e comeu carne humana com todos os seus em grandes festas. Ao qual o Governador mandou chamar, ficando assentado que, si não viesse, o mandaria logo prender ; o qual, conhecendo a sujeição, veio logo, tendo para si que em chegando o haviam de matar, como o lingua que o foi chamar o contou; e antes que se partisse dos seus, lhe fez uma falla aconselhando-lhe que trabalhassem de ser bons e não curassem de se ir dali, porque elle pagaria por todos. Succedeu a cousa de maneira que, vindo o Negro á casa do Governador, foi mal recebido delle, e o Negro se lhe lançou aos pés e lh'os beijou e lhe pediu perdão, offerecendo-se logo a que fossem lá os Padres porque estavam apparelhados para fazerem tudo o que lhe mandassem; tudo isso com taes signaes de contricção que mereceu perdoar-lhe isto. Veio logo outro Principal a fazer o mesmo. Estes são os fruitos que o Senhor vai colhendo deste campo que até agora foi tão esteril, e por parecer serviço de Nosso Senhor se determinou, á feitura desta, que fossem logo fazer a esta aldeia casa pera os irem doutrinar.

Neste tempo se fundou uma egreja, uma legua desta cidade, onde se ajuntaram quatro aldeias das que estavam mais perto da cidade, que já dantes doutrinavamos, que foi o primeiro ajuntamento que se começou a fazer e tem por nome a villa de S. Paulo, que mostra bem Nosso Senhor querer já abrir a porta que tanto tempo ha tem cerrada, porque além do Gentio estar mui sujeito e atemorisado, deixam tambem com isto de commetter alguns peccados que dantes antre elles eram muito usados. No fazer desta egreja e casas em que os Padres mestres da nova christandade se recolhem, que quasi se quer egualar com o collegio da cidade, mostrou Nosso Senhor quão servido é de seu nome se manifestar nestas partes, porque fazendo-se em inverno, em o qual chove muito nesta terra, se fez em obra de quatro mezes. Nessa egreja se disse a primeira missa dia de S. Pedro e S. Paulo, com a maior solemnidade que se poude. Foi a ella o Governador com os mais honrados da cidade, onde deu de comer a todos. Começou a solemnidade nos novos cathecumenos, porque na entrada da missa, revestido o Padre com as vestiduras sacerdotaes, benzeu a egreja e acabada a bençam começou o bautismo solemne, em o qual

bautisou 84 innocentes. De todos estes foi padrinho o Governador, em o qual auto reluziu bem o zelo e fervor que tem a tal obra, porque ali estava junto da pia tocando seus afilhados com muito amor, como quem sente quanto vai na salvação ou condemnação de uma alma. Foi tambem seu padrinho o irmão Antonio Rodrigues, que é seu mestre e lingua.

Logo o dia da Visitação se bautizaram trinta e tantos; ao domingo, dahi a oito dias, se bautizaram vinte e tantos, que são por todos 144; todos estes eram meninos de escola já bem doutrinados, porque de outra gente grande se bautizarão mais de vagar; e ainda que nos tempos passados os paes não queriam consentir que lhe seus filhos bautizassem, e, si adoeciam, os escondiam, agora, por bondade do Senhor, como lhe adoecem, os vêm offerecer ao bautismo, e, depois que fizemos o primeiro bautismo na nova egreja, houve muitos que se queixaram porque aquelle dia lhe não bautizaram seus filhos, parecendo-lhe que ficavam já para se não haverem de bautizar.

Nesta solemnidade fez o Governador meirinho de toda a villa a um dos principaes Negros della e o mandou vestir muito bem, e por sua mão lhe entregou a vara, o que causou nelles tão grande espanto quanto a cousa entre elles era nova. Moveu esta boa ordem a muitos, e não tão sómente aos que vivem mais perto de nós, mas os que moram daqui 10 leguas vêm pedir as mesmas leis, e que os vão ensinar, que farão tudo o que lhe mandarem e, segundo parece, vão se affeiçoando ao modo de viver dos Christãos.

OUTRA CARTA DA BAHIA DE 12 DE SETEMBRO DE 1558.

Depois da que se escreveu desta Bahia a 19 de Julho deste anno de 1558, foi o Governador adiante com o seu bom zelo e Nosso Senhor tirou delle mui ubres fruitos.

Continuou a castigar os delinquentes com muita prudencia e temperança, de maneira que edificasse e não destruisse e foi causa de todos se sujeitarem á lei e jugo que lhe quizerem dar e assi de mui longe se mandam offerecer que lhe mandem Padres que os doutrinem, que querem amizade com os Christãos e trocar seus costumes pelos nossos, e assi são já feitas quatro povoações grandes antre elles, mas em sós duas residimos ao presente com egrejas feitas, por não sermos mais de tres de missa nessa capitania, e estamos repartidos em estas tres casas, scilicet: neste collegio da Bahia reside um só, que é o padre João Gonçalves com alguns

irmãos; o padre Nobrega em S. Paulo, e Antonio Pires em S. João; as outras duas povoações estão esperando por soccorro.

Alem destas se ordenam agora outras em partes mais remotas, onde nunca Christãos cuidaram que pudesse entrar sujeição e estas iremos dispondo de vagar até haver Padres que suppram a tão grande messe; e certo que, si houvera gente para doutrinarem e conservarem isto, bem se puderam fazer mais de 20 ou 30 egrejas, em as quaes se encerraram quanta gentilidade ha daqui a muitas leguas.

Todos estes vão perdendo o comer carne humana, e, si sabemos que alguns a têm para comer e lh'a mandamos pedir, a mandam, como fizeram os dias passados, e nol-a trazem de mui longe, para que a enterremos ou queimemos, de maneira que todos tremem de medo do Governador, o qual, ainda que não baste para a vida eterna, bastará para podermos com elle edificar, e serve-nos de andaimos, até que se forme bem nelles Christo, e a caridade que Nosso Senhor dará lhe fará botar fóra o temor humano para que fique edificio fixo e firme. Este temor os faz habeis para poderem ouvir a palavra de Deus; ensinam-se seus filhos ; os innocentes que morrem são todos bautizados; seus costumes se vão esquecendo e mudando-se em outros bons, e, procedendo desta maneira, ao menos a gente mais nova que agora ha e delles proceder, ficará uma boa christandade.

Os filhos se ensinam com muita diligencia e bons costumes e a ler e escrever, e alguns delles são mui habeis, e destes esperamos tirar bons discipulos, porque, como não podem já ir para outra parte e são continuos, não poderão deixar de saber muito. Os de S. Paulo, primeira povoação, são todos christãos, scilicet: meninos e meninas até 14 annos, e cada dia se bautizam nelles, porque os que nascem de novo, todos os trazem a bautizar e estes passarão de duzentos: os outros de mais edade e que podem já ter peccado mortal, não bautizamos sinão confessando-se e tomando estado de vida de serviço de Nosso Senhor e destes se vão dispondo muitos dos grandes para cedo bautizarmos e casarmos uma boa somma, e esta ordem se terá em todas as outras povoações.

Não sómente com esses Indios que estão desta banda de nós, sinão tambem com os da banda d'além da Bahia se entende, os quaes são contrairos destes, e tem feito muito mal aos Christãos, e morto a muitos. Estes agora de novo vieram furtar um barco dos Christãos, e por estes e outros respeitos se apregoou a guerra

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