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frade franciscano, o celebre Antonio Ribeiro Chiado, (Fr. Antonio do Espirito Santo) abandonava o habito monachal para seguir as aventuras de comico de la legua; os outros eborenses Braz de Resende e Gaspar Gil Severim obedecem á mesma influencia imitando as fórmas do Auto. Foi em Evora, aonde os Jesuitas tambem assentaram o seu arraial litterario, que o theatro de Gil Vicente se viu mais combatido pelas Tragicomedias latinas dos divertimentos escholares da Universidade do Espirito Santo.

De Santarem fôra Gil Vicente representar a Coimbra, e em Santarem permanecera algum tempo como se vê por umas coplas, e pela Carta a D. João III. Em Santarem se desenvolveu o talento dramatico de Antonio Prestes, que era alli enqueredor do civel, e como uma especie de bazochiano, escrevia o Auto do Procurador, e tambem prégava como o mestre as ideias da Reforma. Em Santarem dedicaram-se ao theatro o mulato Antonio Pires Gonge e Manoel Nogueira de Sousa, que sustentou a Eschola até ao seculo XVII.

Em Coimbra foram representadas pelo grande mestre a Farça dos Almocreves, a Tragicomedia pastoril da Serra da Estrella, e a Comedia da Divisa de Coimbra. Aqui a erudição abafou muito cedo o influxo de Gil Vicente; primeiramente pelo perstigio da Celestina de Rojas, que imitava Jorge Ferreira de Vasconcellos; depois pela moda das tragedias latinas introduzida no Collegio real pelos professores bordalezes, e por ultimo pelas Tragicomedias do Collegio das Artes, quando

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predominaram os Jesuitas, e quando a imitação italiana era seguida por Antonio Ferreira. Ainda assim a influencia de Gil Vicente não foi extincta; nos divertimentos escholares de Coimbra é que escreveu Camões o Auto dos Enfatriões, dando a um thema classico a fórma de Auto. Em Lisboa continuou elle nos Côrros particulares esta sympathia pela obra de Gil Vicente, que conhecia, como se vê pela allusão á tragicomedia de Dom Duardos.

A vida burgueza concentrava-se em Lisboa no seculo XVI, como observou Sá de Miranda accusando este perigo do centralismo. Foi em Lisboa que o theatro de Gil Vicente recebeu o seu maior desenvolvimento; fundaram-se os primeiros Côrros e Pateos de Comedias, que resistiram aos anathemas clericaes pelo seu intuito de caridade, explorados pelo Hospital de Todos os Santos. Os principaes poetas dramaticos de Evora, vieram para Lisboa; Balthazar Dias desde 1537 conseguiu apoderar-se da sympathia popular, que ainda conserva pelas aldeias; Gil Vicente de Almeida, continuava com fervor a obra do seu glorioso avô; Simão Garcia, auctor do Auto do Pé de prata, de 1557, Antonio Peres, com as suas cem comedias manuscriptas, Frei Antonio de Lisboa, P.e Francisco Vaz e Simão Machado constituem em Lisboa a Eschola vicentina que resiste ás tragicomedias latinast do Collegio de Santo Antão, ás comedias das companhias ambulantes de italianos e castelhanos, que na ultima metade do seculo XVI inçavam Portugal.

Os mesmos Jesuitas que combatiam o theatro de Gil Vicente nos Indices Expurgatorios,

imitavam essa fórma do Auto nacional como meio de propaganda catholica nas missões do Brazil, como se vê pelas imitações feitas pelo P.e Joseph de Anchieta e pelo P.e Alvaro Lobo. Na India tambem encontramos a influencia da Eschola de Gil Vicente no gosto pela fórma do Auto, que adoptou Camões em uma festa de Gôa fazendo representar o Filodemo; e na Africa se representaram differentes Autos ou Passos, que se conservam ineditos no Cancioneiro de D. Maria Anriques.

Póde seguir-se até ao seculo actual o exame da persistencia das fórmas dramaticas litterariamente fixadas por Gil Vicente; e não é sem encanto que na epoca do Romantismo vamos encontrar o Auto da Boa Estrêa e a Herança do Chanceller, vivificando artisticamente a tradição medieval identificada no fundador do theatro portuguez pelo seu genial restaurador.

§ I. Desenvolvimento do Theatro nacional
no seculo XVI

Para realisar-se qualquer creação artistica é sempre condição imperscindivel a estabilidade dos costumes, para que possam ser idealisados, e encontrar a obra do artista sympathia na multidão. Apesar das grandes luctas doutrinarias e politicas do seculo XVI, a principal feição historica foi a incorporação do proletariado da Edade média na sociedade moderna, o reconhecimento da burguezia no chamado terceiro estado. A estabilidade dos costumes

identificava as festas populares e as aristocraticas, e o theatro pela fundação dos Côrros e Pateos tornava-se uma instituição; tudo isto concorria para a creação e desenvolvimento da Litteratura dramatica.

A) O elemento popular e aristocratico

Pelas Ordenações affonsinas (L. II, tit. 75) as communas dos Judeus eram obrigadas a concorrer com danças, guinolas e trebelhos ás recepções reaes em qualquer cidade; não admira pois que entre a população judaica, que detestava por espirito religioso a arte dramatica, apparecessem estes divertimentos scenicos ao ar livre, com que concorriam ás bodas, exhibindo jogos de espadas bôtas. Em um alvará de D. João II, de 1 de agosto de 1492, encontramos referencia a uma d'essas scenas a que no theatro francez medieval se chamava Diablerie. Transcrevemos o precioso documento:

« Dom Joham, etc. saude. Sabede que Jaquó Cofem visquaynho judeu, morador na cidade de Silves nos envjou dizer que elle e outros Judeus foram pressos no castello da dita cidade por se dizer contra elles que polla pasquoa fezeram Jogos co dyabos e gadanhos, e andaua apos huu que andava vistido como molher dizendolhe doestos e abodegando (?) e fazendo todo e desprezo da nosa santa fee, e jazendo asy presso e carcera(do) as vezes andar solto he hia dormir a sua cassa e que huu dia... a sua casa e nom quysera mais tornar a dita cadêa e fugi... Dada

....

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em a nosa cidade de Lisbôa primeiro dia do mes dagosto.... de mill iiijce Rij. (1492).» Em uma resposta de Garcia de Resende a umas trovas satiricas de Affonso Valente, que lhe chamára entre outros apodos, Guia de Dansa de Espadas, por seu turno o apoda de: Judeu que ensina a dansar, e d'arremedar e trovar um segundo Roupeiro. "

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Os divertimentos scenicos nem por isso cahiam na indignidade, para que tendiam; Gil Vicente teve o dom de os introduzir nas festas da côrte transformando os Mômos palacianos. A sympathia que a rainha D. Leonor, viuva de D. João II, manifestára por esta nova creação artistica apparece-nos explorada em um successo publico com um facto muito significativo. Preoccupada com a sua fundação do hospital das Caldas, a rainha D. Leonor passára pela antiga villa de Obidos, de que era donatária, sem a honrar com uma visita. Os moradores de Obidos mandaramhe ás Caldas uma mensagem em fórma dramatica com um presente ou serviço e uma allocução em endechas declamadas por um personagem allegorico. Foi achado este valioso documento por Brito Rebello, que o transcreveu de um manuscripto posterior á morte da Rainha :

«

Representação que se fez á Rainha Dona Leonor que santa gloria haja, com um servi

1

Arch. nac. Livro da Chancellaria de D. João II, vol. vII, fl. 6, v. Communicação obsequiosa do meu estudioso amigo Pedro Augusto de Azevedo.

2 Canc. geral, t. III, p. 653.

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