Da larga fita em que arfa a cruz comprada, E c'o inquieto brilhante afaga a testa, Coça uma e outra orelha não peccantes. Encostada ás riquissimas paredes Destorce as torpes roscas a calúmnia, E sopra (não sentida) atro veneno,
Que o zêlo, que a ambição destros fomentam ; Porque melhor no incauto peito cale. Mas, eis que a porta se abre, o rei se avista: Um so cuidado as mentes alvoroça;
- O garbo da airosissima mesura. ——
Oh quanto é mais feliz o villão tosco, De rubicunda prazenteira face, Que emtorno da lareira** co' as saloias Canta ao som da viola, que reclama, As simples trovas das pagans janeiras ; Que o cangirão empina, a sertan meche Do saboroso lombo que rechia; Sem pretender do ceo maior riqueza, Que uma farta colheita e um manso cura!
F. MANUEL, os Fastas.
* Os sectarios do moderno idioma escreveriam ao redor.
** Pedra, emcima da qual se accende lume no meio da casa.
CAMPOS D'AMERICA E EUROPA. O CAVALLO.RECORDAÇÕES.
On como dilatar-se aqui parece Meu coração, e qual a flor aos raios Da rociante manhan, se abre ao contento! Que rica profusão de aspectos, côres Attrai meus olhos sofregos! presumo
* Os seguintes versos, extrahidos da epistola impressa em frente d'este poema, servem de apologia ao grande talento e apurado gosto de seu illustre auctor :
Dos montes da lyrica harmonia Descendo ás didascalicas florestas,
Co' a formosa Lieutard, e amor com ella, Revendo e contemplando a natureza ; Imitador de Saint-Lambert e Tompson, Co' a amenidade de um e o siso de outro, Em que pulchra dicção, acceita ás Graças Devolves philosophicos mysterios,
Deleitoso Passeio historiando!....
Que tudo quanto eu ouço e quanto eu vejo Me convida a gozar, Mais melindrosa Era (confesso) a scena que inda ha pouco Risonha alardeava a primavera : Nas gramineas encostas ja não vejo Surgindo a medo a tímida violeta, A rosa abotoar, florir o espinho; Vai decrescendo a purpura do verde, Em que fulgia a tunica da terra ;
Mas do onro a côr succede-lhe, e natura Toma um ar mais augusto; e assim me agrada. De novas sensações confuso enxame Ja tanta actividade em mim não sopra E me leva ao prazer! minhas ideias Não se atropellam rapidas, nem folga Minha imaginação de extraviar-se Pelo immenso universo. Um sol mais vivo, Duplicando o calor com seu influxo, Relaxa os nervos, musculos distende,
E ao repouso me inclina; entra em meu peito Mais tranquilla, mais placida, mais doce Satisfação, que me engrandece e anima. Instincto pensador de mim se apossa,
Me chega ao homem, me interessa o campo.
Se contigo, Lieutard, eu decorresse De Ceilão aromaticas florestas,
Ou da que, ao sceptro hispano, insula, arranca
O denodado Pen, vergeis frondosos
De auri-floreos manjins, cafes, olspices ;* Se respirasse a viração sadia
De um clima salutar no ameno Elysio Que tanto engrandeces-te em versos de ouro, Waller ** encantador, quando fugindo De uma patria manchada em regio sangue, La te foste asylar, d'onde trazidas
Per mão do luxo á Europa estereis palmas Vinham transpondo os ceos,transpondo os máres Ornar a frente de anglicas beldades : Oh! como acceso em estro eu descantára Esses grupos de altissimas montanhas, De alcantiladas rochas figurando
Que pendem, que despenham! densos bosques Que sobre ellas ondeiam, que estendendo Tortas raizes atravez das fragas,
De lascados penedos, hi procuram Humido nutrimento que as procellas Depositaram la! suberbos rios
Que em cascatas fluctisonas *** tombando Com medonho estampido, aos valles descem, Onde correndo em morbidos remansos Fazem brotar per fertiles**** planicies
Especie de myrtho da Jamaica.
Um dos mais delicados poetas da Inglaterra. Epitheto com que o auctor enriqueceu o idio-
ma vem do latim fluctisonus.
**** Fazeis-os campos fertiles viçosos.
D'eterna primavera o esmalte e o viço!
Mas, campinas d'America, indios campos, Não vos cede em belleza a patria minha! Aqui não surge a férvida canella,
Não floresce o cacau, nem corre o nectar Dos verdes canaviaes: porêm que importa, Se com pródiga mão Ceres reveste Nossos campos de luridas espigas?... Se o Numen d'alegria em Nisa honrado Folga de coroar-se, e enflora e thyrso Dos vicejantes pampanos que adornam Nossos ricos outeiros? - Se Minerva Sua árvore aqui planta? · Olfato e vista Pomona nos lisonja* com seus fructos? Se a brincadora Flora aqui despeja Seu florente regaço? Vossas aves, Sem galhardia mais que insulsas cores, Co'o rouco pio vencerão das nossas Dulcisono trinar e arpejos doces ? — Tu so, tu rouxinol que ao pôr do dia N'um verde myrtho solitario exprimes Tam extremoso amor, tu so bastavas A animar nossos bosques! Como a ouvi-lo Doce melancholia a alma me opprime! Parece-me que as árvores se inclinam,
Porque a Fama te exalte, e te lisonje.
« VorigeDoorgaan » |