Sobre uma agra montanha, que se estende Em pequena distancia, dos suberbos Guerreiros muros da triumphante Elvas, O célebre convento se levanta. Aqui, da molle inercia no regaço, Das austeras fadigas descansando, Da provincia, se ve cem padres graves, Ex-guardiões, ex-porteiros, ex-leitores, Ex-provinciaes, e alguns d'estes famosos Pelas artes subtis, pela ardileza, Com que forçado teem o sp'rito-sancto, Nos rixosos capitulos, mil vezes, Os votos a seguir do seu partido.
D'estes tambem no meio, alli se encontram Do gordo badulaque ex-cuzinheiros, Na fumosa cuzinha, entre as tisnadas Certans fuliginosas e marmitas, Com grande glória sua, jubilados.
Aqui, suando pois, como um cavallo,
Chega o Deão, a tempo que o porteiro A porta da clausura prompto abria ; E vendo do Deão a gran' fadiga, D'ésta sorte lhe diz, sobresaltado:
« Que é isto, meu senhor? Que estranho caso Aconteceu a vossa senhoria,
Que per baixo de calma tam intensa, Á nossa casa o traz tam afrontado? Matou acaso algum dos seus collegas? Roubou a sacristia? ou, do diabo Tentado, violou alguma virgem,
E asylo vem buscar na nossa igreja?»
- «Nenhum d'esses desastres, Deus louvado! Me succedeu; (o Lara lhe replica)
Ao padre-guardião somente quero N'um negócio fallar, se for possivel. >>
-«Inda bem: pois cuidei que era outra cousa; (Lhe torna o bom porteiro) e de assustado Fiquei sem sangue em quasi todo o corpo.
<< O padre guardião, antes das cinco, Não costuma da sésta levantar-se; Mas, por servir á vossa senhoria, A desperta-lo vou; no emtanto póde La na cerca esperar, tomando o fresco. >>
Isto dizendo, ao dormitorio sóbe;
E o Deão, caminhando para a cerca, Com outro reverendo, acaso tópa, De gran' barriga, de cachaço gordo, Que attento o comprimenta e acompanha.
Quiz então a fortuna, Um dos padres mais graves
Ex-guardião, ex-leitor e jubilado,
De todos o mais docto, excepto o Arronches, Pregador de gran'fama, na cidade,
O bom Lara, que havia longo tempo Que n'ésta sancta casa não entrava, Aturdido ficou, quando a seus olhos, Na cêrca entrando, junctos se lhe off' recem As areiadas ruas, as estatuas,
Os buxos, os craveiros, as latadas
De mil flores cubertas, e que, emtorno, O virente jardim adereçavam;
E não bem quatro passos tinha dado, Quando, fitando curioso a lente Na statua que primeira alli se encontra Pergunta ao Jubilado : « Quem é este Monsieur París? segundo diz a lettra, Que per baixo, na base, tem aberta : Se se houver de julgar pela apparencia, O nome, a catadura, o penteado Dizendo-nos estão que este bilhostre Foi francez, e talvez cabelleireiro,
Inventor do topete que o enfeita. >>
- « Páris, e não París diz o lettreiro, (Circunspecto lhe volve o padre-mestre ) Nem Francez, como crê, cabelleireiro A personagein foi, que representa; Mas em Troia nasceu de stirpe régia. »
<< Pois, se Francez não foi (replica o Lara) Como monsieur lhe chamam ?»-C'um surriso Lhe torna o padre-mestre : « Não se admire Que isto está succedendo a cada passo: Aope de cada canto, hoje, sem pejo,
Se tractam de monsieurs os Portuguezes. Isto, senhor, é moda ; e como é moda, A quizemos seguir; e sobre tudo
Mostrar ao mundo, que françez sabemos. >>
- De tanto pêso pois (lhe volve o Lara) É, padre-jubilado, per ventura,
O saber o francez, que d'isso alarde Fazer quizessem vossas reverencias? Per acaso, sem esse sacramento, Não podiam salvar-se, e serem sabios? Pois aqui, em segredo, lhe descubro, Que o francez, para mim, o mesmo monta, Que a lingua dos selvagens Boticudos. >>
- Não diga. senhor, tal; que n'este tempo,
Ó Tempos, ó costumes! (diz o padre)
O saber o francez é saber tudo.
pasmar ver, senhor, como um pascasio," De francez com dous dedos, se abalança Perante os homens doctos e sisudos, A fallar nas sciencias mais profundas, Sem que lhe escape a sancta theologia, Alta sciencia aos claustros reservada, Que tanto fez suar ao grande Scoto,** Aos Baconios,*** aos Lullos,*
* Palavra composta, e bem como outras muitas singularmente nossas, derivada das gregas TX,
xy adj. que segnifica todo, e do verbo σxálw, que em sentido physico e moral, lembra o defeito de coxear, claudicar, etc. Pascasio quer dizer, homem que todo, ou em tudo coxeia, manqueja ou claudica; seja de corpo, seja de juizo, ou seja emfim, em mesclar a sua lingua com expressões escusadas, e quasi sempre improprias, que, per affectação, vai buscar a idiomas que mal conhece: o que é próva incontestavel de cabal tolice.
É assim chamado por ter sido Escossez : nasceu perto de Berwick n'uma pequena villa que tem nome de Dustan ou Duns.
*** Roger ou Rodrigo Bacon nasceu em 1214 no conr. dado de Sommerset em Inglaterra. Foi na verdade homem superior ao seculo em que viveu, e merece a attenção do nosso. Buscando o socêgo que requer o estudo da natureza, entron na ordem de san' Francisco, e n'ella fez seus votos.
**** Reimundo Lullo nasceu em 1235, na cidade de
« VorigeDoorgaan » |