N'este ponto o Deão ter-se não pôde Sem que ésta sábia reflexão fizesse : << Filho de barregan! môço de mulas ! Vejam de que relé era a criança ! »
- « Logo (prosegue o padre-jubilado) Fez maiores acções; um leão fero Na floresta Nemea cara á cara Destemido afrontou ; e lhe machuca Com a pesada massa o duro casco..... >>
Aqui chegava o padre em sua história, Quando o esperto Deão, á porta vendo Da cerca o Guardião que a vê-lo vinha, Inda do somno os olhos esfregando, O fio lhe cortou, em altas vozes Ao Guardião gritando: « Appéllo, appéllo Perante vossa sábia reverencia, Varão constituido em dignidade, Da affronta que me faz o meu cabido, Pretendendo com mulctas constranger-me A vir apresentar ao gordo bispo,
A uma porta escusa, o sancto Hyssope. Peço tambem com todo o acatamento Os reverenciaes apostolos, mil vezes Com mais e mais instancia, instantemente... >>
-<< Basta: (o prelado diz) ja interposta A appellação está. Agora, em quanto
O reverendo padre-jubilado, Pois notario não ha que dê fe d'isso, A certidão lhe passa, nos sentemos Aope d'ésta roseira a tomar fresco. »
Dictas éstas palavras, se assentaram, E o farfante Deão assim começa:
- << Por certo, que não póde duvidar-se Do augmento, senhor, que em nossos dias Tem tido Portugal, per alto influxo Do grande forte e nunca assás louvado Rei, primeiro no nome e nas virtudes,* E do sabio ministro que lhe assiste. Não fallo nas sciencias e nas artes, Que eu d'ellas nada sei ; pois meu emprego Ás lettras applicar-me me** não deixa Como meu gosto e genio me pediam; E da arte da cuzinha tam somente
(Que é obra, quanto a mim, mais proveitosa***
** A concurrencia syllabica me, torna difficil a pronúncia d'este verso.
*** E não se enganava o Lara quando assim discorria; pois, aqui em París, todos os tres mezes, sai, com nova edicção o chorudo livro intitulado — Cuzinheiro-real. Certo, não acontece o mesmo ás mais gabadas producções philosophicas, moraes, oratorias, etc. A gastronomía é quem brilha!
Alguns pedaços leio estando vago. Fallo, sim, no apparato dos banquetes, No polido dos trajes e assembleias,
Dos jardins no bom gosto, e dos palacios': Digo isto, meu senhor, porque ésta cêrca Que era um chiqueiro ha menos de dous dias Hoje tornada está n'um paraíso.
Mas que não poderá um genio grande. E tal como o de vossa reverencia? >>
-O guardião então todo enfunado, Mas modestia affectando, lhe responde: Aqui que póde haver que os olhos encha De vossa senhoria, que tem visto
As terras estrangeiras tam gabadas, Se é tudo uma pobreza franciscana! »
N'este ponto chegando o jubilado, O discurso lhe atalha, e ao Lara entrega A grande certidão, que passar fôra. O Deão a recebe civilmente,
E com mil importunos cumprimentos, E outras tantas profundas cortezias, Dos dous padres, cortez, se despediu. DINIZ, Hyssope.
Depois o Vidigal ligeiro toma
Uma bandurra que na orchestra estava, Per mão de insigne mestre trabalhada: N'ella se viain, sôbre a branca faia, De marfim embutidas e pau sancto, As folias do filho de Semele,"
Quando, do Ganges triumphando, á Grecia Entre ledos tripudios se tornava. Estava o gordo deus alli sentado N'um grande carro que virentes parras Contra os raios do sol todo toldavam; Uma bojuda pipa, que esparzia Um largo jorro de liquor vermelho, De throno lhe servia; e o môço imberbe C'o verde thyrso, de uma mão picava Os dous accesos mosqueados tigres, E co'a outra chegava á sêcca boca, De saboroso çumo um cheio vaso. Após elle se via debuxado
O bebado Sileno, sobre um ruço E cançado jumento; de verde hera C'roada a fronte tinha o semi-capro; E com tal arte figurado estava, Que a cada passo do animal imbelle, Aos olhos dos que o vêem, se representa Que, balançando, o semi-deus caía, C'os fumos que a cabeça lhe toldavam. De foliões silenos uma tropa,' Quasi para o suster, o rodeiava, E sobre ella lançava o bom Sileno, Todo risonho, os mal-abertos olhos. Precediam o carro desgrenhadas Mil bacchantes e satyros lascivos Dando nos ares descompostos saltos. Uns tocavam buzinas retorcidas, Outros rijos adufes e pandeiros.
O Vidigal, pegando no instrumento, Se encommendou ao deus a quem amava, E dando á escaravelha largo espaço, Até de todo temperar as cordas,
Soltou a bruta voz com que costuma
Levantar os mementos nos enterros.
Com tam grande attenção não pendem promptos
Do novo batalhão da elvense terra
Os marciaes soldados na parada,
Da voz agallegada do Malifa,
Quando o manejo, á falta d'homens, rege;
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