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Ao monte da aspereza qu'em vós vejo,
Co'o pezado penedo do desejo,

Que do cume do bem me vai cahir:
Tórno a subi-lo ao desejado assento;
Torna a cahir-me: em vão, emfim pelejo.
Sisypho, não t'espantes deste alento,
Que ás costas o subi do soffrimento.
Dest' arte o summo bem se m'offerece
Ao faminto desejo, porque sinta

A perda de perdê-lo mais penosa.

Bem como o avaro, a quem o sonho pinta
O achado d'hum thesouro, onde enriquece,
E farta a sua sêde cobiçosa;

E acordando, com furia pressurosa
Vai o sítio cavar com que sonhava;

Mas tudo o que buscava

Lhe converte em carvão a desventura;
Alli sua cobiça mais se apura,
Por lhe faltar aquillo qu'esperava:

O Amor assi me faz perder o siso.

Porque aquelles qu'estão na noite escura
Não sentirião tanto o triste abisso,

Se ignorassem o bem do Paraisso.

Canção, não mais; que ja não sei que diga:

Mas, porque a dor me seja menos forte,

Diga o pregão a causa desta morte.

CANÇÃO III.

Ja a roxa manhãa clara

As portas do Oriente vinha abrindo;

Os montes descobrindo

A negra escuridão da luz avara.

O sol, que nunca pára,

Da sua alegre vista saudoso,

Traz ella pressuroso

Nos cavallos cansados do trabalho,

Que respirão nas hervas fresco orvalho,
S'estende claro, alegre e luminoso.
Os passaros voando,

De raminho em raminho vão saltando;
E com suave e doce melodia

O claro dia estão manifestando.

A manhãa bella, amena,

Seu rosto descobrindo, a espessura

Se cobre de verdura

Clara, suave, angelica, serena.

Oh deleitosa pena!

Oh effeito d'Amor alto e potente!

Pois permitte e consente

Qu'ou donde quer qu'eu ande, ou dond' esteja,

O seraphico gesto sempre veja,

Por quem de viver triste sou contente.

Mas tu, Aurora pura,

De tanto bem dá graças á ventura,
Pois as foi pôr em ti tão excellentes,
Que representes tanta formosura.

A luz suave e leda

A meus olhos me mostra por quem mouro, Com os cabellos d'ouro,

Que nenhum ouro iguala, se os remeda.

Esta a luz he que arreda

A negra escuridão do sentimento

Ao doce pensamento;

Os orvalhos das flores delicadas

São nos meus olhos lagrimas cansadas,
Qu'eu chóro co' o prazer de meu tormento;
Os passaros que cantão,

Meus espiritos são, que a voz levantão,
Manifestando o gesto peregrino

Com tão divino som, que o mundo espantão.

Assi como acontece

A quem a chara vida está perdendo,
Qu'em quanto vai morrendo,

Alguma visão santa lh'apparece;

A mim em quem fallece

A vida, que sois vós, minha Senhora,

A est'alma, qu'em vós mora

(Em quanto da prisão s'está apartando)

Vos estais justamente apresentando

Em fórma de formosa e roxa Aurora.

Oh ditosa partida!

Oh gloria soberana, alta e subida!

Se me não impedir o meu desejo;

Porque o que vejo, emfim, me torna a vida.

Porém a natureza,

Que nesta pura vista se mantinha,

Me falta tão asinha,.

Como o sol faltar soe á redondeza.
Se houverdes qu'he fraqueza

Morrer em tão penoso e triste estado,
Amor será culpado,

Ou vós, ond'elle vive tão isento,
Que causastes tão largo apartamento,
Porque perdesse a vida co'o cuidado.
Que se viver não posso,

Homem formado só de carne osso,
Esta vida que perco, Amor ma deo;

Que não sou meu: se morro, o damno he vosso. Canção de cysne, feita em hora extrema,

Na dura pedra fria

Da memoria te deixo em companhia

Do letreiro da minha sepultura;

Que a sombra escura ja m'impede o dia.

CANÇÃO IV.

Vão as serenas ágoas

Do Mondego descendo,

E mansamente até o mar não parão;

Por onde as minhas mágoas

Pouco a pouco crescendo,

Para nunca acabar se começarão.

Alli se me mostrárão

Neste lugar ameno,

Em qu'inda agora mouro,

Testa de neve e d'ouro;

Riso brando e suave; olhar sereno;
Hum gesto delicado,

Que sempre n'alma m'estará pintado.

Nesta florida terra,

Leda, fresca e serena,

Ledo e contente para mi vivia;

Em paz com minha guerra,

Glorioso co'a pena

Que de tão bellos olhos procedia.

D'hum dia em outro dia,

O esperar m'enganava:

Tempo longo passei;

Com a vida folguei,

Só porqu' em bem tamanho s'empregava.

Mas que me presta ja,

Que tão formosos olhos não os ha?

Oh quem me alli dissera

Que d'Amor tão profundo

O fim pudesse ver eu algum' hora!

E quem cuidar pudera

Que houvesse ahi no mundo

Apartar-me eu de vós, minha Senhora!

Para que desde agora,

Ja perdida a esperança,

Visse o vão pensamento

Desfeito em hum momento,

Sem me poder ficar mais que a lembrança;

Que sempre estará firme

Até no derradeiro despedir-me.

Mas a mor alegria

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