Meus olhos, vos abristes, Cerrára-yos o somno eternamente, Antes que ver-vos tristes, Perdendo tão suave e doce engano! Agora, com meu dano, Vêdes, para inor mágoa, claramente, Neste bem fugitivo e somno leve, Que mal não ha mais longo, que hum bem breve.
Ditoso Endymião que a deosa chara, Que a noite vai guiando, Teve em braços sonhando! Ah quem de sonho tal nunca acordára! Tu só, Aurora avara, Quando os olhos feriste, Me mataste cruel d'inveja pura. Mas se desta alma triste A negra escuridão vencer quizeste, Sabe qu'cm vão nasceste; Que para desfazer-se a nevoa escura De meus olhos, importa estar presente Outro sol, outra aurora, outro Oriente.
Se a luz de ieu Planeta, Não m’aviva, Canção, branda e quieta, Qual flor de chuva, em breve consumida, Verás desfeita em lagrimas a vida.
Por meio d'humas serras mui fragosas, Cercadas de sylvestres arvoredos, Retumbando por asperos penedos, Correm perennes ágoas deleitosas. Na ribeira de Buina, assi chamada, Celebrada, Porqu'em prados Esmaltados Com frescura De verdura, Assi se mostra amena, assi graciosa, Qu'excede a qualquer outra mais formosa;
As correntes se vem, que acceleradas, As hervas regalando e as boninas, Se vão a entrar nas ágoas Neptuninas, Por diversas ribeiras derivadas. Com mil brancas conchinhas a aurea areia Bem se arreia; Voão aves; Mil suaves Passarinhos Nos raminhos Acordemente estão sempre cantando, Com doce accento os ares abrandando.
O doce rouxinol n'hum ramo canta, E d'outro o pintasirgo lhe responde; A perdiz d'entre a mata, em que s'esconde,
O caçador sentindo, se levanta: Voando vai ligeira mais que o vento; Outro assento Vai buscando; Porém quando Vai fugindo; Retinindo, Traz ella mais veloz a setta corre, De que ferida logo cahe e morre.
Aqui Progne d'hum ramo em outro ramo, Co'o peito ensanguentado anda voando, Cibato para o ninho indo buscando; A leda codorniz vem ao reclamo Do sagaz caçador, que a rede estende, E pretende
Fazer dano Á coitada, Qu'enganada D’huns esparzidos grãos de louro trigo, Nas mãos vai a cahir de seu imigo.
Aqui sôa a calhandra na parreira; A rôla geme; palra o estorninho; Sahe a candida pomba do seu ninho; 0 tordo pousa em cima da oliveira: Vão as doces abelhas susurrando, E apanhando O rocio Fresco frio Por o prado D'herva ornado,
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Com que o aureo licor fazem, que deo Á humana gente a indústria d'Aristeo.
Aqui as uvas luzidas, penduradas Das pampinosas vides, resplandecem; As frondiferas árvores se offrecem Com differentes fructos carregadas: Os peixes n’ágoa clara andão saltando, Levantando As pedrinhas, E as conchinhas Rubicundas, Que as jucundas Ondas comsigo trazem, crepitando Por a praia alya com ruido brando.
Aqui por entre as serras se levantão Aniinaes Calidoneos, e os veados Na fugida inda mal assegurados, Porque do som dos proprios pés s'espantão. Sahe o coelho, e lebre sahe manhosa Da frondosa Breve mata, Donde a cata Cão ligeiro. Mas primeiro Qu'ella ao contrário féryido s'entregue, Ás vezes deixa em branco a quem a segue.
Luzem as brancas e purpúreas flores, Com que o brando Favonio a terra esmalta; O formoso jacintho alli não falta, Lembrado dos antiguos seus amores. Inda na flor se mostrão esculpidos
Os gemidos: Aqui Flora Sempre mora; E coin rosas Mais formosas, Com lirios e boninas mil fragrantes, Alegra os seus amores circumstantes.
Aqui Narciso em liquido crystal Se namora de sua formosura: Nelle as pendentes ramas da’spessura Debuxando-se estão ao natural. Adonis, com que a linda Cytherea Se recrêa, Bem florido, Convertido Na bonina, Qu'Erycina Por imagem deixou de qual sería Aquelle por quem ella se perdia.
Lugar alegre, fresco, accommodado Para se deleitar qualquer amante, A quem com sua ponta penetrante 0 cego Amor tivesse derribado; E para memorar ao som das ágoas Suas mágoas Amorosas, As cheirosas Flores vendo, Escolhendo, Para fazer preciosas mil capellas, E dar por grão penhor a Nymphas bellas.
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