Eu dellas, por penhor de meus amores, Huma capella á minha deosa dava: Que lhe queria bem, bem lhe mostrava O bem-mequeres entre tantas flores: Porém, como se fora mal-mequeres, Os poderes Da crueldade Na beldade Bem mostrou ; Desprezou A dadiva de flores; não por minha, Mas porque muitas mais ella em si tinha.
A vida ja passei assaz contente, Livre tinha a vontade e o pensamento, Sem receios d'Amor, nem da Ventura: Mas isto foi hum bein d'hum só momento; E a minha custa vejo claramente, Que a vida não dá algum de muita dura. No tempo em qu'eu vivia mais segura D'Amor e seu cuidado, Por me ver n’hum estado Em qu'eu cuidei que Amor não tinha parte; Não sinto por qual arte Me vejo entregue a elle de tal sorte, Qu'em quanto tarda a inorte,
A esperança do bein tenho perdida. Ai quão devagar passa a triste vida!
Quantas vezes eu triste aqui ouvia O meu Felicio, e outros mil pastores, Queixar-se em vão de minha crueldade! E mais surda então eu a seus clamores, Que aspide surda, ou surda penedia, Julgava os seus amores por vaidade. Agora em pago disto a liberdade, A vontade e o desejo De todo entregue vejo A quem, inda que brade, não responde;
, Pois vejo que s'esconde Ja debaixo da terra este qu'eu chamo, Que he aquelle a quem amo, Aquelle a quem agora estou rendida. Ai quão devagar passa a triste vida!
Que gloria, Amor cruel, com meu tormento, Que louvor a teu nome accrescentaste? Ou que te constrangeo a tal crueza, Que com tal pressa esta alma sujeitaste A hum mal, onde não basta o soffrimento? Mas se, Amor, es cruel de natureza, Bastava usar comigo da aspereza Que usas com outra gente: Mas tu como somente De ver-me estar morrendo te contentas, Quando mais me atormentas, Então desejas mais d'atormentar-me; E não queres matar-me
Porque este mal de mi se não despida. Ai quão devagar passa a triste vida!
Onde cousa acharei que alegre veja? A quem chamarei ja que me responda? Quem me dará remedio á dor presente? Não ha bem, que de mi ja não s' esconda; Nem algum verei ja, que a mi o seja, Porqu'está quem o foi da vida ausente. Eu alguma não vi tão descontente, Que Amor tão mal tratasse, Qu'inda não esperasse A seus males remedio achar vivendo: Eu só viyo soffrendo Hum mal tão grave e tão desesperado, Que tanto he mais pezado, Quanto a vida com elle he mais comprida. Ai quão devagar passa a triste vida!
Suaves ágoas, dura penedia, Arvoredo sombrio, verde prado, Donde eu ja tive livre o pensamento; Frescas flores; e vós, meu manso gado, Que ja m'acompanhastes na alegria, Não me deixeis agora no tormento. Se do mal meu vos toca sentimento, Dae-me par'elle ajuda, Qu'eu tenho a lingua muda, O alento me vai ja desamparando. Mas quando (ai triste!) quando D’hum dia hum’hora me virá contente, Qu'eu te veja presente,
Pastor meu, e comtigo esť alma unida? Ai quão devagar passa a triste vida!
Mas não sei se he sobrado atrevimento Querer-se est alma minha unir comtigo, Pois della foste ja tão desprezado. Amor me livrará deste perigo; Que despois que lá vires meu tormento, Creio que t'haverás por bem vingado. E s'inda em ti durar o amor passado, E aquella fé tão pura, Eu estou bem segura Que has lá de receber-me brandamente. Aprenda em mi a gente Quão cara huma isenção com Amor custa: A pena dá bem justa A hum’alma que lhe he pouco agradecida. Ai quão devagar passa a triste vida!
Detem hum pouco, Musa, o largo pranto Que Amor te abre do peito; E vestida de rico e ledo manto, Demos honra e respeito Aquella, cujo objeito Todo o mundo allumia, Trocando a noite escura em claro dia.
O Delia, que a pezar da nevoa grossa, Co’os teus raios de prata A noite escura fazes que não possa Encontrar o que trata, E o que n’alma retrata Amor por teu divino Raio, por qu'endoudeço e desatino :
Tu, que de forinosissimas estrellas Corôas e rodeias Tua candida fronte e faces bellas; E os campos formoseias Co’as rosas que semeias, Co’as boninas que gera O teu celeste humor na primavera:
Para ti guarda o sítio fresco d'Ilio
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