Eu dellas, por penhor de meus amores, Da crueldade Na beldade Bem mostrou; Desprezou A dadiva de flores; não por minha, CANÇÃO XVII. A vida ja passei assaz contente, Que a vida não dá algum de muita dura. Por me ver n'hum estado Em qu'eu cuidei que Amor não tinha parte; Não sinto por qual arte Me vejo entregue a elle de tal sorte, Qu'em quanto tarda a morte, A esperança do bem tenho perdida. Quantas vezes eu triste aqui ouvia De todo entregue vejo A quem, inda que brade, não responde; Ja debaixo da terra este qu'eu chamo, Aquelle a quem agora estou rendida. Ai quão devagar passa a triste vida! Que gloria, Amor cruel, com meu tormento, Que louvor a teu nome accrescentaste? Ou que te constrangeo a tal crueza, Que com tal pressa esta alma sujeitaste A hum mal, onde não basta o soffrimento? Mas se, Amor, es cruel de natureza, Bastava usar comigo da aspereza Que usas com outra gente: Mas tu como somente De ver-me estar morrendo te contentas, Quando mais me atormentas, Então desejas mais d'atormentar-me; E não queres matar-me Porque este mal de mi se não despida. Onde cousa acharei que alegre veja? Qu'inda não esperasse A seus males remedio achar vivendo: Hum mal tão grave e tão desesperado, Quanto a vida com elle he mais comprida. Arvoredo sombrio, verde prado, Qu' eu tenho a lingua muda, O alento me vai ja desamparando. Mas quando (ai triste!) quando Pastor meu, e comtigo est' alma unida? Mas não sei se he sobrado atrevimento Que despois que lá vires meu tormento, Eu estou bem segura Que has lá de receber-me brandamente. Quão cara huma isenção com Amor custa: A hum' alma que lhe he pouco agradecida. Ai quão devagar passa a triste vida! O DE S. ODE I Detem hum pouco, Musa, o largo pranto Que Amor te abre do peito; E vestida de rico e ledo manto, Demos honra e respeito Aquella, cujo objeito Todo o mundo allumia, Trocando a noite escura em claro dia. O Delia, que a pezar da nevoa grossa, Co'os teus raios de prata A noite escura fazes que não possa E o que n'alma retrata Amor por teu divino Raio, por qu'endoudeço e desatino : Tua candida fronte e faces bellas; Co'as rosas que semeias, Co'as boninas que gera O teu celeste humor na primavera: |