Naquelle tempo brando Em que se vê do mundo a formosura, Que Thetis descansando De seu trabalho está, formosa e pura, Cansaya Amor o peito Do mancebo Peleo d'hum duro affeito.
Com impeto forçoso Lhe havia ja fugido a bella Nympha, Quando no tempo aquoso Noto irado revolve a clara lympha, Serras no mar erguendo, Que os cumes das da terra vão lambendo.
Esperava o mancebo, Com a profunda dor que n'alma sente, Hum dia em que ja Phebo Começava a mostrar-se ao mundo ardente, Soltando as tranças d'ouro, Em que Clicie d'amor faz seu thesouro.
Era no mez que Apolo Entre os irmãos celestes passa o tempo: O vento enfreia Eolo, Para que o deleitoso passatempo Seja quieto e mudo; Que a tudo Amor obriga, e vence tudo.
O luminoso dia Os amorosos corpos despertava Á
cega idolatria, Que ao peito mais contenta e mais aggrava;
Onde o cego menino Faz que os humanos crêão que he divino:
Quando a formosa Nympha, Com todo o ajuntamento venerando, Na crystallina lympha O corpo crystallino está lavando; O qual nas ágoas vendo, Nelle, alegre de o ver, s'está revendo:
O peito diamantino, Em cuja branca teta Amor se cria; O gesto peregrino, Cuja presença torna a noite em dia; A graciosa boca Que a Amor com seus amores mais provoca;
Os rubins graciosos; As pérolas qu’escondem vivas rosas Dos jardins deleitosos, Que o ceo plantou em faces tão formosas; O transparente collo, Que ciumes a Daphne faz d'Apollo;
0 subtil mantimento Dos olhos, cuja vista a Amor cegou; A Amor que, com tormento Glorioso, nunca delles se apartou, Pois elles de contino Nas meninas o trazem por menino;
Os fios derramados Daquelle ouro que o peito mais cobiça, , Donde Amor enredados Os corações humanos traz e atiça, E donde com desejo
Mais ardente começa a ser sobejo.
O mancebo Peleo, Que de Neptuno estava aconselhado, Vendo na terra o ceo Em tão bella figura trasladado, Mudo hum pouco ficou, Porque Amor logo a falla lhe tirou.
Emfim, querendo ver Quem tanto mal de longe lhe fazia, A vista foi perder, Porque de puro amor, Amor não via: Vio-se assi cego e mudo Por a fòrça d'Amor que pode tudo.
Agora s'apparelha Para a batalha; agora reinettendo; Agora s'aconselha; Agora vai; agora está tremendo; Quando ja de Cupido Com nova setta o peito vio ferido.
Remette o moço logo Para ond'estava a chamma sem socêgo; E co’o sobejo fogo Quanto mais perto estava, então mais cego: E cego, e co’hum suspiro, Na formosa donzella emprega o tiro.
Vingado assi Peleo, Nasceo deste amoroso ajuntamento O forte Larisseo, Destruição do Phrygio pensamento; Que, por não ser ferido, Foi nas ágoas Estygias submergido.
Ja a calma nos deixou Sem flores as ribeiras deleitosas; Ja de todo seccou Candidos lirios, rubicundas rosas: Fogem do grave ardor os passarinhos Para o sombrio amparo de seus ninhos.
Meneia os altos freixos A branda viração de quando em quando; E d'entre vários seixos O líquido crystal sahe murmurando: As gottas, que das alvas pedras sáltão, 0 prado, como pérolas, esmaltão.
Da caça ja cansada Busca a casta Titanica a espessura, Onde á sombra inclinada Logre o doce repouso da verdura, E sobre o seu cabello ondado e louro Deixe cahir o bosque o seu thesouro.
O ceo desimpedido Mostrava o lume eterno das estrellas; E de flores vestido O campo, brancas, roxas e amarellas, Alegre o bosque tinha, alegre o monte, O prado, o arvoredo, o rio, a fonte.
Porém como o menino, Que a Jupiter por a aguia foi levado, No cêrco crystallino
For do amante de Clicie visitado; O bosque chorará, chorará a fonte, O rio, o arvoredo, o prado, o monte.
O mar, que agora brando He das Nereidas candidas cortado, Logo se irá mostrando Todo em crespas escumas empolado: O soberbo furor de negro vento Fara por toda parte movimente.
Lei he da natureza Mudar-se desta sorte o tempo leve: Succeder á belleza Da Primavera o fructo; a elle a neve; E tornar outra vez por certo fio Outono, Inverno, Primavera, Estio.
Tudo, emfim, faz mudança Quanto o claro sol vê, quanto allumia; Não se acha segurança Em tudo quanto alegra o bello dia: Mudão-se as condições, muda-se a idade, A bonança, os estados e a vontade.
Somente a minha imiga A dura condição nunca mudou; Para que o mundo diga Que nella lei tão certa se quebrou: Em não ver-me ella só sempre está firme, Ou por fugir d'Amor, ou por fugir-me.
Mas ja soffriyel fòra Qu'em matar-me ella só mostre firmeza, Se não achára agora Tambem ein mi mudada a natureza;
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