O DE XI. Naquelle tempo brando Em que se vê do mundo a formosura, De seu trabalho está, formosa e pura, Do mancebo Peleo d'hum duro affeito. Lhe havia ja fugido a bella Nympha, Noto irado revolve a clara lympha, Serras no mar erguendo, Que os cumes das da terra vão lambendo. Esperava o mancebo, Com a profunda dor que n'alma sente, Hum dia em que ja Phebo Começava a mostrar-se ao mundo ardente, Soltando as tranças d'ouro, Em que Clicie d'amor faz seu thesouro. Era no mez que Apolo Entre os irmãos celestes passa o tempo: O vento enfreia Eolo, Para que o deleitoso passatempo Seja quieto e mudo; Que a tudo Amor obriga, e vence tudo. O luminoso dia Os amorosos corpos despertava Á cega idolatria, Que ao peito mais contenta e mais aggrava; Onde o cego menino Faz que os humanos crêão que he divino: Com todo o ajuntamento venerando, Na crystallina lympha O corpo crystallino está lavando; O qual nas ágoas vendo, Nelle, alegre de o ver, s'está revendo: O peito diamantino, Em cuja branca teta Amor se cria; O gesto peregrino, Cuja presença torna a noite em dia; A graciosa boca Que a Amor com seus amores mais provoca; Os rubins graciosos; As pérolas qu' escondem vivas rosas Dos jardins deleitosos, Que o ceo plantou em faces tão formosas; O transparente collo, Que ciumes a Daphne faz d'Apollo ; O subtil mantimento Dos olhos, cuja vista a Amor cegou; A Amor que, com tormento Glorioso, nunca delles se apartou, Pois elles de contino Nas meninas o trazem por menino; Os fios derramados Daquelle ouro que o peito mais cobiça, Donde Amor enredados Os corações humanos traz e atiça, E donde com desejo Mais ardente começa a ser sobejo. Que de Neptuno estava aconselhado, Em tão bella figura trasladado, Porque Amor logo a falla lhe tirou. Emfim, querendo ver Quem tanto mal de longe lhe fazia, Porque de puro amor, Amor não via: Vio-se assi cego e mudo Por a força d'Amor que póde tudo. Agora s'apparelha Para a batalha; agora remettendo; Agora s'aconselha; Agora vai; agora está tremendo; Quando ja de Cupido Com nova setta o peito vio ferido. Remette o moço logo Para ond'estava a chamma sem socêgo; E co'o sobejo fogo Quanto mais perto estava, então mais cego: E cego, e co'hum suspiro, Na formosa donzella emprega o tiro. Vingado assi Peleo, Nasceo deste amoroso ajuntamento O forte Larisseo, Destruição do Phrygio pensamento; Foi nas ágoas Estygias submergido. ODE XII. Ja a calma nos deixou Sem flores as ribeiras deleitosas; Ja de todo seccou Candidos lirios, rubicundas rosas: Fogem do grave ardor os passarinhos Para o sombrio amparo de seus ninhos. Meneia os altos freixos A branda viração de quando em quando; E d'entre vários seixos O líquido crystal sahe murmurando: As gottas, que das alvas pedras sáltão, O prado, como pérolas, esmaltão. Da caça ja cansada Busca a casta Titanica a espessura, Logre o doce repouso da verdura, Mostrava o lume eterno das estrellas; O campo, brancas, roxas e amarellas, Que a Jupiter por a aguia foi levado, For do amante de Clicie visitado; He das Nereidas candidas cortado, Todo em crespas escumas einpolado: Mudar-se desta sorte o tempo leve: Da Primavera o fructo; a elle a neve; Quanto o claro sol vê, quanto allumia; Em tudo quanto alegra o bello dia: Somente a minha imiga A dura condição nunca mudou; Para que o mundo diga Que nella lei tão certa se quebrou: Em não ver-me ella só sempre está firme, Ou por fugir d'Amor, ou por fugir-me. Mas ja soffrivel fòra Qu'em matar-me ella só mostre firmeza, Se não achára agora Tambem em mi mudada a natureza; |