ANTONIO LUIZ DE SEABRA ste escrito não é uma biographia, nem podia sel-o porque nos faltavam as principaes partes que deviam entrar na sua composição. Tambem para referir e apreciar devidamente os actos de um homem, que desde muitos annos tem exercido influencia consideravel nos negocios publicos d'este reino, sem todavia desacompanhar o movimento litterario da nossa geração, seria acanhado o espaço que a Revista podia conceder-nos. Nos escassos apontamentos, que lhe damos, encontrará pois o leitor um resumo fiel das noticias, que ácerca do sr. Antonio Luiz de Seabra achamos escritas, recebemos de tradição alheia, soubemos como testemunhas presenciaes, ou casualmente ouvimos áquelle cavalheiro nas occasiões em que tivemos a honra de lhe fallar. Nada mais. É fiel o retrato. Foi-nos dado pela estimavel familia da pessoa que representa, e com elle deviam chegar apontamentos biographicos, que nunca obtivemos. Da bondade, com que sempre nos tratou o sr. Seabra, alcançámos a promessa muito formal d'elles, mas não veiu a realisar-se dentro do tempo util para satisfazer o desejo da direcção da Revista e a justa curiosidade do publico. Um retrato com que S. Ex.a se dignou favorecer-nos, e que por ventura o representava menos acabrunhado pelas teimosas sezões que padecia quando foi tirado que o dá hoje a Revista, tambem se não pôde aproveitar, por vir fóra de occasião. Não desconhecemos quão ardua é a empresa de- n'este logar em que a respeito de outros homens egualmente celebres nos precederam as mais elegantes e eruditas pennas do nosso tempo escrever ácerca de pessoa tão festejada de enthusiastas devotos quão aggredida e maltratada por inimigos enfurecidos. Não nos acobardamos com isto. O fulgor dos que n'estas paginas derramaram tanta luz, ainda ha de emprestar claridade as ópacas linhas que estamos escrevendo agora, e o nosso espirito de rectidão ha de passar incolume por entre os applausos de uns e os uivos descompostos de outros. Narrar com verdade e sem paixão é o nosso dever. Apreciar pertence á posteridade nas severas paginas da historia. II A 25 de dezembro de 1799 singrava nas alturas de Cabo Verde um navio em que demandava as praias do Rio de Janeiro Antonio Seabra da Motta e Silva, Ouvidor nomeado para Villa do Principe em Minas Geraes, e sua esposa, D. Dorothea Bernardina de Sousa Lobo, que andava no ultimo periodo da gravidez. Alli no estreito recinto d'aquella embarcação, e no dia indicado, deu esta senhora á luz um menino que depois a egreja inscreveu no registro dos catholicos em uma das parochias do Rio de Janeiro. O recem-nascido era o sr. Antonio Luiz de Seabra. D'ahi veiu dizer-se que o sr. Seabra nos poderia ser disputado pelos nossos irmãos de além mar, hoje emancipados e constituidos em florescente imperio, se elle não tivera antecipadamente resolvido o pleito acceitando a nacionalidade portugueza. Foi engano. O illustre auctor do Codigo Civil nasceu em casa portugueza, sobre agoas portuguezas ou muito acostumadas a tolerar o nosso dominio, e tão portuguez de coração quanto os successos da sua vida o teem provado sempre. Veiu o sr. Seabra para o reino a cursar os estudos da Universidade de Coimbra e n'ella fez formatura na faculdade de Direito no anno de 1820, cuja revolução liberal festejou com um soneto mui celebrado então e já repetidas vezes impresso depois. Devia pertencer á cohorte dos livres quem nascêra sobre o elemento que mais largamente symbolisa a liberdade. Em 7 de maio de 1821 foi despachado juiz de fóra da alfandega da Fé, e no exercicio das funcções d'este cargo recebeu do governo os maiores testemunhos de louvor,' que então ainda não andavam á mercê de um amanuense de estylo asiatico, e eram rigorosamente escritos em lingoagem portugueza. Tempos antigos! Alli serviu até 1823 em que o sr. infante D. Miguel saiu de Lisboa para Santarem, e em que el-rei D. João vi no intuito de prevenir maiores desastres resolveu tambem retirar-se para Villa Franca, d'onde por entre nuvens de poeira o trouxeram para a capital muitos realistas e bastantes liberaes, reintegrando-o no exercicio do poder absoluto sem as vinganças e cruezas de quas todas as restaurações. Apenas constou ao sr. Antonio Luiz de Seabra a mudança politica acontecida na capital, enviou immediatamente ao ministro das justiças a sua demissão fundada no desejo de permanecer fiel ao juramento constitucional. Outro magistrado que Manda el-rei, pela secretaria de estado dos negocios de justiça, participar ao juiz de fóra da Villa de Alfandega da Fé, Antonio Luiz de Seabra, que sendo-lhe presentes, pela sua conta de 17 do corrente mez, em que relata os abusos que encontrou no expediente da justiça no foro contencioso, assim na má organisação do processo, falta de formulario, e distribuição, nullidades, e excesso de salarios, como na falta de inventarios, e nenhuma administração dos bens dos orfãos, as providencias que deu logo, ordenando processos regulares, destribuidos competentemente, fazendo que os escrivães tivessem inventarios de seus cartorios, cohibindo todo o excesso de salarios, reformando conforme à lei todas as contas, que achou não conformes com o respectivo regimento, reduzindo os processos crimes a melhor ordem, fazendo desterrar todos os termos e escriptas inuteis, feitas só com o fim de augmentar os salarios, e applicando o indulto do decreto de 22 de Março d'este anno aos réos, que por descuido ou incuria, se não tinham aproveitado d'elle; fazendo outro sim conhecer e progredir o systema constitucional pelos meios suaves da persuasão; e tendo conseguido o melhoramento que desejava, e o conveniente ao serviço da Nação: ha por hem Sua Magestade louvar muito o zelo, actividade e intelligencia, com que o dito juiz de fóra tem procedido, e espera que continue a fazer tão importantes serviços, como os que tem praticado até ao presente. Palacio de Queluz em 3 de dezembro de 1821. - José da Silva Carvalho. (Diario do Governo de 6 de dezembro de 1821.) então servia de superintendente do sal em Setubal, Manoel Antonio de Carvalho depois barão de Chancelleiros, procedeu com egual ousadia, e ambos foram excepcionalmente exonerados pelo requererem. A exoneração do sr. Seabra foi em 30 de julho de 1823. Em 17 de agosto de 1825 teve o provimento do logar de juiz de fóra de Montemor-o-velho, porém só a 14 de janeiro de 1827 tomou posse por dever esperar que o seu antecessor acabasse o tempo de serviço. N'este cargo o vieram encontrar os acontecimentos politicos de maio de 1828, nos quaes coube ao joven magistrado parte vigorosa e activa. Desde que rebentou a revolução militar do Porto, o sr. Seabra. organisou em Montemór um corpo de cavallaria, cujo commando exerceu durante aquella curta e desventurosa campanha,' emigrando com os seus camaradas para a Galliza e de lá para Inglaterra e Belgica, onde muito avultou entre os emigrados pela sua grande capacidade e pela publicação de varios folhetos politicos dos quaes um se intitulava: Exposição apologetica dos portuguezes emigrados que recusaram prestar o juramento d'elles exigido no dia 26 de agosto de 1830, Bruges, 1830 em 8.o gr. Já em 1821 fôra em Coimbra um dos fundadores e collaboradores do jornal mensal publicado em janeiro d'esse anno com o titulo: 0 Cidadão Litterato, periodico de politica e litteratura. Nomeado corregedor de Alcobaça pelo regente D. Pedro duque de Bragança, o sr. Seabra foi accusado com violencia de factos culposos ácerca dos bens dos religiosos de S. Bernardo n'aquella villa. A esta accusação, respondeu com um folheto intitulado: Observações do ex-corregedor de Alcobaça Antonio Luiz de Seabra, sobre um papel enviado á camara dos srs. deputados, ácerca da arrecadação dos bens do mosteiro d'aquella villa, Lisboa 1835. Era então deputado, e n'esta qualidade trouxera tão delicado assumpto ao parlamento, obrigando o ministro das justiças José da Silva Carvalho a declarar na camara em sessão de 21 de outubro de 1834 que o procedimento do sr. Seabra estava inteiramente illibado e se tinha havido perfeitamente bem, declaração valiosissima por ser a favor de um deputado da opposição e em tempo em que as paixões politicas andavam mais á solta Em 25 de outubro de 1834 foi despachado para procurador regio da Relação de Castello Branco, porém não chegando a organisarse este tribunal, veio exercer o logar na de Lisboa desde 22 de maio de 1835 até á revolução de setembro de 1836, depois da qual deu a Foi encarregado da defeza da margem direita do Vouga, combateu na acção do Marnel, e foi demittido pelo sr. D. Miguel a 4 de julho de 1828. |