« Para que serviu a viagem?» porque se trazem d'essa excursão inspirada mais recursos para auxiliar o que por ahi chamam vida positiva, do que de muitas jornadas commerciaes pelos desertos da sciencia e pelas charnecas da industria; não se ensina em similhante obra a ganhar dinheiro, porém sim se aprende a ter alma. É uma especie de viatico e de eucharistia para a intelligencia; sente a gente em si pensamentos e parcellas de Deus, e torna-senos a intelligencia um céo, de onde se olha com piedade para as miserias humanas. E esse ha de ser, ó novella, eternamente o teu condão! JULIO CESAR MACHADO. crobata, da nova amazona, do verão em Cintra, de tudo que nos surprehende, que nos arrebata, que nos maravilha, que nos enleva, veio aos dez annos de um logarejo chamado Durruivos, a uma legua de Obidos, trajando um casaquito de baeta que a rara habilidade de uma tia conseguiu realisar-lhe do forro de uma capa. Chegando a Lisboa, ao cair da noite, depois de uma enfadonha viagem da falua desde o Carregado, vio pela primeira vez Lisboa ao accender dos candieiros, que apesar de ser ainda a época do azeite, o que não favorecia extremamente o prestigio da illuminação, tudo para elle foi motivo de surpresa, tudo o encantava, a estatua d'El-Rei D. José, as immensas fileiras de casaria, as lojas, o estrepito das carroagens, o movimento nas ruas. Principiou então os seus estudos que duraram até aos dezeseis e que foram interrompidos pelo mais pungente e doloroso golpe. Estava no theatro de D. Maria II assistindo a uma representação quando no meio do primeiro acto, vio entrar um seu amigo, que lhe pediu o acompanhasse até ao salão, onde alguem o procurava. Ao chegar lá deu com os olhos em um criado velho de sua casa, que a tremer e debulhado em lagrimas, lhe implorou que sahisse do theatro, communicando-lhe em seguida uma horrivel noticia, -estava orphão. Vendo-se em tão curta idade, privado do melhor e mais seguro amparo com que podia contar na vida, onde nem sequer ainda tinha aventurado os primeiros passos, é facil suppor qual fosse o terror que o dominava e a dor que o affligia. Ficára pobre e necessitava ganhar o pão de cada dia; mas como havia de ganhal-o? Era suprema a sua angustia; foi todavia forte a sua vontade. Não vacillou em frente do perigo. Que lhe restava fazer? Luctar com a adversidade, com os obstaculos, e com as decepções? Luctaria... e luctou muito, immenso; mas venceu. A primeira idéa que lhe acudiu, para a realisação de seu intento, foi aproveitar o conhecimento que tinha da lingua franceza, e offerecer-se para traductor do theatro do Gymnasio. Como o aceitassem, sustentou durante dois annos e meio o reportorio d'aquella scena nos brilhantes e auspiciosos tempos d'ella, nos tempos em que Taborda, Moniz, Isidoro e o mesmo Pereira, actor de menos talento e recursos que os outros, mas de uma graça especial, faziam ali as delicias dos expectadores, alegrando-os, promovendo-lhes o riso e muita vez a gargalhada em chistosas comedias, adequadas á bella vea comica dos festejados artistas. É certo porém, que Julio Machado, tem sido sempre grato ao acolhimento que recebeu do Gymnasio, quando era ainda uma vocação litteraria nascente e desconhecida; hoje, que o rodeia o prestigio de um nome legitimamente conquistado, manifesta logo que se refere áquelle theatro, a mais pronunciada sympathia, esquecendo-se muita vez de que é critico e obedecendo mais ao coração do que á consciencia na apreciação de alguns artistas mediocres, que por titulo de fundadores, e não pelos applausos de publico, se acham col |