eguaes fructos. Se tal succede, resta uma esperança, a da reforma dos Estudos, cm que Sua Alteza tanto lida. Os mercadores serão expulsos do tempio, e a composição ou confecção como elles dizem, dos livros classiços será confiada a homens de bom saber, que se desempenhem cumpridamente d'esse encarrego, Se não vir o cabo a esta boa esperança por se antecipar o mortuorio, ao menos ella animará os meus ultimos dias, e me deixará partir, exclamando com o Nebrixa: Exoriare aliquis nostris ex ossibus ultor, Qui face Barbatos, ferroque sequare Perotos. Ficae na paz de Nosso Senhor e Remidor, e quando fordes ao paço da Infanta, entrega os inclusos versos á insigne mestra Joanna Vaz, de cuja visitação me descuidei na minha ultima ida a essa côrte, e pedi ás duas Sigéas que me mandem alguma cousa escripta de seu punho nas linguas grega e orientaes de que são tão sabedoras. Da Esgueira, dia de Santa Maria alta, de 153?» (1) De facto el-rei D. João III realisou a aspiração de Ayres Barbosa; mas um desastroso erro politico destruiu de repente a obra de tantos sabios. Dom João III mandou entregar o Collegio das Artes aos Jesuitas; o afamado Diogo de Teive foi repellido do ensino, e a Grammatica do Padre Manoel Alvares começou a bes-tificar as intelligencias. O caracter de ensino litterario dos Jesuitas está lucidamente traçado n'estas palavras de Michelet: « É deploravel vêr protestantes e livres pensadores (Bacon, Ranke, Sismondi, Auguste Comte, etc.) louvarem os jesuitas como mestres e excellentes latinistas. Elles tiveram um conhecimento superficial da antigui (1) Publicada pela primeira vez na Imprensa e Lei, de 1856, n. 949 dade. Evidentemente, nunca leram nem conheceram os verdadeiros, os grandes eruditos do seculo XVI. Nas mãos dos jesuitas tudo se tornou frouxo e falso. Estas linguas masculinas e altivas, o que ficaram sendo nos seus Collegios? Quão molles e feminisadas! O seu reinado de humanistas, póde chamar-se com toda a verdade, o predominio da chateza. << Nunca o diabo fará a obra de Deos. O mais que faz são contrafacções ignobeis e caricaturas. O fructo jesuitico, derivado da Italia corrupta, do grotesco idyllio de Tirsis e de Corydon, envenenou a Europa.» (1) Quando Camões saíu de Coimbra ainda o ensino não estava corrompido pela roupeta; ainda levava comsigo as doces saudades das suas primeiras affeições, e dos sitios que melhor o impressionaram. (1) Michelet, Nos fils, p. 149, 4. ediç. CAPITULO IV Camões na côrte de D. João III Primeiros amo Epoca em que deixa os estudos de Coimbra. res em Coimbra. - A cultura da erudição dá-lhe entrada na côrte. A Academia da Infanta D. Maria: Angela e Luiza Sigêa, Paula Vicente, D. Leonor de Noronha. - Camões escreve a tensão de Miraguarda, depois de Francisco de Moraes ter dedicado o Palmeirim de Inglaterra, á Infanta D. Maria. —D. João ш pede a Camões algumas cançonetas. — Galanteios com as Damas em Cintra. - A poetica palaciana no seculo xvi, segundo a Arte de Galanteria. A anedocta de Jorge da Silva, apaixonado pela Infanta D. Maria. - Comparação com a lenda do Beato Amadeo. Relações de Camões com D. Guiomar de Blaesfat. -Os amores no paço e o quietismo religioso. -- Origem dos amores de Camões. Como se achou o nome de D. Catherina de Athayde no anagramma de Natercia. Homonymas de D. Catherina de Athayde. -Primeira perseguição de Camões, revelada nos Epigrammas de Pero de Andrade Caminha. - Camões confidente de D. Manoel de Portugal nos seus amores com D. Francisca de Aragão. — Ainda a poetica palaciana. Camões sáe da côrte em 1546; visita João Lopes Leitão, e Miguel Leitão de Andrade. — A vida na provincia no seculo xvI. — A morte de D. Bento de Camões em 1547, faz com que Camões não vá a Coimbra e se demore no Ribatejo.. Determinação do logar do seu desterO cerco de Mazagão em 1547, provoca em Camões o desejo de militar em Africa.- Satyras contra a decadencia do valor portuguez em Africa. Regresso de Camões a Lisboa em fins de 1549.- Caminha ridularisa Camões por ter perdido o olho direito. Como Camões allude a este desastre. Esperanças de se rehabilitar na côrte, em virtude da protecção que o principe herdeiro D. João prodigalisava aos poetas Sá de Miranda, João Rodrigues de Sá, Jorge Ferreira de Vasconcellos, Fernão da Silveira, D. Simão da Silveira, D. Manoel de Portugal, Jorge de Monte-Mór, e outros muitos.— Camões acha-se desprezado na côrte. Suas relações com Jorge de Monte-Mór, Estacio de Faria, Antonio Ribeiro Chiado. - Costumes da aristocracia portugueza no seculo XVI: os ro. - 6-TOMO I. rufiões de magustos e os modernos fadistas. - Camões era um dos principaes valentões da côrte.- Influencia d'este caracter sobre o seu amor. ·Soneto em que Camões explica a origem dos seus desastres. -O arrancamento com Gonçalo Borges, criado de D. João III, na procissão de Corpus. Protecção que encontra no Bispo de Viseu, D. Gonçalo Pinheiro. - Alista-se em 1553 para a India, como homem de guerra. - Suas ultimas palavras ao abandonar a patria. Convém primeiro que tudo fixar o tempo em que Luiz de Camões deixou os estudos de Coimbra e veiu frequentar a côrte; porque, fixada qualquer data, as circumstancias historicas já conhecidas explicam-nos a sua vida. O Bispo de Viseu, D. Francisco Alexandre Lobo, determinava esta vinda entre 1544 e 1545, mas sem apresentar fundamento; (1) porém ao snr. Visconde de Juromenha coube o descobrir um argumento que nos approxima o mais possivel da verdade. Na Carta I, escripta da India, em 1553, diz Camões: «Porque, quando cuido que sem peccado que me obri.gasse a trez dias de purgatorio passei trez mil de más linguas, peores tenções, damnadas vontades nascidas de pura inveja...» Estes trez mil dias correspondem a outo annos e outo dias; e diminuindo-os de 1553, vem a dar 1545; mas antes da partida para a India, esteve Camões em Ceuta dois annos, (2) e pelo menos um anno no desterro de Ribatejo. D'aqui se conclue que o poeta abandonára Coimbra em 1542. (1) Obras, I, p. 31. (2) Jur., Obr., t. 1, p. 25, e t. iv, p. 150. Pela nobreza de seu nascimento, e pela sua completa educação litteraria, é de crêr que viesse Camões para a corte, mais por calculo paterno do accrescentamento de seu filho, do que por intuito proprio de representação. Em uma côrte, onde havia o Infante D. Luiz, poeta e erudito, a Infanta D. Maria, protectora das boas letras, estadistas que tambem eram poetas, como o Conde de Sortelha ou o Conde de Vimioso, e condiscipulos das Escholas de Santa Cruz que andavam muito perto do throno e para quem choviam as graças regias, por certo que um mancebo como Camões, galante e atilado, tinha a esperar grandes vantagens, e podia-se afoutamente auspiciar-lhe um brilhante futuro. Mas a côrte, como a definiu Gil Vicente na Romagem de Aggravados, era um mar perigoso onde pesca muita gente; e já n'esse tempo Sá de Miranda accusava o erro economico de concorrer a Lisboa toda a fidalguia do reino. E estes perigos da côrte, vêmol-os mais claramente definidos por um amigo de Camões, o comico Antonio Ribeiro Chiado, no Auto intitulado Pratica de outo figuras. Aí diz: |