çambique. Sendo nomeado para este cargo o Capitão Pedro Barreto, sobrinho do antigo governador Francisco Barreto, offereceu-lhe o trazel-o comsigo para Moçambique; Camões acceitou a offerta, sem se lembrar dos velhos resentimentos motivados pelas suas queixas contra a severidade do Governador; n'este transporte de generosidade emprestou Pedro Barreto ao poeta duzentos cruzados, favor que em breve se converteu em um terrivel embaraço. Já em Moçambique, soube Camões do triumpho de D. Leoniz Pereira em 1568, quando defendeu Malaca contra o poder do Achem. No Soneto CCXXVII celebra este extremado feito, comparando o heroe portuguez com um heroe da antiguidade: Oh Nymphas, cantae pois: que claramente O nobre Leoniz fez em Malaca. Ou por ciume de se não ver tambem cantado em verso, ou por que no momento em que Camões recolhia as suas rimas, encontrasse essas queixas contra o governador Francisco Barreto, tornou-se em breve um duro inimigo de Camões; Pedro Barreto era de um genio irascivel, como se sabe pela sua morte, occasionada por se ter julgado affrontado com um acto do go verno. Esteve portanto Camões desde 1567 em Moçambique, até 1569, distrahindo-se da sua indigencia com o lavor poetico, á maneira de Ariosto. O modo como vi via está descripto nas palavras de Diogo do Couto, que lançam uma luz viva n'estes tempos calamitosos do poeta. No canto v dos Lusiadas, estancia 84, deixou Camões um traço devido à impressão dos dias desgraçados que passou em Moçambique: Na dura Moçambique emfim surgimos, Já serás sabedor..... Em 1569 partira de Gôa D. Antão de Noronha, substituido por D. Luiz de Athayde, tambem amigo de Camões; acompanhavam o ex-Vice-rei varios cavalleiros, e como elle fallecesse no mar, com os temporaes arribaram em Setembro d'este anno a Moçambique. N'esta Náo vinha o intimo amigo de Camões, Heitor da Silveira, Diogo do Couto, Lourenço Vaz Pegado, por ventura seu parente, e outros muitos, que então accudiram á miseria em que se achava. Na Decada VII descreve Diogo do Couto esta situação terrivel: «Em Moçambique achámos aquelle Principe dos Poetas do seu tempo, meu matalote e amigo Luiz de Camões, tão pobre, que comia de amigos, e para se embarcar para o reino, lhe ajuntámos os amigos toda a roupa que houve mister, e não faltou quem lhe désse de comer, e aquelle inverno, que esteve em Moçambique acabou de aperfeiçoar as suas Lusiadas para as imprimir, e foi escrevendo muito em um livro, que ia fazendo, que intitulava Parnaso de Luiz de Camões, livro de muita erudição, doutrina e philosophia... Por aqui se vê que a dissidencia com Pedro Barreto fôra pouco depois da chegada a Moçambique em 1567. Emquanto aperfeiçoava os Lusiadas, reconhecido ao antigo amigo e poeta Heitor da Silveira, introduziu no canto x, estancia 60, esta referencia honrosa, em que o compara com um heroe da antiguidade: E não menos de Diu a fera frota, Que Chaul temerá de grande e ousada, Quanto já foi aos gregos o troyano. Entre os amigos de Camões, que pela arribada a Moçambique o favoreceram, figuram além de Heitor da Silveira e Diogo do Couto, os nomes de D. João Pereira, D. Pedro da Guerra, Ayres de Sousa de Santarem, Manoel de Mello, Gaspar de Brito, Fernão Gomes da Gran, Luiz da Veiga, Antonio Cabral, Duarte de Abreu, Antonio Ferrão, e Lourenço Vaz Pegado. Partiu a Armada de Moçambique em Novembro de 1569; Camões vinha na Náo Santa Clara, de que era commandante Manoel Jaques, que em 1568 acompanhára a Armada que levava o novo Vice-rei Dom Luiz de Athayde. Durante a viagem, como refere Diogo do Couto, ia Camões escrevendo no seu Parnaso; já quasi a afferrar a terra da patria, soffreu a perda de Heitor da Silveira. A Náo Santa Clara chegou a Lisboa a 7 de Abril de 1570; (1) e Camões, depois de dezessete annos de ausencia, veiu ainda encontrar accesos os antigos odios, e luctar mais duramente com a desgraça. Emquanto outros traziam ricas mercadorias da India, Camões possuia apenas um manuscripto, sentido nos desterros injustos, nos carceres, nos arraiaes, tempestades do mar, e naufragios: era a epopêa dos Lusiadas. Ali estava reconcentrada a vida gloriosa da nação portugueza; trazia o poema para a publicidade, como um marinheiro que atira ao mar a noticia do galeão que se afunda, para que um dia se saiba aonde e quando succumbiram á fatalidade. (1) Indice de toda a Fazenda, p. 170. Este dia não vem assignalado em nenhum biographo. TERCEIRA ÉPOCA (1570 a 1580) CAPITULO VII Camões depois do seu regresso a Lisboa Fixação da chegada de Camões a Lisboa.-A Peste grande de 1569, segundo um manuscripto contemporaneo.-A procissão da Senhora da Saude na rua da Mouraria.-O Auto das Regateiras, e a reforma monetaria de D. Sebastião.Estado de tristeza do espirito publico.-Camões offerece o manuscripto dos Lusiadas a el-rei D. Sebastiào.-A amizade com D. Manoel de Portugal.-A censura do Santo Officio.-Caracter litterario do Padre Bartholomeu Ferreira. -Camões e os Frades de S. Domingos.—O odio de Caminha e de Bernardes, depois da publicação dos Lusiadas.— Pedro da Costa Perestrello rasga a sua epopêa manuscripta.— O roubo do Parnaso de Luiz de Camões.- Estacio de Faria teve este livro em seu poder.-Como se restitue esta obra pelos manuscriptos dispersos de Camões.-Relações com Manoel Barata, D. Luiz de Athayde e Magalhaes Gandavo. -Estado de pobreza de Camões, pela Satyra de André Falcão de Resende. Primeira jornada de D. Sebastião a Afri- A façanha de D. Pedro da Silva.-A tença de Camões. -O desastre de Alcacer Kibir.-Bernardo Rodrigues e a segunda epopêa de Camões. -Relações com o divino Herrera, chefe da eschola lyrica de Sevilha. - Morte de Camões com a nacionalidade portugueza.-Os ultimos annos de sua mãe D. Anna de Sá.-Degradação do caracter portuguez, alimentado pelos sonhos do Quinto Imperio.-Como o sentimento descobriu a nacionalidade dos Lusiadas.-Tradição do respeito de Tasso por Camões.-Como a sciencia europêa acceitou Camões como o primeiro poeta do mundo moderno. ca. Depois de dezesete annos de ausencia e sem espede tornar a ver a patria, o momento em que se ouve o grito que annuncia a terra, faz estremecer de rança |