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Emfim não ha heroe celebrado por Camões que não tenha o seu typo primario na historia antiga; perdiam assim a feição individual e nacional para se moldarem aos padrões da erudição classica. A ideia do direito de conquista, resultante da theoria da Monarchia universal, fez quebrar os limites das nações, absorvendo para dentro da sua geographia as colonias longiquas e as possessões adquiridas á força. Foi no seculo em que mais desconhecemos os limites geographicos de Portugal, que tivemos os maiores cosmopolitas, como esse contemporaneo de Camões, Fernão Mendes Pinto, que escreveu o livro extraordinario das Peregrinações.

A mesma fatalidade da geographia, que tinha feito de Portugal uma nacionalidade independente e forte, acha-se, como vimos na Philosophia da Historia de Hegel, confirmada na Hollanda; mas pelo fatalismo da vida historica coube á Hollanda o tornar-se uma das grandes potencias do seculo XVII á custa dos erros politicos de Portugal; no seculo XVI, quando a intolerancia religiosa asphyxiava a consciencia e o pensamento ainda nas nações mais illustradas, a Hollanda foi o asylo inviolavel de todos os perseguidos, e era d'alí que o bom senso de Erasmo appellava para todos os que guardavam em si uma centelha da rasão humana. Quando D. Manoel, para comprazer com o fanatismo de uma infanta de Hespanha, expulsava de Portugal a parte industrial e productora da nação-os Judeus, estes foram enriquecer a Hollanda com os seus capitaes, com o seu commercio, e com os seus grandes homens de in

3-TOMO I.

telligencia, comò Spinosa. Quando Portugal era annexado á Hespanha como uma provincia sem vida propria, a Hollanda accudiu tambem aos despojos das nossas colonias da America. É porque a Hollanda, tendo de defender-se das invasões do mar, que constantemente avançava para a submergir, não se esquecia um instante de que não bastava vencer aquella força, senão tambein tirar d'ella os seus recursos de existencia propria.

Uma cousa obstou que estes phenomenos moraes, politicos e scientificos da Renascença deixassem de ser formaes e exteriores: a Renascença só foi completa nos paizes aonde penetrou a Reformu, que a corrigiu pela tolerancia, pelo livre exame e pelo individualismo. Em Portugal, a imprensa do seculo XVI publicou quasi que unicamente livros de theologia; accresceu a este exclusivismo a creação da censura do Santo Officio e esses insensatos Indices Expurgatorios, que atacaram de preferencia as obras de litteratura. Faria e Sousa, commentando o Soneto I de Camões, fala da prohibição que soffreram os Cancioneiros manuscriptos do seculo XV, por conterem Canções amorosas em que apparecem os epithetos angelico, divina, deusa, dados ás namoradas. Este facto explica a perda de muitas collecções poeticas, a demora que os Quinhentistas levaram a dar á publicidade os seus cantos, e o encontrarem-se hoje em Hespanha varios Cancioneiros, como o do Conde de Marialva, que para alí eram mandados para serem revistos pelo Santo Officio. Do seculo XVI perderam-se as obras

meudas de Gil Vicente, as Comedias de sua filha Paula Vicente, as poesias de Fernão da Silveira e de seu irmão Heitor da Silveira, de Antonio de Abreu, de André de Quadros, de João Lopes Leitão, de Estacio de Faria, de Antonio Pereira, senhor de Basto, de André da Fonseca, de Antonio de Castilho, do Infante D. Luiz, de D. Gonçalo Coutinho, e de outros muitos, como nol-o revelam as rubricas das poesias publicadas.

Assim, podemos concluir que esta má comprehensão da Renascença e o horror catholico contra a Reforma, nos levou bem cêdo á conclusão fatal da negação da nacionalidade: dois factos tornam evidente o asserto. Quando a Reforma foi combatida em Portugal pelo novo tribunal da Inquisição, no mesmo anno em que se extinguia entre nós a liberdade de consciencia, em 1536, expirava Gil Vicente, aquelle que mais luctára a favor d'ella; quando a independencia nacional ficou extincta pela invasão de Philippe II de Castella, que se senhoreou de Portugal em 1580, n'esse mesino anno morreu em pura pobreza Camões, aquelle que mais profundamente sentiu e soube revelar a consciencia da nossa nacionalidade. São estes os principios que nos dirigem na exploração da vida do maior poeta do mundo moderno,

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CAPITULO II

Origem da familia de Camões

Vasco Pires de Camões emigra para Portugal com outros fidalgos da Galiza, por causa de ter seguido o partido de D. Fernando, contra Henrique 11 de Castella.

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- Seu caracter litterario. - Parallelo com João de Mena. Fernão Lopes retrata-o algum tanto venal. O Marquez de Santillana cita Vasco Pires de Camões como um dos chefes da Renascença poetica da Galiza. — Dos seus tres filhos, o segundo genito, João Vaz de Camões foi o bisavô do Epico portuguez. --a) João Vaz de Camões milita em Africa, vae á batalha do Toro, e passa os seus ultimos annos em Coimbra. O seu sepulchro na Sé de Coimbra. b) Antão Vaz de Camões, casa com uma parenta de Vasco da Gama. - Era capitão de armada em 1505. -c) Simão Vaz de Camões e sua personalidade historica nos documentos legaes. - Sua vida aventurosa. - d) Luiz de Camões, creador da epopêa nacional portugueza, ultimo representante d'este segundo ramo de Vasco Pires de Camões. Sua vida antes de começar os estudos em Coimbra. em que frequenta os estudos menores em Santa Cruz.

Epoca

Seria ocioso explorar as origens da familia de qualquer outro escriptor, a não ser a de Luiz de Camões, cujas particularidades da vida interessam immediatamente a historia litteraria e nacional. Em Camões dá-se uma coincidencia notavel: aos seus antepassados estão ligadas as tradições da poesia provençal portugueza; elles representam essa seiva poetica da Galiza, que fecundou a Peninsula toda, e ainda no Cancioneiro da Vaticana existem cinco canções do trovador galego João Nunes Camanes. Vasco Pires de Camões foi o ter

ceiro avô de Luiz de Camões; no seu nome está representada tambem a reacção da eschola galega contra as ficções bretans e contra as allegorias dantescas da Italia, quando os fidalgos que seguiram o partido de D. Fernando se refugiaram em Portugal. No livro dos Trovadores galecio-portuguezes, já analysámos a sua importancia litteraria. (1) Alão de Moraes, na Cedatura luzitana, manuscripto genealogico da Bibliotheca do Porto, n.o 445, diz: «Este appellido se entende ser o mesmo que Gandara, nas Armas e Triumphos de Galiza, p. 584, chama Vasco Fernandes de Camanho, filho segundo de Fernão Garcia Camanho e de sua mu lher D. Constança Soares de Figueirôa.» No Cancionero de Baena, tambem se lhe chama Vasco Lopes de Camões. Nas Chronicas, que têm exacção historica, é chamado Vasco Pires de Camões, geralmente admittido; este trovador, ao contrario de seu irmão Garcia Fernandes de Camanho, seguiu o partido de Pedro Cruel contra o bastardo Henrique II, refugiando-se depois da sua derrota em Portugal em 1370, vindo com outros fidalgos, como Fernão Caminha, sexto avô do poeta Pero de Andrade Caminha, e o Conde Andeiro.

Vasco Pires de Camões foi um dos fidalgos do principio do seculo XV que mais medrou com os seus sacrificios pela causa de el-rei D. Fernando; este lhe deu por mercê de 2 de Septembro de 1373 a Quinta de Ges

(1) Op. cit., p. 312 a 321.

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