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mára a vida com o ideal d'essa ditosa patria sua amada; no momento em que a não pôde mais tocar como livre, morreu com ella para a esperança e para tudo. A sua epopêa é o unico signal que ainda nos faz conhecidos, por que contém o espirito, o sentimento e a vida do facto capital com que entrámos na historia.

CAPITULO I

A Renascença do seculo XVI e a nacionalidade

portugueza

Causas porque a Renascença não penetrou em Portugal no principio do seculo xvi. O'animo do lucro distrahia os portuguezes do estudo. — A Renascença foi introduzida em Portugal só com os seus caracteres exteriores: No Direito, pela substituição dos Codigos Romanistas ao direito consuetudinario medieval expresso nos Foraes. Na Politica, pela reproducção do ideal antigo da Monarchia Universal. - Na Arte, pela substituição das ordens gregas ao gothico popular e espontaneo. Na Erudição, pela substituição dos modellos classicos da litteratura grega e romana ás livres creações do espirito original e individualista da edade media. - Consequencias d'estas causas no sentimento da nacionalidade: Com relação á Lingua, é approximada artificialmente do latim urbano e immobilisa-se.. Com relação ás tradições, os heroes nacionaes são moldados sobre os personagens da historia grega e romana.- - Com relação á geographia, o novo direito de conquista e a exploração das colonias, criam o cosmopolitismo.— Fernão Mendes Pinto e as Peregrinações. - Como o genio da Renascença não foi em Portugal completado pela Reforma.

Os dois vultos que melhor representam a Renascença em Portugal, Gil Vicente e Camões, um morre com a liberdade de consciencia em 1536, o outro com a nacionalidade em 1580.

Esse grande phenomeno moral, social e scientifico que transformou a Europa, conhecido pelo nome de Renascença, operou-se emquanto Portugal andava occupado nas conquistas do Oriente; mas se com relação á actividade intellectual estava fóra d'esse movimento, não lhe era elle alheio, porque o facto da Renascença do seculo XVI foi uma consequencia fatal das navega

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ções portuguezas, que deram á vida civil uma feição nova e criaram a necessidade das relações internacionaes pelo commercio. Damião de Goes, na Chronica do Principe D. João, descreve a sensação profunda produzida pelas navegações portuguezas entre as nações da Europa: «Das quaes navegações admiração foi então tamanha, que por esse respeito vieram a estes reinos muitos homens letrados e curiosos, dos quaes uns vinham com tenção de ir vêr estas terras, provincias e novos costumes dos habitadores d'ellas; ou para tambem ajudarem a descobrir outras com esperança do proveito que d'isso podia seguir; outros vinham sómente para verem as cousas, que d'estas nossas provincias os nossos traziam; ou para escreverem o que ouviam d'aquelles que das taes navegações tornavam;... o que estes homens estrangeiros faziam ou de suas proprias vontades, ou mandados de cidades, republicas e principes desejosos de saberem a certeza de tamanhas novidades.» Damião de Goes viajou durante muitos annos pela Europa, e conhecia de um modo directo a importancia d'estas descobertas e a influencia capital que exerceram entre os povos modernos. Andavamos occupados n'estas expedições cavalheirescas e mercantís, e por isso fômos o ultimo povo que abraçou a Renascença. Em Sá de Miranda encontra-se a condemnação d'esta avidez do ouro da India e Brazil, na Carta a D. Fernando de Menezes. A André de Resende, escrevia André Falcão:

N'outro tempo valeu mais que o ouro o engenho;
Agora engenho tem quem tem mais ouro,

E só ter ouro é um geral dissenho.

Esta falsa cobiça de thesouro
Leva cega após si honra e nobreza
Do Tejo, Ana, Mondego, Minho e Douro.

Não falo já no mais da redondeza;
Cá em nosso Portugal principalmente
Sangue e saber por vil metal se preza. (1)

Quantos vimos, por ser interesseiros
Escurecer o nome e illustre fama
De Portuguezes fortes e guerreiros?

Que se o nobre desejo os leva e chama
Além de tantos mares exquisitos,

Cubiça d'ouro os escurece e infama. (2)

O proprio André de Resende, que viajou pela Europa e frequentou a convivencia dos principaes eruditos da primeira metade do seculo XVI, na sua Oração de Sapiencia, recitada na Universidade de Lisboa em 1534, annuncia-nos o movimento scientifico da Renascença, e convida a mocidade do seu tempo a seguil-a, apresentando-lhe o exemplo «não só da Italia, creadora d'estes estudos, mas tambem da França, da Inglaterra e da Allemanha, n'esta nossa edade disputando a palma das letras á Italia, e finalmente da Polonia, a mais

(1) Obras, p. 273.

(2) Ib., p. 278.

atrazada de todas as terras antigamente.» Todos preferiam enriquecer-se, alcançar uma feitoria, uma tença no livro da Ementa, do que estudar; Falcão de Resende descreve este abysmo da educação portugueza:

E assim mandar ordena um filho á China
Instructo e chatim já na mercancia,
Nos resgates das Ilhas, Guiné e Mina;

Inhabil na christã philosophia,
Porque o pae, cego, e tendo por affronta,
Diz que qualquer fradinho isto sabia.

Mas contador experto em caixa e conta,
Sabe comprar barato e vender caro,
Que para sua cubiça isto é
que monta.

E já se embarca, e é só seu norte e faro
Sempre o negro interesse, e n'elle a prôa,
Deixa atraz patria, o pae e o amigo caro.

Já o mar bravo aos mimos de Lisboa,
Á vida e alma antepondo a fazenda,
Dobrando Cabos, climas, chega a Gôa.

Tira seu fato e faz taverna e venda;
Trampeia e engana, troca, jura, mente,
Como um bofurinheiro emfim põe tenda.

E em que redobre o resto e accrescente
Sempre ao cabedal, mais se desvela
Por navegar os mares do Oriente.

Tenta outra vez Neptuno dando á vela,
Costeia rios, ilhas, enseadas,

Faz viagem á China, até dar n'ella.

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