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PRIMEIRA ÉPOCA (1537-1553)

CAPITULO III

Camões e a reforma dos Estudos classicos

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As Escholas menores em Santa Cruz de Coimbra em 1527.-0 Collegio de Todos os Santos, para os Estudantes honrados pobres. Estudo da Grammatica Latina de D. Maximo de Sousa, e da Grammatica grega de D. Heliodoro de Payva. — Costumes litterarios de Santa Cruz de Coimbra.-A edade de doze annos para começar os estudos menores. Relações de Camões com os estudantes que frequentavam as escholas de Santa Cruz: D. Gonçalo da Silveira, D. Alvaro da Silveira. O Duque D. Theodosio passa por Santa Cruz de Coimbra. Os divertimentos escholares: Camões compõe o Auto dos Amphytriões, segundo a eschola de Gil Vicente.-D. Bento de Camões, sáe eleito Geral de Santa Cruz de Coimbra e C'ancellario da Universidade em 1539. — Influencia do seu caracter sobre Luiz de Camões: As lendas de D. Affonso Henriques em Santa Cruz de Coimbra. O thesouro enterrado: causa da dissidencia de D. Bento de Camões com el-rei D. João нI. - Primeiros versos de Luiz de Camões a seu tio. - Camões bacharel latino, segundo os versos de André Falcão de Resende. A Reforma da Universidade por D. João 111. · Carta

de Ayres Barbosa ácerca da reforma dos Estudos. - Os paes de Camões voltam para Lisboa: férias do poeta. Regressa definitivamente para Lisboa em 1542.- Os Jesuitas apoderam-se do ensino.

Os escriptores que tratam de Camões reconhecemlhe a sólida erudição com que os bons espiritos da Renascença se formavam; procuram nos seus versos todos os paradigmas por onde provam o conhecimento que ti

nha de Homero, de Virgilio, de Petrarcha, de Ptolomeu e dos Geographos antigos, da Mythologia e da Historia universal, mas nenhum tractou ainda de reconstruir o quadro dos estudos classicos em Portugal, no tempo em que Camões frequentou, depois de 1537, as escholas de Coimbra. (1) Pela leitura das Obras de Camões descobre-se logo duas educações distinctas, com um espirito até certo ponto contradictorio, e tendendo o mais forte, como auctoritario, a abafar o que era simplesmente sentimental. É um o espirito classico, o outro o espirito nacional; este ultimo, apezar de todos os esforços tentados pela pedagogia do seculo XVI, não pôde ser de todo obliterado na sua alma; transpira a cada passo nas innumeras allusões aos romances do povo, (2) nos anexins vulgares, na fórma de Auto usada nas suas tentativas dramaticas, e principalmente no conhecimento da poesia intima das lendas da historia de Portugal, que elle soube tão bem aproveitar na extructura dos Lusiadas. Esta educação, absolutamente desconhecida em Ferreira e em Caminha, fez-se de um modo natural e simples, no tempo da boa soltura das margens do Mondego, antes de trocar a lingua portugueza pelo uso quotidiano do latim nas escholas de Santa Cruz. Esta educação é que lhe deu o sentimento da

(1) O snr. Visconde de Juromenha reconhece esta omissão: Seria longo para aqui, e por certo tarefa mui superior ás nossas forças, o descrever o movimento litterario da Academia portugueza, no tempo em que foi cursada pelo nosso Poeta.» Obr., t. 1, p. 18.

(2) Epopêas da Raça Mosarabe, p. 329 e 330.

nacionalidade, e o tornou o palladio do nome de Portugal, por elle ainda lembrado na história.

Vejamos agora como o espirito classico dominava no meio em que vivia, e como as circumstancias do tempo tendiam a absorver para a erudição e para o pedantismo. As Escholas do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra eram no primeiro quartel do seculo XVI o centro da principal actividade litteraria. Reformado este Mosteiro em 1527, continuou com mais ardor o costume que desde D. Sancho 1 guardava, de se dedicar ao ensino. Desde 1527 até 1547, periodo no qual está incluso o da aprendisagem de Camões, alí permaneceram as Escholas menores. Da Chronica dos Conegos Regrantes extrairemos alguns factos importantes relativamente a esta época: «Mandou o Padre Reformador Fr. Braz de Barros, vir Mestres da Universidade de Paris, por informação que lhe deu o P. D. Damião, nosso Conego de Santa Cruz, que lá tinha estudado. Vieram pera Mestres de Grammatica, de Grego e de Hebraico, dous Doutores pela Universidade de Paris, ambos portuguezes e mui versados nas ditas linguas, a saber Mestre Pedro Henriques, e Mestre Gonçalo Alvares, que depois leram tambem nas Escholas publicas em Coimbra, como diremos. Artes, começou a lễr o nosso Conego D. Damião, que depois de ter lido tres annos por ordem do dito Reformador, tornon a Paris a receber o gráo de Mestre em Theologia, pera a vir ler ao mesmo Mosteiro de S. Cruz. Canones, leu o Padre D. Dionisio de Moraes, que era Bacharel formado n'el

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les pela Universidade de Paris.-Começaram a lêr estes Mestres aos Religiosos de Santa Cruz em Outubro do anno de 1528, com tanto aproveitamento dos discipulos, que correu a fama dos Estudos, que havia no dito Mosteiro, muitos fidalgos e nobres do reino mandaram a elle seus filhos. Para estes se fundou o Collegio de S. Miguel dentro do Mosteiro de Santa Cruz, e pera Estudantes honrados pobres, o Collegio de Todos os Santos; este tinha seu dormitorio na Casa grande do terreiro da Procuração, a que chamavam o Galeão, o outro tinha o seu dormitorio mais para cima, á parte do Norte, junto das torres. Perseveraram estes Collegios dentro do Mosteiro até 1544...» (1) Se nos lembrarmos de que em 1527, D. Bento de Camões, tendo já tomado o habito em Santa Cruz, abraçou a reformação, e de que Simão Vaz de Camões, fugira para Coimbra com a côrte por causa da peste, é facil de admittir-se o ter Luiz de Camões seguido, como era costume entre a nobreza, estes estudos. A prova d'este asserto está nos versos a D. Bento de Camões, e nos nomes dos amigos do poeta que tambem alí foram escholares.

As relações de Luiz de Camões com D. Gonçalo da Silveira, filho do antigo poeta do Cancioneiro D. Luiz da Silveira, e com seu irmão D. Alvaro da Silveira, dataram por certo do tempo em que frequentaram as Escholas de Santa Cruz de Coimbra. Na Chronica dos Conegos Regrantes, falando-se de um membro d'esta illus

(1) D. Nicoláo de S. Maria, Op. cit., p. 300, t. 11.

tre familia, se lê: «nasceu em Lisboa, onde estudou as primeiras letras, e como teve edade para as mais, o mandou seu pae estudar no Mosteyro de Santa Cruz, parece que lembrado da boa criação que seu tio o Padre D. Gonçalo da Silveira teve no mesmo Mosteiro, ou tambem querendo seguir o costume antigo dos Senhores do nosso Portugal o velho, os quaes mandavam a seus filhos, que haviam de seguir o estado ecclesiastico, ao dito Mosteiro de Santa Cruz a estudar letras e virtudes, como fez o Infante D. Luiz a seu filho natural o senhor D. Antonio, e o Duque D. Jaime a seus filhos o senhor D. Fulgencio e o senhor D. Theotonio, e o Marquez de Ferreira, D. Francisco de Mello, a seu filho D. João de Bragança; e o Conde de Portalegre D. João da Silva a seu filho D. Antonio da Silva; e finalmente o Conde da Sortelha a seu filho D. Gonçalo da Silveira.» (1) Este ultimo recebeu a immortalidade na epopêa dos Lusiadas, onde Camões fala do seu martyrio:

Vê de Benomotapa o grande imperio
De selvatica gente negra e nua,
Onde Gonçalo, morte e vituperio
Padecerá pela fé santa sua. (2)

D. Gonçalo da Silveira partira para as missões da India em 1555 e recebeu a palma do martyrio em 1560.

(1) Op. cit. p. 413.
(2) Canto x, est. 93.

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