Joaquim Manoel de Seixas Abranches, era realmente, como qualifica-o D. Rodrigo de Menezes, um ministro indigno deste titulo. Prevaricador, corrupto, mào de natureza e costumes, infrene na devas sidão e na sordida cubiça, de rapacidade audaz, instinctos torpes, trapaceiro, falsario, perseguidor, venal até o descaro, libidinoso e perverso a ponto de desgraçar violentando, para os fins de sua lubricidade, desprotegidas e innocentes filhas de pobres familias, cujos paes e parentes afastava dos miseros lares fazendo-os prender e processar por crimes suppostos... esse monstro tinha por auxiliares, correctores e socios de suas immoralidades, alicantinas e extorsões conhecidos e ousados velhacos, seus intimos e dignos delle, principalmente um Bernardo José de Almeida, sobre cujos actos e feições caracteristicas mais saliente ha na alludida correspondencia do governador traços accentuados em factos e depoimentos expressivos. Referindo-se ás violencias e torpezas de tal juiz, escreveu D. Rodrigo de Menezes, entre outras, estas phrases dignas de Tacito :-<«Ellas têm posto aquella terra, que estava florescendo, quasi em um deserto, e ninguem vive com segurança debaixo de um tal despotismo. E que possa um ministro da primeira ou segunda instancia pratical-as assolando os povos nesta distancia, sem que haja um Poder Coerctivo que lh'as possa reprimir, é o que eu me não capacito que seja da intenção de Sua Magestade, nem de Soberano algum, que deseje a conservação e fe icidade dos seus povos, especialmente em Colonias, que por estarem longe do throno não podem receber immediatamente delle, em tempo competente, o remedio ás sus vexações, e que, mais que a Mãi Patria, necessitão de ser regidas com justiça e suavidade, sem as quaes è impossivel florescerem.>> Tal era a justiça (adiante referem-se os casos documentadamente) na capitania de Minas-Geraes, porque os ministros corrompidos e perversos como o Ouvidor do Serro Frio Joaquim Manoel de Seixas Abranches não eram as excepções: quasi todos professavão os mesmos principios e desenvoltamente pratica vão identicas infamias e iniquidades, bem que talvez nenhum pudesse ser seu emulo em corrupção e vilissimos desregramentos. Ninguem vive com segurança debaixo de tal despotismo, disse D. Rodrigo de Menezes. E como desse governador honesto e temente a Deus foi successor immediato Luiz da Cunha Menezes, encarnação de vicios e de malvadez que na historia mineira tão abjecto e repulsivo tornão-lhe o nome, facil é ajuizar-se da situação geral de nossa terra poucos annos antes da Inco fide cia, que eff-ctivamente originou-se do soffrimento do povo, cançado de oppressões e vilipendios. As façanhas torpes, e as indignidades do ouvidor Seixas Abranches constitue apenas um capitulo na desolante historia da ad ninistração da justiça na capitania mineira, não menos flagellada pelo fisco deshumano e insaciavel, pela brutalidade dos soldados dragões, e, sobretudo - por via de regra pela implacab lidade despotica dos capitães-generaes e seus sequazes, na pratica normal da capacidade e de toda a sorte de violencias, perseguições e affrontas ao povo que elles paternalmente governavão como tenentes da magestade fieiissima... Agora a alludida correspondencia de D. Rodrigo José de Menezes que foi, como dissemos já, uma das excepções entre os governadores de Minas-Geraes sob o regimen colonial. Honra ao seu nome! Ill.m e Ex.mo Sn.r Sempre me persuadi que uma bem calculada, e dirigida prudencia seria suficiente em quem governa, para ganhar os Corações dos homens e obrigal-os com uma força voluntaria a cumprirem as suas obrigações sem que parecessem conduzidos mais que pela propria vontade, e sem que percebessem mão Superior, e estranha que desse os movimentos ás suas ações. Não posso negar que este sistema me tenha sido proveitozo nesta Capitania, onde a maior parte dos homens os mais condecorados procurão quanto é possivel concorrer comigo, de seu proprio movimento para tudo o que é do serviço de Sua Magestade e conforme ás suas Leys. Ha porem espiritos avessos, em os quaes não aproveito inspirar-lhes sentimentos elevados: maximas de honra e moderação: principios de equidade: obrigações de justiça disfarce de erros concelho in : direto para a emenda, e que antepondo a tudo as suas sordidas paiIões obrigão a prudencia a evitar a similhança de fraqueza, franqueando os lemites que lhe parecem naturaes, para falar a linguagem da autoridade : Esta é a precisão em que, bem contra minha vontade, me vi ha bem poucos dias para com Joaquim Manoel de Seixas Abranches, Ouvidor da Comarca do Serro Frio. Este Ministro, logo que chegou á Vila do Principe, lugar da sua residencia, ainda no tempo de meu antecessor, deu uma imediata prova da turbulencia, e cobiça do seu genio, suspendendo sem para isso ter jurisdição, todos os oficiaes da Intendencia do Ouro, e metendo em seu lugar outros com quem tinha feito ajustes. Esta irrizoria suspensão durou muito pouco tempo, tendo sido todos restituidos por D. Antonio de Noronha, a quem por todos os titulos tocava o conhecimento desta materia, que não passou adiante pelo dito Ministro conhecer o seu erro, cedendo e pedindo graça do seu procedimento. Pouco depois de eu aqui chegar me fizerão varios requerimentos ontra ele a que não dei atenção, menos ao de um Agostinho de Al meida escrivão dos orfãos, ao qual dividíu, e multou o oficio, não o podendo fazer por ser rematado na Junta da Real Fazenda, e por fim o suspendeu e vexou de todo o modo, Ao mesmo tempo que esta queixa me chegava, recebi outra dos oficiaes da Camara da Vila do Principe em que me expunhão o desprezo com que aquele Ministro os tratava, o nenhum caso que fazia das eleições de fiscaes a que tinhão procedido, os dicterios que lhes distribuia, e finalmente a prizão a que havia mandado proceder contra alguns deles. Não pude deixar por esta vez de lhe escrever uma carta muito atenciosa, em que lhe dizia me parecião impossiveis as queixas que contra ele formavão, pois não se podia esperar de um Ministro tão conspicuo, procedesse de similhante modo, e que assim esperava me discesse o que havia na materia. Respondeu-me desculpando se de todos os sobreditos procedimentos, de um modo nada concludente; mas eu que desejo a paz, e união cuidei em serenar as queixas e pouco depois lhe escrevi uma carta particular, em que lhe lembrava a moderação inseperavel das pessoas publicas, e o advertia amigavelmente que eu não ignorava quaes erão as minhas e suas obrigações. Toda a minha moderação não bastou para lhe servir de exemplo. Continuou nas suas desordens, e havendo apenas oito mezes, que tinha sahido do Districto de Minas Novas do Arassuahi, voltou ali em Correição, e procedendo á factura dos Camaristas da Vila de Nossa Senhora de Bom Sucesso, fez uma ilegal eleição na pessoa de Manoel José de Souza, para Juiz de Orfãos sem observar disposição alguma das Leys do Reino, e sem consultar mais que o seu proprio caprixo e interesse. A Camara de Minas Novas me fez logo a reprezentação, que por copia remeto a V. Ex.a (numero 1), mandando-me os documentos apontados nela que por muito volum zos não envio; e o procurador da mesma Camara me escreveu a carta, que tambem por copia re meto, (numero 2). Ao mesmo tempo me foi aprezentado o requerimento do povo, (numero 3), em que me expoem o sem numero de eniquidades, que aquelo Ministro tem obrado no referido Districto. A prudencia com que desejo proceder em materias desta natureza me fez suspender toda a resolução a este respeito o espaço de quatro mezes, e entretanto tomei minhas informações particulares, e constando-me com certeza o de que trata a sobre dita representação, carta do Procurador da Camara, pondo de parte tudo o que me expunhão os povos no requerimento acima mencionado, tomei a resolução de escrever ao sobredito Ministro a carta numero 4, somente sobre o objecto da ilegal eleição dos Juizes dos Orfãos, suas consequencias, e a repetição de Correições com que atormenta aquele Districto. e Não é possivel expôr a V. Ex.a o quanto è prejudicial ao serviço de S. Mag., e bem comum dos Povos, a confuzão que existe sobre os limites de Jurisdição entre os Governadores desta Capitania, e OS Ministros. Estes individuos, ordinariamente levantados do pó da terra e sempre vindo para similhantes lugares por primeira, ou segunda intrancia, vão bebendo uns dos outros, maximas de independencia totalmente incompativeis com a bôa ordem social. Ao mesmo tempo, que a sua Jurisdição se não deve contemplar mais que na pura Distribuição da justiça, e que as suas expedições não devem ser mais que em materias judicices: eles se intrometem na administração Politica, que não pode pertencer mais que aos Governadores; arrogando se cada um na sua Comarca uma autoridade sem limites, afectando uma total independencia dos Governadores a quem nunca dão outro nome mais que o de General, para assim designarem, que eles não tem outra inspecção, que não seja a da Tropa, desconhecendo ou tendo por irrizorias as palavras expressas das Patentes com que S. Mag. nos honra, em que manda ás justiças nos obdeção como a seus Governadores. Daqui nasce a desordem, que precizamente ha de existir em um Corpo sem cabeça. O Regimento que foi dado em mil e seiscentos setenta e nove a D. Manoel Lobo, quando veio Governar a Capitania do Rio de Janeiro, mandado depois observar nesta, foi feito pelo Concelho Ultramarino, composto de juristas e não contém a este respeito cousa bem concludente, como seria necessario. A multidão de ordens depois expedidas pelo mesmo Concelho a esta Capitania fazem um Corpo informe e contraditorio, sendo cada uma delas ditada pelas inclinações da Conjuctura. A autoridade que os Governadores tem bem decedida pelo dito Regimento, paragrapho 16, de advertir os Ministros das suas obrigações, e não se emendando darem conta a S. Magestade, alem de lhe ser disputada pelos mesmos Ministros, é insuficiente nesta distancia, e o Governador que quizer fazer a sua obrigação quasi sempre ha de ficar injuriado. Uns e outros tem por prazo dos seus cargos o tempo de tres annos; mas ordinariamente se dezencontrão nas datas. Se a dezordem foi cometida pelo Ministro nos fins do seu termo e principios do do Governador quando a este chega a rezolução da conta que daquelle deu, já não está no paiz, e fica enfructuoza. Se no fim do termo do Governador e principio do do Ministro vae se aquele embora, fica este triumfante, e ainda que lhe venha alguma reprehensão é já em tempo que se lhe não faz sentivel, por não ser dela testemunha a mesma que lha ocazionou. Isto é ainda supondo que terá resposta pronta á Conta que se dá, o que é sumamente dificultozo; pois ninguem póde ignorar que a imensidade de negocios que concorrem nas Secretarias de Estado dificulta a imediata expedição deles. Pelo que muitos Governadores preferem o seu socêgo, e fogem de compro meter a sua autoridade com o receio de verem m logrado o seu zelo e ultrajado o seu respeito pelos Ministros os quaes não vendo sobre si um imediato e coactivo poder, tão necessario nesta distancia, que os faça conter nos Lemites da sua Jurisdição, forão sempre o que lhes parecer, com a esperança quazi certa, de que tempo e distancia tudo ficará esquecido. As reflexões a que me conduziu a Conducta de Joaquim Manoel de Seixas Abranches, Ouvidor do Serro Frio, podem ser imaginarias, mas o que dele exponho são factos certos, e peço a V. Ex. os ponha na Real Prezença de S. Mag.e para me determinar o que for de seu serviço.-D. G.o a V. Ex.a-Vila Rica, 3 de Junho de 1781. I. e Ex.mo Snr. Martinho de Melo e Castro. DOCUMENTOS REMETIDOS COM OFICIO PRECEDENTE N. 1 Ill.mo e Ex.mo Snr. Reprezentão a V. Ex.a os oficiaes da Camara da Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas d'Arassuahy, Comarca do Serro Frio, que sendo no dia 6 do mez de Janeiro do prezente anno em acto de Camara com assistencia das pessoas da Governança, aprezentou o Cap. Manoel José de Souza, carta de he rança do Doutor Joaquim Manoel de Seixas Abranches, Ouvidor Gray e Corregedor da Comarca, para se lhe dar po se e Juramento do Cargo de Juiz dos Orfãos trienal a que se opôz com embarg 8 0 Sar gento mor Bonifacio Pereira Velozo, pelas dezordens que o dito pro vido tinha obrado servindo de Juiz Ordinario, no anno antecedente de 1780, vexando os Vassalos de S. Mag. com absoluto procedimento em despique da sua vingança, faltando á abservancia das Leys: E conhecendo o dito provido as imperfeções de que è composto, e o estrago que tinha feito nos Povos, sem reparo se antecipou, alcançando do dito Ministro por ser seu favorecido Carta Precatoria de deligencia, na qual mandava com poder dispotico, se lhe conferisse a posse, sem embargo de quaesquer embargos, atemorizando com graves penas o Direito das partes, como consta da carta que por Certidão offerecemos a V. Ex. E mostrando o Opozitor na leitura dos embargos, que por Certidão reprezentamos as justas causas para impedir a posse antes de finalizado o exposto do seu facto, se levan ou o dito provido, do acento em que se achava, e sem respeito ao Regio Estandarte de S. Mag., e ao Corpo Mistico do Sen do da Camara em punhou o florete, puxando parte co tra o Op zitor, cometendo o mesmo excesso, e dezobediencia e o Cap. José Nunes D'Orta, e José |