Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

Martim

Já saberás a esta hora o successo de Pernambuco. No dia 6 do corrente, estando eu de correição, levantou Pernambuco a bandeira da independencia, e o conseguiu, tendo nisto grande parte a fraqueza do general Caetano Pinto. Fui chamado pelo novo Governo, e cheguei no dia 9, e tenho assistido á mór parte dos Conselhos. Este successo tem sido muito applaudido pelo Povo; eu tenho porém um grande desgosto com elle, que é o nos vermos separados, talvez para sempre. O destino assim o quer, que remedio! Particulares e autoridades, tudo tem reconhecido o novo Governo e a fórma republicana.

Participa á nossa mãe estas noticias; tem porém cuidado em tranquillizal-a a meu respeito. Tu bem sabes quanto geito é preciso para que estas novas a não acabem, visto a sua grande idade.

Adeus. Saudades aos amigos Marianno, Belchior e Rodrigues. Sou

teu irmão e amigo

ANTONIO CARLOS.

Pernambuco, 29 de Março

de 1817.

P. S. Acabo de vir do Conselho, assombrado de ver a immensa tropa que baixa do interior; ha já mais de seis mil homens de tropa regular, e deve montar a 10 mil, o que com as milicias e ordenanças formarà um exercito de 30 mil. O systema de administração de justiça está se reformando; as Ouvidorias vão abaixo, nisso perdendo o meu logar, além do risco de perder o officio que tenho em S. Paulo. Sinto, mas tenho paciencia. Dá-me noticias tuas.

Caro Sir. Menezes.

Não respondi á sua por occupação, e agora o faço agradecendo-lhe a lembrança que de mim tem.

Eu por aqui con tava demorar-me por mil razões, entre outras o estado avançado da prenhez de minha mulher; mas hontem recebemos intimação do Maire para escolhermos algum logar do interior para residencia; resistimos e

fizemos uma representação séria a este respeito; veremos a decisão do Governo Francez. E' espantosa a desaforada Canalha Franceza; eu a detesto, e só razões de economia é que me fazem demorar nesta terra inhospita. V. S. falla-me em Londres; mas diga-me, como poderia eu alli passar com uma familia numerosa e com pouco dinheiro. Certo, se eu pudera, preferiria Inglaterra á França; mas não posso, paciencia. Do Brasil até agora não tenho recebido cartas, o que me assombra; creio que se nos tiram lá as cartas. Se eu receber alguns dinheiros irei a Pariz, assim que m'o permittir o estado de minha mulher. Nós dirigimos ao Monitor e ao Constitucional uma nota semelhante á que puzemos no Indicador de Bordéos; esta nota não tem apparecido; póde ser que se precise algum pagamento para isto, procure primeiramente o redactor do Monitor, e obrigue a que ponha a dita nota, e caso seja preciso pagar a inserção pague; e se no Monitor não quizerem pôr, faça-a pôr no Constitucional, e caso ponham, deverá ficar com alguns numeros para se mandarem ao Brasil. O que pagar avisará para ser embolsado.

Adeus; lembranças de meus manos e do Belchior.

[blocks in formation]

Não respondi a sua de 26 do passado, esperando ter que lhe dizer de novo, e na verdade alguma cousa agora ha. Por cartas de D. Thomaz de Vigo se nos avisa que o maroto do Imperador, por um decreto, nos permitte a volta para o Brasil; creio que é a todos os deportados e fugitivos. Esta noticia deu um navio, que chegou ao Porto, vindo do Rio, e pela mesma via recebemos o seguinte soneto, que se attribue a um dos deportados de novo na minha Provincia, o qual lhe copio, e póde d'elle fazer o uso que lhe parecer.

SONETO

Si Musa vetat jacit indignatio versus.
JUVENAL.

As artes de Tiberio astutamente

Em vão pretendes imitar ufano;
Em vão pretendes, perfido Tyranno,
Escravisar a Brazileira Gente.

Poço de crimes, de luxuria ingente
E's um Nero, não és um Soberano;
Foste traidor ao Reino Lusitano
E queres sel-o ao Imperio do Occidente.

Contra ti o punhal já vibra a morte,
Já conhecido estás, findou o encanto ;
Já vinganças fulmina o Povo forte.

Vil escuma do Throno, despe o manto,
Máo filho, máo amigo, máo consorte.

Serás do mundo inteiro horror e espanto.

Que tal? Eu duvido crer a noticia, e, certa que seja, não voltarei ao Brasil senão para salvar a minha patria, no que não acho por emquanto geito, visto o socego das Provincias do Sul. Queira Deus que Pernambuco se una e resista, e que a covarde Provincia emfim se resolva; sem isto estamos perdidos. Repare na eleição para o Senado do Rio; que desaforo! Todos os traidores são os eleitos.

O que é engraçado é que quem quer que mandou pôr nos papeis francezes a falsa noticia da união da Assembléa, não reparasse que em 18 de Junho ainda o Imperador não tinha escolhido dos 12 nomeados senadores pelo Rio os quatro que devem ficar, e que assim se desmascarava a mentira da reunião de um corpo, cujos membros ainda não existiam legalmente, mesmo na capital, quanto mais nas outras provincias. Se a noticia é, como creio, do Borges, tambem o julgo capaz de forjar a carta a José; é verdade que é mais natural ande nisto antes o patife do Gameiro e o grande Felisberto. Vamos á sua carta ultima; não me admirou a conducta do Constitucional e Monitor, bem que este era pelas leis de França obrigado a inserir a refutação d'aquillo que havia avançado de calumnioso na sua folha, embora copiasse de outrem ; muito menos me assombrou a conducta da censura; tudo é digno d'este governo e d'este polido!!! povo. Eu só o que desejo é ver-me d'aqui fóra para pintar

esta Nação, que tanto nos engana no Brasil. Quanto á insinuação da nossa remoção para a Inglaterra, boa é, mas como mexer-nos d'aqui sem dinheiro?

Eu estou esperando por dias o bom successo de minha mulher, e depois talvez me resolvesse a ir até Paris, mas estou para isso mesmo preso pela bolsa. E' espantoso virem continuamente navios ao Havre, sahidos do Rio, e não termos nem um bilhete! Bem os tempos mudam; talvez ainda nos busquem, se não boas noites. Approvo a traducção do Common Sense, e mesmo seria bom que a acompanhasse a American Crisis do mesmo autor; que tudo é applicavel ao Brasil. O segundo papel deve ser precedido de um prefacio, ein que se mostre que da conducta energica do Povo Brazileiro nas actuaes conjuncturas pende o seu destino futuro e a resolução do grande problema da sua emancipação e liberdade.

Meu amigo, cumpre abrir os olhos ao Brasil sobre a sua situação, sobre as ciladas que lhe arma o Imperador, sobre os seus traidores commissarios de Londres, sem poupar-lhes as vidas e caracteres, emfim, nada poupar para desacreditar a cafila de marotos; isto talvez se pudesse fazer por cartas nos jornaes inglezes, que se dissessem recebidas do Brasil; e como V. S.⚫ tem correspondente seguro, ninguem descobriria a fonte. Quanto aos retratos ainda persistimos na recusação; o Brasil por emquanto nada nos merece; se o amamos é de amor em graça; demais não é bom dar que dizer sobre nossa vaidade aos marotos do Governo. Accresce mesmo que era talvez excitar rivalidades que não queremos. Ora pois, d'esta vez se não ha de queixar que escrevo pouco. Recommende-me a seu mano. O Rocha que receba esta por sua, e que responda se tem feito algumas indagações sobre a carta de José; que se não entregue todo á moça de Paris.

Elle e seus meninos que recebam saudades das senhoras, assim como V. S.a e seu mano, a quem todos se recommendam. Pergunto eu, depois do novo artigo falso, que certo é do Borges, ainda crêem tanto nelle? Eu desconfio.

Rocha.

Homem de Deus, deixa-te de namoros, olha que estás desterrado e que vives contra a vontade de teu amigo o Imperador. O tempo que gastas mal em sacrificios a Venus, emprega melhor em orações e acções de graças ao bom Jesus, por te livrar dos mãos dos Portuguezes, e para que te proteja contra os ardis da policia franceza. Cuido que para a semana te darei novas do meu recemnascido; Anninha está já mui pesada e com dores de quando em quando, e eu com cuidado emquanto ella não dá á luz. Que fazem o Innocencio e o Juvencio? Applicam-se? Dou-lhes recommendações.

Adeus; todas do

Am."

A. C. R. D'ANDRADA.

Mui Sfr. meu.

Recebi a sua ultima, e, como me pede o meu parecer para se decidir a jurar ou não jurar, cumpre-me fallar-lhe com franqueza, e dizer-lhe que tal conselho é d'aquelles em que só os proprios interessados são os actores verdadeiros; é V. S. quem melhor do que ninguem conhece as suas circumstancias, o que arrisca em não jurar, e o que pode ganhar em o fazer; se tem que temer em voltar ao Brasil, ou não, e se ha ou não inconsequencia e leveza na resolução posterior, attenta a declaração anterior.

Segundo a resposta da sua razão e consciencia é que se deve dirigir; bem entendido que, qualquer que seja a sua resolução, os seus amigos não têm nem devem ter que objectar, visto lhes serem de necessidade estranhos os motivos que o decidiram.

Rocha.

Recebi as tuas anteriores e a ultima, e por essa vejo que te resolveste a jurar com teus filhos a Constituição do Brasil, que ao principio recusáras. O motivo, que te obrigou, pareceu-me frivolo, pois não implicava que teu filho jurasse e tu não o fizesses; mas tu podes ter outras razões que te movessem, e, fossem ellas quaes fossem, não pertence a um amigo, e tolerante como eu sou, o decidir contra. Dentro vae uma carta para meu sogro, que o Innocencio fará remetter a Santos, e uma procuração de José, que o Innocencio entregará ao Marianno. José diz ao amigo Menezes que póde continuar a abonal-o, e que, como elle não quer que só dê o dinheiro á mulher, é sempre bom que The mande dizer o preço, para elle ver se por outra via lhe pode mandar. Eu não espero tanto mal a Manoel de Carvalho, pois não creio tanto em testimunhos parciaes. Seja o que fôr, nunca será tão facil como lhe dizem.

Rocha e Menezes.

Pariu minha mulher uma menina a 30 do mez passado, depois de um trabalhoso parto, e ainda depois teve as pareas dentro 33 horas, de fórma que já estavam podres; ella fica de cama, e eu, ainda que mais desassombrado, muito inquieto, pois perderia nella a unica consolação que me resta. A pequena foi apresentada á Communa debaixo do nome de Brasilia Antonietta, em lembrança da patria e do pae. Fiquei enganado, esperava um rapaz e sahiu-me uma panella rachada. Se fosse rapaz chamar-se-hia—Americo Miroluso, para marcar que era filho de Asdrubal Brasileiro, e que o odio aos Europeus será em minha familia indelevel.

Adeus, Sñrs. meus; lembranças de todos e a todos, principalmente ao que parte.

Bordéos, 2 de Outubro (de 1824).

Am.°

ANTONIO CARLOS RIBEIRO DE ANDRADA.

« VorigeDoorgaan »