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a mansa cerva está posta em seguro,
nem sempre em raso campo é ofendida.
Vem, Silvia, ja ver neste cristal puro
teu brando parecer d'aqui de cima
deste penedo, menos que ti duro.
Porque fazes, cruel, tam pouca estima
desta fresca ribeira, destas flores
que mansamente rega o manso Lima?
Aqui as doces aves seus amores

de um ramo em outro ramo vão cantando,
aqui se veste o campo de mil cores,
d' aqui donde
por ti estou chamando
no fundo deste pego os negros peixes
e os brancos seixos estarás contando.
Ou te queixes de mim ou te não queixes,
ou branda ou sempre irosa me respondas,
este fresco lugar, Silvia, não deixes.
Uma sombria lapa em que te escondas
do sol te mostrarei, dormirás nela
ao som do murmurar das roucas ondas:
em tanto do teu gado serei vela
e juntamente te estarei tecendo
de branca madresilva uma capela.
D' ali indo o sol ja menos ardendo,
ao longo deste rio nos iremos,
ora uma flor, ora outra flor colhendo.
Os olhos pelo campo estenderemos,
o saudoso melro de uma banda

e o doce rouxinol d' outra ouviremos. Silvia soando irá na lira branda,

soará Silvia na montanha dura,

que sua dureza com teu nome abranda. Des

que Ideixei de ver tua formosura ja o sol tres vezes alumiou a terra

e outras tantas a deixou escura.

Qualquer lugar que em si te esconde e encerra nunca o verei sem dor, nunca sem magua,

ou seja campo ou bosque ou vale ou serra. Achei de duas rolas nesta fragua

os tenros filhos sobre um freixo antigo
que tem suas raizes dentro na agua.
Saltou a nossa Filis ja comigo

com dadivas e rogos que lh' os desse :
Não trabalhes em vão, Filis, lhe digo.
Tam corrida se foi que se soubesse
onde eles ora estam, tenho por certo
que m' os furtasse logo se podesse;
mas não os pode ver senam de perto,
que, alem do freixo estar de agua cercado,
de uma verde parreira está coberto.
Silvia, teus hão de ser, perde o cuidado,
eu os vigiarei até que venhas
milhor do que vigio este meu gado.
E qual fruta haverá que tu não tenhas,
que se crie em mimosa e culta planta
ou na dura que nace em duras brenhas?
Inda que tua crueza seja tanta,
descanso me será qualquer trabalho,
que tudo vence amor, tudo quebranta.
As douradas maçãs no mesmo galho,
doces e roxas uvas pela fria
colherei para ti cheas de orvalho.
Isto todo a seu tempo te daria

e outras cousas mais, com que t'espero
ha tantos dias ja, de dia em dia,

que não abranda amor teu peito fero, bem fero e bem cruel mas bem formoso,

pois sabe quanto peno e quanto quero.

Mil vezes meu esprito saudoso de mim se parte e deixa o corpo frio, do que deseja mais mais duvidoso. Mil vezes de mil lagrimas um rio banhando vai a face descorada, outras tantas se falo desvario. De leves sombras fica salteada esta alma que lá trazes não sei onde, nos teus formosos olhos pendurada, quando chamo por ti, que me responde a mesma voz na vale onde em vão grito, cuido que outrem te chama e que s' esconde. Ali com nova força, novo esprito,

com ira vou buscando

quem nomea teu doce nome no meu peito escrito. Se com suave som brando menea um leve e brando vento a folha leve, se fere a onda crespa a branca area, ouvir-te me parece. Ah gosto breve! Eis este engano passa, eis n' outro caio: quem enganos de amor estranhar deve? Quando em bosque escuro um claro raio por entre a basta rama resplandece, ali me enlevo todo, ali desmaio: dos teus serenos olhos me parece aquela viva luz que se me nega, em cuja ausencia o sol se m' escurece. Envolto em laços d' outro amor m' entrega, aquele imaginar sempre sobejo

ali vista me dá, ali me cega.

Que planta posso ver, que pedra vejo, que lirio ou que rosa ou neve ou fogo' onde te não figure o meu desejo? Amor anda de mim fazendo jogo ;

tu, Silvia, muito mais, pois te não movem tantas lagrimas tristes, tanto rogo. Tuas frias entranhas inda provem, porem mais brandamente, as chamas vivas que nestas minhas de contino chovem. Porque foges de mim, porque m' esquivas? que não ha cousa aqui que não te aguarde, té aguas deste rio fugitivas?

Se tu viesses, Silvia, inda esta tarde verias lá no mar nuves rosadas

por entre as quais o sol mais brando arde. verias destas humidas moradas

sair as brancas ninfas saudosas de mil alegres flores coroadas, e qual de roxos lirios, qual de rosas esmaltaria teu puro e crespo ouro, tam ledas de te ver quanto invejosas. E eu veria os olhos por que moiro, veria esse coroado e alvo rosto, da maior formosura o mor tesouro. Se todo meu prazer, todo meu gosto depende de ti só que vas fugindo, não ves em qual estremo me tens posto?

Não ves que vai a magua consumindo

a vida em duvidosas esperanças?

Ah doudo Alcido! Silvia está-se rindo, e tu de chamar Silvia inda não cansas !

142.

143.

Q

A Nosso Senhor

UANDO será, Senhor, que desatado
deste peso mortal convosco esteja,
e vendo esta alma em vos o que deseja
veja quanto de vos tem desejado?
Que inda que ser não pode coroado
quem valerosamente não peleja,
basta, por muito mais fraco que seja,
quererdes vos por mim ter pelejado.
Aqui se fortifica a confiança,
aqui se certifica meu desejo,

que quem muito deseja muito alcança;
e se pena me dá, se me faz pejo
o sentimento grave da tardança,
desejando acharei o que desejo.

TEMPO

Descanso

EMPO foi que pastava neste prado
bem fora de cuidar que poderia
tornar a ver-me nele inda algum dia
de tantos mil cuidados descuidado:
o Senhor que me trouxe a tal estado
quando castigos graves merecia,
dando-me muitos dias do que pedia,
para sempre jamais seja louvado!
Estas aguas correntes, estas flores,
estes bosques cobertos de verdura,
os passarinhos neles escondidos,
aqui lhe dem comigo mil louvores!
Sem fim o louve toda a criatura :
não sintam outra cousa meus sentidos!

1540-1619

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