Quem me dera ser tu por balouçar-me das nuvens nos castelos e ver dos ferros meus enfim quebrados os rebatidos elos ! Eu rodeara entam o globo inteiro, eu sublevara as aguas, eu dos vulcões com raios acendera amortecidas fraguas ; do robusto carvalho e sobro antigo acurvaria as frontes ; com furacões as areais da Libia converteria em montes. Pelo fulgor da lua, lá no Norte, no polo me assentara e vira prolongar-se o gelo eterno que o tempo amontoara. Ali eu solitario, eu rei da morte, erguera meu clamor, e dissera Sou livre e tenho imperio, aqui sou eu senhor! Quem se podera erguer como estas vagas em turbilhões incertos, e correr e correr, troando ao longe nos liquidos desertos ! Mas entre membros de lodoso barro a mente presa está, ergue-se em vão aos ceos, precipitada rapida em baixo dá. Ó morte, amiga morte ! É sobre as vagas, entre escarceos erguidos, que eu te invoco, pedindo-te feneçam meus dias aborridos: quebra duras prisões que a natureza lançou a esta alma ardente, que ela possa voar por entre os orbes aos pes do Omnipotente ! Sobre a nao que me estreita a prenhe nuvem deça e estourando me esmague, e a grossa proa dos tufões ludibrio solta sem rumo vague! Porem não! Dormir deixa os que me cercam o sono do existir ; deixa-os, vãos sonhadores de esperanças nas trevas do porvir. Doce mãi do repouso, extremo abrigo de um coração opresso, que ao ligeiro prazer, á dor cansada negas no seo acesso, não despertes, ó não, os que abominam teu amoroso aspeito, febricitantes que se abraçam loucos com seu dorido leito! Tu que ao misero ris com rir tam meigo, caluniada morte, tu que entre os braços teus lhe dás asilo contra o furor da sorte; tu que esperas ás portas dos senhores, do servo ao limiar, e eterna corres, peregrina, a terra e as solidões do mar, deixa, deixa sonhar ventura os homens : ja filhos teus naceram ; um dia acordarão d' esses delirios que tam gratos lhes eram. E eu que velo na vida e ja não sonho nem gloria nem ventura, eu que esgotei tam cedo até as fezes o calix da amargura ; eu vagabundo e pobre e aos pes calcado de quanto ha vil no mundo, santas inspirações morrer sentindo do coração no fundo, sem achar no desterro uma harmonia de alma que a minha entenda, porque seguir, curvado ante a desgraça, esta espinhosa senda? Torvo o oceano vai: qual dobre soa fragor da tempestade, psalmo de mortos que retumba ao longe grito da eternidade ! Pensamento infernal! Fugir cobarde ante o destino iroso? Lançar-me envolto em maldições celestes no abisso tormentoso? Nunca! Deus pos-me aqui para apurar-me nas lagrimas da terra: guardarei minha estancia atribulada com meu desejo em guerra. O fiel guardador terá seu premio, o seu repouso enfim, e atalaiar o sol de um dia extremo virá outro apos mim. Herdarei o morrer: como é suave bençam de pai querido, será o despertar, ver meu cadaver, ver o grilhão partido. Um consolo entretanto resta ainda ao pobre velador: Deus lhe deixou nas trevas da existencia doce amizade e amor. Tudo o mais é sepulcro branqueado por embusteira mão. tudo o mais vãos prazeres que só trazem remorso ao coração. Passarei minha noite a luz tam meiga até o amanhecer, até que suba á patria do repouso onde não ha morrer. ANTONIO AUGUSTO SOARES DE PASSOS 175. G O Firmamento 1826-1870 LORIA a Deus! Eis aberto o livro imenso, o livro do infinito, onde em mil letras de fulgor intenso seu nome adoro escrito. Eis do seu tabernaculo corrida uma parte do veo misterioso: desprende as asas, remontando á vida, Estrelas que brilhais nessas moradas, Vos sois, vos sois as lampadas sagradas pululando do seo omnipotente e sumidas por fim na eternidade, ao rolar através da imensidade; e cada qual de vos um astro encerra, um sol que apenas vejo, monarca de outros mundos como a terra Ninguem pode contar-vos: quem podera esses mundos contar a que dais vida, escuros para nos, qual nossa esfera vos é nas trevas da amplidão sumida. Mas vos perto brilhais, no fundo acesas do trono soberano : quem vos ha de seguir nas profundesas d'esse infinito oceano? E quem ha de contar-vos nessas plagas que os ceos ostentam de brilhante alvura, lá onde sua mão sostem as vagas dos sois que um dia romperão na altura. E tudo outrora na mudez jazia, nos veos do frio nada ; reinava a noite escura, a luz do dia era em Deus concentrada. Ele falou ! E as sombras num momento seu veo de mundos desfraldou ovante. E tudo despertou, e tudo gira imenso em seus fulgores; e cada mundo é sonorosa lira cantando os seus louvores. Cantai, ó mundos que o seu braço impele, harpas da creação, fachos do dia, cantai louvor universal Áquele que vos sustenta e nos espaços guia! Terra, globo que geras nas entranhas meu ser, o ser humano, que es tu com teus vulcões, tuas montanhas e com teu vasto oceano? |