Manhaninha de S. João
ANHANINHA de S. João, pela manhan de alvo
Jesus Christo se passea ao redor da fonte clara ; por sua boca dizia, por sua boca falava : << Esta agua fica benta e a fonte fica sagrada.» Ouviu a filha de el rei d' altas torres donde estava, vestiu suas meias de seda, pegou em cantaro de ouro, Lá no meo do caminho
calçou sapatos de prata,
á fonte foi buscar agua. com a Virgem se encontrava,
atreveu-se e perguntou-lhe se havia de ser casada.
<< Casadinha haveis de ser, tres filhos haveis de ter, um será bispo em Roma, o mais novo deles todos
muito bem afortunada; todos de capa e espada ;
outro cardeal em Braga, servo da Virgem sagrada.»
Ditosa da donzelinha que á fonte foi buscar agua!
AM vos sirvo nem vos amo mas desejo vos amar, de sempre vossa me chamo sem quem nam é repousar. Ó vida e lume e luz, infindo bem e inteiro, meu Jesus, Deus verdadeiro, por mim morto em a cruz.
Se mim mesma nam desamo nam vos posso bem amar: a me ajudar vos chamo para saber repousar!
90. Trovas á morte de D. Inés de Castro
UAL será o coraçam
tam cru e sem piedade que lhe nam cause paixam uma tam fera crueldade
e morte tam sem razam? Triste de mim inocente, que por ter muito fervente lealdade, fe, amor
ao principe meu senhor,
me mataram cruamente.
A minha desaventura, nam contente d'acabar-me, por me dar maior tristura me foi pôr em tanta altura para d'alto derribar-me, que se me matara alguem antes de ter tanto bem em tais chamas nam ardera, pai, filhos nam conhecera, nem me chorara ninguem.
Eu era moça menina, por nome dona Inés
de Crasto, e de tal doutrina que era dina
de meu mal ser ao revés.
Vivia sem me lembrar
que paixam podia dar
nem dâ-la ninguem a mim,
foi-m' o principe olhar
por seu nojo e minha fim.
Começou-m' a desejar, trabalhou por me servir, fortuna foi ordenar
dous corações conformar, a uma vontade vir. Conheceo-me, conheci-o, quis-me bem e eu a ele, perdeo-me, tambem perdi-o; nunca té morte foi frio o bem que triste pos nele.
Dei-lhe minha liberdade, nam senti perda de fama, pos nele minha verdade, quis fazer sua vontade, sendo mui fremosa dama. Por m' estas obras pagar nunca jamais quis casar, polo qual aconselhado foi el rei qu' era forçado polo seu de me matar.
Estava muito acatada, como princesa servida, em meus paços mui honrada, de tudo mui abastada,
de meu senhor mui querida : estando mui de vagar, bem fora de tal cuidar, em Coimbra d' assessego, polos campos de Mondego cavaleiros vi asomar.
Como as cousas que ham de ser logo dam no coraçam, comecei entristecer
e comigo só dizer : Estes omes onde irão? E tanto que preguntei : soube logo que era el rei. Quando o vi tam apressado, meu coraçam trespassado que nunca mais falei.
E quando vi que decia, saí á porta da sala, devinhando o que queria ; com gram choro e cortesia lhe fiz uma triste fala ; meus filhos pos derredor de mim com gram omildade, mui cortada de temor, lhe disse: Avei, senhor, desta triste piedade.
Nam possa mais a paixam. que o que deveis fazer, metei nisso bem a mão, que é de fraco coraçam sem porque matar molher; quanto mais a mim (que dam culpa nam sendo razam) por ser mãi dos inocentes qu' ante vos estam presentes, os quais vossos netos sam.
« VorigeDoorgaan » |