Não que elles houvessem tido a precisa perspicacia para descobrir e apontar a razão, a origem, a ordem successiva, as mutações várias da influencia estrangeira em nossas letras, em nossa arte, em nossa politica, em nossa economia, em todas as espheras, em summa, da actividade nacional. E que o tivessem feito com todo o apuro e requinte scientifico, ainda assim resaltaria aos olhos a incompetencia de critica tão unitaria e estreita — a ponto de persistir no erro de não vêr nos phenomenos espirituaes da nação, quer intellectuaes, quer emotivos, senão a face mais superficial e exterior.

Assim, pois, cumpre não perder de vista serem os factores primordiaes e permanentes de nossa vida espiritual, respectivé de nossa literatura,— a natureza e a raça, que lhe constituem o orga nismo e a alma, e ser o factor mobil, variavel, externo a influencia, a imitação estrangeira. Aberra quem desconhece os primeiros; erraria quem escondesse o ultimo.

Ha mister estudal-os mais de perto.

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Os velhos criticos e historiadores rhetoricos nacionaes até bem pouco tempo não tinham a menor idéa das relações que, por ventura, podessem existir entre o meio brasileiro e a literatura patria e muito menos entre esta e o caracter da nossa raça.

Só após um decennio inteiro (1870-1880) de estudos e propagandas feitas pela escola innovadora do Recife, no claro intuito de preencher essa lacuna, é que, tendo passado a nova intuição ao Brasil em geral, se chegou a falar no assumpto; mas as mais das vezes por méro luxo de phrases feitas, de palavras de effeito.

O lado sério do assumpto, o nexo causal entre essas duas grandes forças e suas inevitaveis consequencias, é geralmente descurado. É preciso indical-o aqui por factos palpaveis e indis

cutiveis

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O Meio

O meio, e por esta expressão se deve entender o aspecto geral da natureza, o clima, a temperatura, a constituição geologica e geographica do paiz e seus consequentes immediatos o trabalho,

a alimentação e as condições physiologicas e sociaes da população, o meio tem operado entre nós como agente differenciador em toda a direcção da vida nacional, pelos factos e circumstancias que se vão

enumerar.

A marcha do povoamento do paiz, as condições politicas da nação, as relações economicas, juridicas, sociaes, todas estas cousas, até as intuições estheticas têm sido, em grande parte, ageitadas e modificadas pelo meio.

Vejamos as relações politicas.

Na immensa pêra sul-americana, como dizem uns, no enorme presunto d'America do Sul, como se poderia chamar, o Brasil, occupando talvez mais do terço, constitue uma região especial que se distingue por mais de uma singularidade.

Tendo em geral a mesma configuração d'essa parte inteira do continente, é, no seu nucleo central, a região mais antiga do Novo Mundo e, talvez, da terra. Era uma enorme ilha primitiva, que se veio a ligar ao planalto mais recente dos Andes e ao das Guianas, por movimentos geologicos especificos e mais directamente pela acção dos dois consideraveis rios que a circulam—o Amazonas e o Paraguai-Paraná-Prata.

Logo d'aqui decorrem tres consequencias, que, influindo no corpo inteiro do paiz, originam condições a um tempo synergicas e divergentes ás respectivas populações: a) a extensão do territorio que dá logar a nada menos de trinta ou quarenta zonas di

versas climatologicas, acarretando outras tantas modalidades demographicas e sociaes; b) a existencia de quatro grandes depressões que circumdam o planalto, operando a singularidade da repetição no longinquo occidente e no alto norte de um clima approximadamente identico ao da costa e produzindo semelhanças sociaes inilludiveis; c) a articulação do planalto com as depressões que o cercam dos quatro lados por systemas fluviaes que correm nas quatro direcções, formando do paiz um todo compacto e uniforme, garantidor da unidade politica, só perturbavel pelos erros dos homens, não pelas imposições da natureza. É só olhar para o mappa e ver com olhos desprevenidos a distensão imponente e symetrica do colosso brasileiro: a unidade na variedade, ou a variedade na unidade é ahi a primeira dadiva do sólo. D'essa primordial circumstancia da terra promana consequencia inapreciavel de ordem politica.

O corpo do paiz não é desaggregado, como o da esparsa America hespanhola, tomada em seu conjuncto, nem indistincto e uniforme como o do Uruguai, do Chile, de Portugal, da Belgica, da Hollanda, ou mesmo da propria França. D'est'arte, se, por um lado, não é desequilibrado e desunido, a ponto de ter ao norte uma grande massa de terrenos, á guisa do Mexico e America Central, ligados por um simples isthmo montanhoso e quasi intransitavel ao corpo de suas irmãs do sul, ás terras da Colombia, Venezuela, Equador, Perú, Bolivia e Chile, separadas tambem estas ultimas da Argentina, do Paraguai e Uruguai pelo espinhaço gigantesco dos Andes, e seus contrafortes, o que tudo produz um corpo desarticulado, disforme, desconnexo, que se havia de fatalmente dividir; não é, por outro lado, uma pequena região inteiriça e compacta, como a Laconia, a Phenicia ou a Judéa, apta a uma organisação demasiado unitaria e compressiva. Por isso o Brasil não poderá, não deverá nunca ser um Estado em demasia

centralisado como a França, nem dissolvido em varias nações, como a America hespanhola, que já nasceu desunida!... Um governo sui generis, original, novo, especie de compromisso entre o regimen unitario e o federativo, será, suppomos nós, o resultado a que ha de chegar a politica brasileira, evitando os excessos das Constituições de 1824 e de 1891, simples obras de doutrinarios abstractos e phantasistas, que não tinham amplo e seguro conhecimento de nosso povo nem do nosso paiz. A experiencia falla da centralisação imperial e a experiencia desastrosa do exagerado federalismo republicano hão de ceder o passo a um regimen mais em harmonia com o meio physico em que se move a joven nacionalidade.

O Brasil é um possante triangulo, cuja porção central, a antiga ilha, o planalto, está hoje, como dissemos, cercada por quatro grandes depressões, que são as fachas de terras novas que o ligam ás regiões vizinhas e ao mar a depressão do valle amazonico ao Norte, a do Paraguai-Paraná, prolongada no mesmo sentido pelo Guaporé e Madeira ao Oéste, a dos campos rio-grandenses ao Sul, a oceanica do lado Oriental. O divisor das aguas, entre as duas bacias que são como as pontas de enorme compasso, não é, ás mais das vezes, senão um chapadão pouco elevado, deixando quasi tocarem-se as aguas dos dois systemas, que dão origem a innumeros rios, os quaes constituem um symetrico regimen arterial, proprio para articular, unir e dar vida ao corpo inteiro. Como um verdadeiro poder moderador, bem perto das fontes do Paraná, cujos principaes affiuentes nascem proximo ás origens de consideraveis affluentes do Amazonas, forma-se o gigante brasileiro por excellencia, o imponente São Francisco, que se encarrega de manter as regiões intermedias entre os dois rivaes, cortando-as bem ao meio.

Nestas condições, é facil comprehender que a União brasileira, antes de ser uma dadiva da historia e da politica, era já uma exigencia da natureza; mas essa unidade não é incompativel com a variedade, que a propria extensão do paiz, dividida em trinta ou

quarenta zonas geographicas diversas, é a primeira a indicar e a impôr.

D'ahi as aspirações descentralisadoras, que acharam expressão no Acto Addicional de 1834 no tempo do Imperio e na Constituição Republicana actual, e a necessidade que se faz sentir da revisão d'esta ultima, no sentido de apertar os laços da União, em dias da Republica, não falando já em acção semelhante no antigo regimen expressa na Lei de interpretação do alludido Acto Addicional.

A acção, pois, do habitat brasileiro nas correntes geraes da organisação politica do paiz apresenta-se nitida.

Indiquemos, de relance, outras variações do assumpto.

O consensus existente entre todas as grandes manifestações da vida mental do povo leva-nos a isto.

Vejamos rapido a face juridica: a. influencia do meio nacional no desenvolvimento do direito patrio.

A extensão do paiz, produzindo as grandes distancias, foi a causa determinante, não só das linhas geraes de sua primitiva divisão territorial, que o Imperio e a Republica não se atreveram a mudar, e ficou sendo a base da divisão politico-administrativa, como ainda da formação lenta da vida social e juridica. D'ahi, certos typos divergentes das legislações locaes das antigas capitanias, das provincias do tempo imperial e dos Estados hodiernos, ao lado das medidas convergentes, indispensavelmente exigidas pela monarchia e agora pela União Republicana.

Foi ainda o meio que influiu na divisão, por vezes tentada, da colonia em dois governos e na creação do Estado do Maranhão e Grão Pará, já não falando na formação morosa das capitanias de Minas Geraes, Goiaz, Mato-Grosso, Santa Catharina e Rio Grande do Sul e na singular separação do chamado Districto Diamantino, com regimen especial até ao começo do seculo XIX.

Foi e continúa ainda a ser o meio o principal influidor na legislação industrial e no systema de impostos, segundo as zona são mineiras, cafeeiras, assucareiras, criadoras ou extractivas.