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Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito,
(Se de humano é matar uma donzella
Fraca e sem força, so por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la,)
A éstas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens á morte escura d'ella:
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

E se vencendo a Maura resistencia,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe tambem dar vida com clemencia
A quem para perdê-la não fez êrro.

Mas se t'o assi merece ésta innocencia,
Põe-me em perpétuo e misero destêrro,
Na Scythia fria, ou la na Libya ardente,
Onde em lagrymas viva eternamente.

Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se n'elles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei :
Alli c'o amor intrinseco, e vontade
N'aquelle por quem mouro, criarei
Éstas reliquias suas que aqui viste,
Que refrigerio sejam da mãe triste.

Queria perdoar-lhe o rei, benino
Movido das palavras que o magoam;

Mas o pertinaz povo, e seu destino

Que d'ésta sorte o quiz, lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino,

Os que por bom tal feito alli pregoam.
Contra uma dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais, e cavalleiros?

Qual contra a linda môça Polyxena,
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Achilles a condena,
C'o ferro o duro Pyrrho se apparelha :
Mas ella os olhos, com que o ar serena,
(Bem como paciente e mansa ovelha)
Na misera mãe postos que endoudece,
Ao duro sacrificio se offerece:

Taes contra Ignez os brutos matadores
No collo de alabastro, que sustinha
As obras com que amor matou de amores
Aquelle que despois a fez rainha,

As espadas banhando, e as brancas flores
Que ella dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam férvidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.

Bem podéras, ó sol, da vista d'estes,

Teus raios apartar aquelle dia,

Como da seva mesa de Thyestes,

Quando os filhos per mão de Atreu comia!

Vós, ó concavos valles, que podestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro que lhe ouvistes,
Per muito grande espaço repetistes!

Assi como a bonina que cortada
Antes do tempo foi, candida e bella,
Sendo das mãos lascivas maltratada
Da menina que a trouxe na capella,
O cheiro traz perdido e a côr murchada :
Tal está morta a pallida donzella,
Sêccas do rosto as rosas, e perdida
A branca e viva côr co'a doce vida.

E

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram;
por
memoria eterna, em fonte pura
As lagrymas choradas transformaram :
O nome lhe pozeram, que inda dura
Dos amores de Ignez que alli passaram.
Vêde
que fresca fonte rega as flores,

Que lagrymas são a agua, e o nome amores.

CAMÕES, Lusiadas.

mmmm

PARTIDA

DE VASCO DA GAMA

DE LISBOA.

Pelas praias vestidos os soldados
De várias côres veem, e várias aries;
E não menos de esforço apparelhados
Para buscar do mundo novas partes.
Nas fortes naus os ventos socegados
Ondeam os aerios estandartes:

Ellas promettem vendo os máres largos,

De ser no Olympo estrellas como a de Argos.

Despois de apparelhados d'ésta sorte,
De quanto tal viagem pede e manda,
Apparelhámos a alma para a morte,

Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o summo Podêr que a etherea corte
Sustenta so co' a vista veneranda,
Implorámos favor que nos guiasse,
E que nossos começos aspirasse.

Partimo-nos assi do sancto templo,
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, para exemplo,
D'onde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó rei, que se contemplo
Como fui d'éstas praias apartado,

Cheio dentro de dúvida e receio,

Que apenas nos meus olhos ponho o freio.

A gente da cidade aquelle dia,

Uns

por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente, concorria,
Saúdosos na vista, e descontentes ;
E nós co' a virtuosa companhia
De mil religiosos diligentes,

Em procissão solemne a Deus orando,
Para os bateis viemos caminhando.

Em tam longo caminho e duvidoso,
Por perdidos as gentes nos julgavam;

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