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Vós, ó concavos valles, que podestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro que lhe ouvistes,
Per muito grande espaço repetistes !

Assi como a bonina

que cortada

Antes do tempo foi, candida e bella,
Sendo das mãos lascivas maltratada
Da menina que a trouxe na capella,
O cheiro traz perdido e a côr murchada :
Tal está morta a pallida donzella,
Sêccas do rosto as rosas, e perdida
A branca e viva côr co'a doce vida.

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram;
E
por
memoria eterna, em fonte pura
As lagrymas choradas transformaram :
O nome lhe pozeram, que inda dura,
Dos amores de Ignez que alli

passaram. Vêde que fresca fonte rega as flores,

Que lagrymas são a agua, e o nome amores.

GAMÕES, Lusiadas.

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Pelas praias vestidos os soldados
De várias côres veem, e várias aries;
E não menos de esforço apparelhados
Para buscar do mundo novas partes.
Nas fortes naus os ventos socegados
Ondeam os aerios estandartes:

Ellas promettem vendo os máres largos,

De ser no Olympo estrellas como a de Argos.

Despois de apparelhados d'ésta sorte,
De quanto tal viagem pede e manda,
Apparelhámos a alma para a morte,
Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o summo Podêr que a etherea corte
Sustenta so co' a vista veneranda,
Implorámos favor que nos guiasse,
E que nossos começos aspirasse.

Partimo-nos assi do sancto templo,
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, para exemplo,
D'onde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó rei, que se contemplo
Como fui d'éstas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.

A gente da cidade aquelle dia,

Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente, concorria,
Saúdosos na vista, e descontentes ;
E nós co' a virtuosa companhia
De mil religiosos diligentes,

Em procissão solemne a Deus orando,
Para os bateis viemos caminhando.

Em tam longo caminho e duvidoso,
Por perdidos as gentes nos julgavam;

As mulheres c'um chôro piedoso,

Os homens com suspiros que arrancavam ;
Mães , esposas, irmans, que o temeroso
Amor mais desconfia, accrescentavam
A desesperação e frio medo

De ja nos não tornar a ver tam cedo.

Qual vai dizendo: Ó filho, a quem eu tinha
So para refrigerio e doce amparo
D'ésta cansada ja velhice minha,
Que em chôro acabará penoso e amaro :
Porque me deixas misera e mesquinha?
Porque de mi te vas,

ó filho caro,

A fazer o funereo enterramento

Onde sejas de peixes mantimento?

Qual em cabello : Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quiz amor que viver possa;
Porque is aventurar ao mar iroso

Essa vida
que é minha e não é vossa?
Como por um caminho duvidoso
Vos esquece a affeição tam doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento
Quereis que com as velas leve o vento?

N'éstas e outras palavras que diziam
De amor e de piedoša humanidade,
Os velhos e os meninos as seguiam
Em quem menos esforço põe a idade.

Os montes de mais perto respondiam,
Quasi movidos de alta piedade:

A branca areia as lagrymas banhavam,
Que em multidão com ellas se igualavam.

Nós outros' sem a vista alevantarmos
Nem á mãe nem á esposa, n'este estado,
Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do proposito firme começado ;
Determinei de assi nos embarcarmos
Sem o despedimento costumado,
Que postoque é de amor usança boa,
A quem se aparta ou fica mais magòa.

Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Tres vezes a cabeça, descontente
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber so d'experiencias feito,
Taes palavras tirou do experto peito:

Oh glória de mandar! Oh van cubiça
D'ésta vaidade, a quem chamamos fama!
Oh fraudulento gosto que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!

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