Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades n'elles exprimentas!
Dura inquietação d'alma e da vida, Fonte de desamparos e adulterios, Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de imperios ! Chamam-te illustre, chamam-te subida, Sendo digna de infames vituperios; Chamam-te fama e glória soberana, Nomes com quem se o povo
A que novos desastres determinas De levar estes reinos e ésta gente? Que perigos, que mortes lhe destinas, Debaixo d'algum nome preeminente? Que promessas de reinos, e de minas D'ouro, que lhe faras tam facilmente? Que famas lhe prometterás, que historias, Que triumphos, que palmas, que victorias?
Mas ó tu, geração d'aquelle insano, Cujo peccado e desobediencia,
Não somente do reino soberano
Te poz n'este destêrro e triste ausencia Mas inda d'outro estado mais que humano, Da quieta e da simples innocencia, Idade d'ouro, tanto te privou,
Que na de ferro e d'armas te deitou :
Ja que n'ésta gostosa vaidade Tanto enlevas a leve phantasia; Ja que á bruta crueza e feridade Puzeste nome esforço e valentia; Ja que prezas em tanta quantidade O desprezo da vida, que devia De ser sempre estimada, pois que ja Temeu tanto perdê-la quem a dá:
Não tens junto comtigo o Ismaelita, Com quem sempre teras guerras sobejas? Não segue elle do Arabio a lei maldita, Se tu pola de Christo so pelejas? Não tem cidades mil, terra infinita, Se terras e riqueza mais desejas? Não é elle por armas esforçado, Se queres por victorias ser louvado?
Deixas criar ás portas o inimigo Por ires buscar outro de tam longe, Por quem se despovoe o reino antigo, Se enfraqueça, e se va deitando a longe! Buscas o incerto e incognito perigo, Porque a fama te exalte e te lisonge, Chamando-te senhor, com larga cópia, Da India, Persia, Arabia e da Ethiopia !
Oh maldito o primeiro que no mundo Nas ondas vela poz em secco lenho!
Digno da eterna pena do profundo, Se é justa a justa lei que sigo e tenho. Nunca juizo algum alto e profundo, Nem cithara sonora ou vivo ingenho Te dê por isso fama nem memoria; Mas comtigo se acabe o nome e a glória!
Trouxe o filho de Jápeto do ceo
O fogo que ajuntou ao peito humano ; Fogo, que o mundo em armas accendco, Em mortes, em deshonras: grande engano! Quanto melhor nos fora, Prometheo, E quanto para o mundo menos dano, Que a tua estatua illustre não tivera Fogo de altos desejos, que a movêra !
Não commettera o môço miserando O carro alto do pae, nem o ar vazio O grande architector, c'o filho dando Um nome ao mar, e o outro, fama ao rio: Nenhum commettimento alto e nefando, Per fogo, ferro, , agua, calma e frio, Deixa intentado a humana geração. Misera sorte! estranha condição!
Porêm ja cinco soes eram passados Que d'alli nos partiramos, cortando Os mares nunca d'outrem navegados, Prosperamente os ventos assoprando; Quando uma noite estando descuidados, Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece, Sobre nossas cabeças apparece.
Tam temerosa vinha, e carregada, Que poz nos corações um grande medo : Bramindo o negro mar de longe brada, Como se désse em vão n'algum rochedo. Ó Potestade, disse, sublimada!
Que ameaço divino, ou que segredo Este clima e este mar nos apresenta, Que mor cousa parece que tormenta?
Não acabava, quando uma figura Se nos mostra no ar, robusta e valida, De disforme e grandissima estatura, O rosto carregado, a barba esqualida:
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a côr terrena e pallida, Cheios de terra e crespos os cabellos, A boca negra, os dentes amarellos.
Tam grande era de membros, que Certificar-te que este era o segundo De Rhodes estranhissimo colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo: C'um tom de voz nos falla horrendo e grosso, Que pareceu sahir do mar profundo : Arrepiam-se as carnes e o cabello A mi e a todos, so de ouvi-lo e ve-lo.
E disse: O gente ousada mais que quantas No mundo commetteram grandes cousas, Tu que per guerras cruas, taes e tantas, E por trabalhos vãos nunca repousas: Pois os vedados terminos quebrantas, E navegar meus longos máres ousas, Que eu tanto tempo ha que guardo e tenho, Nunca arados d'estranho ou proprio lenho:
Pois vens ver os segredos escondidos Da natureza e do humido elemento, A nenhum grande humano concedidos De nobre ou de immortal merecimento: Ouve os damnos de mi, que apercebidos Estão a teu sobejo atrevimento,
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