Por occasião d'este famoso descobrimento da India se faz uma notavel, e poetica exhortação aos Principes Christãos, acordando-lhes semelhantes emprezas: descripção do reino de Malabar, em que jaz o imperio de Calecut em cujo porto a armada dá fundo; recebe o Imperador, ou Samori ao Gama com honradas demonstrações: apparece o Mouro Monçaide, que informando ao Gama, informa tambem aos naturaes da terra; vai o Catual, ou Governador de Calecut ver a Armada.
Dá fundo a frota a Calecut chegada; Manda-se mensageiro ao Rei potente; Chega Monçaide a ver a Lusa armada, E da Provincia informa largamente; Faz Gama ao Samori sua embaixada; É recebido bem da Indica gente; Co'o Regedor o Mouro ao mar se torna, Que de toldos e flamulas se adorna.
Já se viam chegados junto á terra, Que desejada já de tantos fora, Que entre as correntes Indicas se encerra, E o Ganges, que no ceo terreno mora. Ora sus, gente forte, qué na guerra Quereis levar a palma vencedora, Já sois chegados, já tendes diante A terra de riquezas abundante.
A vós, oh geração de Luso, digo, Que tão pequena parte sois no mundo, Não digo inda do mundo, mas no amigo Curral, de quem governa o ceo rotundo; Vós, a quem não sómente algum perigo Estorva conquistar o povo immundo, Mas nem cobiça, ou pouca obediencia Da Madre, que nos Ceos está em essencia:
Vós Portuguezes poucos, quanto fortes, Que o fraco poder vosso não pezais; Vós, que á custa de vossas varias mortes A Lei da vida eterna dilatais;
Assim do Ceo deitadas são as sortes, Que vós, por muito poucos que sejais, Muito façais na santa Christandade: Que tanto, oh Christo, exaltas a humildade!
Vedel-os Alemães, soberbo gado, Que por tão largos campos se apascenta, Do successor de Pedro rebellado, Novo pastor, e nova seita inventa; Vedel-o em feas guerras occupado, (Que inda co'o cego error se não contenta!) Não contra o superbissimo Otomano, Mas por sahir do jugo soberano.
Vedel-o duro Inglez que se nomea Rei da velha e santissima Cidade, Que o torpe Ismaelita senhorea, (Quem vio honra tão longe da verdade!) Entre as Boreaes neves se recrea, Nova maneira faz de Christandade: Para os de Christo tem a espada nua, Não por tomar a terra, que era sua.
Guarda-lhe por entanto um falso Rei A cidade Hierosolyma terreste, Em quanto elle não guarda a santa lei Da cidade Hierosolyma celeste. Pois de ti, Gallo indigno, que direi? Que o nome Christianissimo quizeste, Não para defendel-o, nem guardal-o, Mas para ser contra elle, e derribal-o!
Achas, que tens direito em senhorios De Christãos, sendo o teu tão largo, e tanto, E não contra o Cinypho e Nilo, rios Inimigos do antigo nome santo?
Alli se hão de provar da espada os fios, Em quem quer reprovar da Igreja o canto: De Carlos, de Luiz, o nome e a terra Herdaste, e as causas não da justa guerra?
Pois que direi d'aquelles, que em delicias, Que o vil ocio no mundo traz comsigo, Gastam as vidas, logram as divicias, Esquecidos de seu valor antigo? Nascem da tyrannia inimicicias, Que o povo forte tem, de si inimigo: Comtigo, Italia, fallo, já submersa Em vicios mil e de ti mesma adversa.
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