Tu só, de todos quantos queima Apollo, Nos recebes em paz, do mar profundo; Em ti dos ventos horridos de Eolo Refugio. achamos bom, fido, e jocundo: Em quanto apascentar o largo polo As estrellas, e o Sol der lume ao mundo, Onde quer que eu viver, com fama e gloria Viverão teus louvores em memoria.
Isto dizendo, os barcos vão remando Para a frota, que o Mouro ver deseja; Vão as náos uma a uma rodeando, Porque de todas tudo note, e veja. Mas para o ceo Vulcano fuzilando, A frota co'as bombardas o festeja, E as trombetas canoras lhe tangiam; Co'os anafis os Mouros respondiam.
Mas depois de ser tudo já notado Do generoso Mouro, que pasmava, Ouvindo o instrumento inusitado, Que tamanho terror em si mostrava; Mandava estar quieto, e ancorado N'agua o batel ligeiro, que os levava, Por fallar de vagar co'o forte Gama, Nas cousas de que tem noticia, e fama.
Em praticas o Mouro differentes Se deleitava, perguntando agora Pelas guerras famosas, e excellentes
Co'o povo havidas, que a Mafoma adora: Agora lhe pergunta pelas gentes
De toda a Hesperia ultima, onde mora; Agora pelos povos seus visinhos; Agora pelos humidos caminhos.
Mas antes, valeroso Capitão, Nos conta, lhe dizia, diligente, Da terra tua o clima, e região Do mundo, onde morais, distinctamente; E assi de vossa antigua geração,
E o principio do reino tão potente, Co'os successos das guerras do começo: Que, sem sabel-as, sei que são de preço;
E assi tambem nos conta dos rodeios Longos, em que te traz o mar irado, Vendo os costumes barbaros alheios, Que a nossa Africa ruda tem criado, Conta que agora vem co'os aureos freios, Os cavallos, que o carro marchetado Do novo Sol, da fria Aurora trazem; O vento dorme, o mar, e as ondas jazem.
E não menos co'o tempo se parece O desejo de ouvir-te o que contares; Que quem ha, que por fama não conhece As obras Portuguezas singulares? Não tanto desviado resplandece De nós o claro Sol, para julgares Que os Melindanos tem tão rudo peito, Que não estimem muito um grande feito. CXII
Commetteram soberbos os Gigantes Com guerra vaa o Olympo claro e puro: Tentou Pirithoo, e Theseo, de ignorantes, O reino de Plutão horrendo, e escuro: Se houve feitos no mundo tão possantes, Não menos é trabalho illustre, e duro, Quanto foi commetter inferno, e ceo, Que outrem commetta a furia de Nereo.
Queimou o sagrado templo de Diana, Do subtil Ctesiphonio fabricado, Herostrato, por ser da gente humana Conhecido no mundo, e nomeado: Se tambem com taes obras nos engana O desejo de um nome avantajado, Mais razão ha, que queira eterna gloria, Quem faz obras tão dignas de memoria.
Pratica de Vasco da Gama com el-Rei de Melinde, em que lhe faz a descripção da Europa: dá-lhe conta dos principios do reino de Portugal, de seus Reis (até el-Rei D. Fernando) e das suas acções principaes: feito notavel de Egas Moniz: vem a Portugal a Rainha de Castella D. Maria, a pedir soccorro para a batalha do Salado: amores, e caso desastrado de D. Ignez de Castro: alguns successos d' el-Rei D. Fernando.
A populosa Europa se descreve; De Egas Moniz o feito sublimado; Lusitania, que Reis, que guerras teve: Christo a Affonso se expõe crucificado: De Dona Ignez de Castro a pura neve Em purpura converte o povo irado: Mostra-se o vil descuido de Fernando, E o grão poder de um gesto suave, e brando.
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