Padrão levantado por Vasco da Gama, proximo a Melinde, em janeiro de 1499, no regresso da sua viagem à India.
Agora tu, Calliope, me ensina
O que contou ao Rei o illustre Gama: Inspira immortal canto, e voz divina N'este peito mortal, que tanto te ama: Assi o claro inventor da Medicina, De quem Orpheo pariste, oh linda dama, Nunca por Daphne, Clicie, ou Leucothoe Te negue o amor devido, como soe.
Põe tu, Nympha, em effeito meu desejo, Como merece a gente Lusitana; Que veja, e saiba o mundo, que do Tejo O licor de Aganippe corre, e mana; Deixa as flores de Pindo; que já vejo Banhar-me Apollo na agua soberana; Senão direi, que tens algum receio, Que se escureça o teu querido Orpheio.
Promptos estavam todos escuitando O que o sublime Gama contaria; Quando, depois de um pouco estar cuidando, Alevantando o rosto, assi dizia: Mandas-me, oh Rei, que conte declarando De minha gente a grão genealogia:
Não me mandas contar estranha historia, Mas mandas-me louvar dos meus a gloria.
Que outrem possa louvar esforço alheio, Cousa é, que se costuma, e se deseja: Mas louvar os meus proprios, arreceio, Que louvor tão suspeito mal me esteja; E, para dizer tudo, temo, e creio,
Que qualquer longo tempo curto seja: Mas, pois o mandas, tudo se te deve; Irei contra o que devo, e serei breve.
Além d'isso o que a tudo em fim me obriga, É não poder mentir no que disser; Porque de feitos taes, por mais que diga, Mais me ha de ficar inda por dizer: Mas, porque n'isto a ordem leve, e siga, Segundo o que desejas de saber, Primeiro tratarei da larga terra, Depois direi da sanguinosa guerra.
Entre a zona, que o Cancro senhorea, Meta Septentrional do Sol luzente, E aquella, que por fria se arrecea Tanto, como a do meio por ardente, Jaz a soberba Europa, a quem rodea Pela parte do Arcturo, e do Occidente Com suas salsas ondas o Oceano, E pela Austral o mar Mediterrano.
Da parte d'onde o dia vem nascendo, Com Asia se avisinha; mas o rio, Que dos montes Rhipheios vai correndo Na alagoa Meotis, curvo e frio,
As divide: e o mar, que fero e horrendo Vio dos Gregos o irado senhorio, Onde agora de Troia triumphante Não vê mais que a memoria o navegante.
Lá onde mais debaixo está do polo, Os montes Hyperboreos apparecem, E aquelles onde sempre sopra Eolo, E co'o o nome dos sopros se ennobrecem: Aqui tão pouca força tem de Apollo Os raios, que no mundo resplandecem, Que a neve está contino pelos montes, Gelado o mar, geladas sempre as fontes.
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