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SOBRE A ABDICAÇÃO

Se o Imperador Pedro I foi constrangido a abdicar, ou se foi elle mesmo quem voluntariamente e muito de proposito provocou essa abdicação, é isto o que não está bem esclarecido. Não duvido porém que possa contribuir para esse esclarecimento a revelação do seguinte facto:

Pelo Natal de 1830, achando-me eu em Londres, fui convidado por José da Silva Carvalho para uma reunião em sua casa. Silva Carvalho achava-se então emigrado naquella capital. Alli compareci ás 8 horas da noite. A sociedade se compunha de portuguezes e hespanhóes, todos emigrados. Entre os portuguezes recordo-me de ver o padre Marcos; mas dos hespanhóes não posso lembrar-me hoje os nomes d'aquelles que me foram apresentados, dois dos quaes eram tratados com o titulo de generaes.

Supponho que um d'elles era o general Mina.

Ao chá, José da Silva Carvalho, prevalecendo-se da amizade que nos ligava desde 1824, quando ambos nos achavamos emigrados em Londres e Paris, disse-me que elles e seus amigos passavam a fazer-me uma revelação importante, que interessava tanto a Portugal como ao Brasil, para o triumpho da qual precisava do meu apoio e do apoio de todos os brasileiros liberaes.

Entrando em materia, discorreu mostrando que a causa da liberdade em Portugal estava perdida, e que sómente o Imperador do Brasil a podia salvar; que para isso era necessario que elle deixasse o Brasil para se ir pôr á testa dos negocios de Portugal. Que o Brasil ganhava em se ver livre d'elle, e que a causa da liberdade em Portugal ganhava tambem tendo um Principe á sua frente, optimo para uma revolução e pessimo para governar um Estado; e, finalmente, que os liberaes de Portugal depois do triumpho tambem o mandariam embora.

Disse que elles estavam em correspondencia com o Imperador D. Pedro por intermedio de Francisco Gomes da Silva e João da Rocha Pinto, e nessa occasião apresentou uma carta do mesmo Augusto Senhor ao primeiro dirigida. Que tinham mostrado ao Imperador a facilidade com a qual S. M. podia, servido pelos liberaes, se abandonasse o Brasil, unir Portugal á Hespanha, e ser acclamado Imperador da Peninsula. Que Francisco Gomes da Silva e João da Rocha Pinto apoiavam muito este projecto que lhes parecia muito bem; mas que o Imperador mostrava de sua parte uma grande indecisão; ora queria, ora duvidava e ora fazia observações, e que, para sabir quanto antes d'esse estado de perplexidade, convinha que os brazileiros fizessem alguma demonstração que o determinasse a tomar uma resolução repentina.

A carta do Imperador acima referida, que eu li e reconheci a lettra e a assignatura, mostrava com effeito que o Imperador estava preoccupado e inde

ciso sobre o que devia fazer. Não era explicito, mas uma idéa o dominava, e era a de ser taxado de ingrato ao Brasil.

Similhante inesperada revelação desconcertou-me completamente. Apenas pude dizer a José da Silva Carvalho que elle escolhia muito mal os seus amigos, se me julgava capaz de trahir ao meu paiz e ao meu soberano.

Silva Carvalho, como todos sabem, era um homem de um aspecto muito agradavel e de uma facilidade tal que tudo para elle era possivel; adquiriu por isso entre os seus o titulo de Mr. Facilité. Nada o zangava, nada o affligia. Replicou como se eu nada lhe houvesse dito seriamente. A conversação sobre este assumpto tornou-se geral e eu procurei retirar-me.

No dia seguinte, veiu Silva Carvalho á minha casa. Nós nos tratavamos de tu e vós. Veiu com a maior sem ceremonia possivel, que é preciso ter conhecido aquelle caracter singular para o saber avaliar, a dizer-me que participasse eu aos meus amigos do Rio de Janeiro que o Imperador estava abalado, que lhe dessem um empurrão que elle se ia embora, ou por outra que fossem colhendo a corda (estas são as proprias palavras) que elle estendesse que em pouco tempo se veriam livres d'elle.

Poucos dias depois parti para Paris, sem saber o que era melhor fazer em similhante conjunctura. Todos os calculos me sahiam errados. Se pensava em dar parte do occorrido ao ministro dos negocios estrangeiros Francisco Carneiro de Campos, vinha-me logo a idéa que este homem, sendo naturalmente fraco e pusillanime, occultaria a minha carta e ficaria contra mim por lhe haver feito similhante revelação; se me lembrava de me dirigir directamente ao Imperador, via logo que o faria sem resultado, porque estando elle no conluio não prestaria ouvidos ás minhas razões e ficaria contra mim por eu me achar de posse do seu segredo.

De hesitação em hesitação me demorei até os primeiros dias de Fevereiro, em que parti para Hamburgo, onde assentei de escrever a José Bonifacio de Andrada, a quem a mais estreita amizade me ligava, referindo todo o

occorrido.

A minha carta chegou as mãos d'aquelle illustre ancião, de saudosa memoria, depois do funesto dia 7 de Abril de 1831. José Bonifacio, sendo eleito deputado por S. Paulo, nas eleições que se seguiram ao acto da abdicação, referiu na Camara, occultando o nome do autor, todo o conteúdo da minha citada carta, levando em vista mostrar que o Imperador, enganado e illudido por falsos amigos, precipitára elle mesmo um acontecimento que não podia deixar de ser deploravel para elle e para o Brasil.

Os que assistiram á abdicação de 7 de Abril e conhecem todo o enredo d'aquella fatal peripecia ajuntem ao que já sabem estes pormenores, que acabo de contar, e ficarão então nas circumstancias de poder julgar com acerto se o Imperador Pedro I foi constrangido a abdicar, ou se foi elle mesmo que voluntariamente e muito de proposito provocou essa abdicação.

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