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XLVIII.

E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os duos amantes miseros ficarem
Na fervida e implacabil espessura.
Alli, despois que as pedras abrandarem
Com lagrimas de dor, de magoa pura,
Abraçados as almas soltarão

Da formosa e miserrima prisão.

XLIX.

Mais hia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando alçado
Lhe disse eu: Quem es tu? que esse estupendo
Corpo, certo me tem maravilhado.

A boca, e os olhos negros retorcendo,
E dando hum espantoso e grande brado,
Me respondeo com voz pezada e amara,
Como quem da pergunta lhe pezara :

L.

Eu sou aquelle occulto, e grande Cabo,
A quem chamais, vós outros, Tormentorio;
Que nunca a Ptolemeo, Pomponio, Strabo,
Plinio, e quantos passaram, fui notorio :
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto promontorio,
Que para o polo Antarctico se estende,
quem vossa ousadia tanto offende.

A

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LI.

Fui dos filhos asperrimos da terra,
Qual Encelado, Egeo, e o Centimano;
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano :
Não que puzesse serra sobre serra,
Mas conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.

LII.

Amores da alta esposa de Peleo
Me fizeram tomar tamanha empreza ;
Todas as deosas desprezei do ceo,

por amar das aguas a princeza : Hum dia a vi, co'as filhas de Nereo, Sahir nua na praia; e logo preza

A vontade senti, de tal maneira,

Que inda não sinto cousa que mais queira.

LIII.

Como fosse impossibil alcança-la
Pela grandeza fea de meu gesto,
Determinei por armas de toma-la,
E a Doris este caso manifesto :

De medo a deosa então por mi lhe falla;
Mas ella c'hum formoso riso honesto,
Respondeo; qual será o amor bastante
De nympha que sustente o d'hum gigante?

LIV.

Com tudo

por livrarmos o Oceano

De tanta guerra, eu buscarei maneira,
Com que com minha honra escuse o dano;
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu que cahir não pude neste engano,
(Que he grande dos amantes a cegueira)
Encheram-me com grandes abondanças
O peito de desejos, e esperanças.

LV.

Já nescio, já da guerra desistindo,
Huma noite de Doris promettida,
Me apparece de longe o gesto lindo
Da branca Thetis unica despida :
Como doudo corri de longe, abrindo
Os braços, para aquella que era vida
Deste corpo, e começo os olhos bellos
A lhe beijar, as faces, e os cabellos.

LVI.

Oh que não sei de nojo como o conte!
Que crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei c' hum duro monte
De aspero mato, e de espessura brava :
Estando c'hum penedo fronte a fronte,
Que eu polo rosto angelico apertava,
Não fiquei homem não, mas mudo e quedo,
E junto d' hum penedo outro penedo.

LVII.

Ó nympha a mais formosa do Oceano,
que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho, ou nada?
Daqui me parto irado, e quasi insano
Da magoa, e da deshonra alli passada,
A buscar outro mundo, onde não visse
Quem de meu pranto e de meu mal se risse.

LVIII.

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Eram já neste tempo meus irmãos
Vencidos, e em miseria extrema postos ;
E, por mais segurar-se os deoses vãos
Alguns a varios montes sotopostos :
E como contra o ceo não valem mãos,
Eu que chorando andava meus desgostos,
Comecei a sentir do fado imigo

Por meus atrevimentos o castigo.

LIX.

Converte-se-me a carne em terra dura,
Em penedos os ossos se fizeram ;
Estes membros que vès e esta figura,
Por estas longas aguas se estenderam :
Em fim, minha grandissima estatura
Neste remoto cabo converteram

Os deoses, e por mais dobradas magoas,
Me anda Thetis cercando destas agoas.

LX.

Assi contava, e c'hum medonho choro
Subito d'ante os olhos se apartou;
Desfez-se a nuvem negra, e c'hum sonoro
Bramido, muito longe o mar soou.

Eu,
levantando as mãos ao sancto coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deos pedi que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.

LXI.

Já Phlegon, e Pyrois vinham tirando
Co'os outros dous o carro radiante,
Quando a terra alta se nos foi mostrando,
Em que foi convertido o grão gigante.
Ao longo desta costa, começando
Já de cortar as ondas do Levante,
Por ella abaixo hum pouco navegamos,
Onde segunda vez terra tomamos.

LXII.

A gente que esta terra possuïa,
Postoque todos Ethiopes eram,
Mais humana no trato parecia,

Que os outros, que tão mal nos receberam.
Com bailes, e com festas de alegria,
Pela praia arenosa a nós vieram;

As mulheres comsigo, e o manso gado,
Que apascentavam, gordo e bem criado.

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