Nem creais, Nymphas, não, que fama désse A quem ao bem commum, e do seu Rei, Antepuzer seu proprio interesse, Imigo da divina e humana lei : Nenhum ambicioso, que quizesse Subir a grandes cargos, cantarei, Só por poder com torpes exercicios Usar mais largamente de seus vicios:
Nenhum que use de seu poder bastante, Para servir a seu desejo feio;
E que por comprazer ao vulgo errante Se muda em mais figuras que Proteio. Nem, Camenas, tambem cuideis que cante Quem com habito honesto e grave, veio, Por contentar ao Rei no officio novo, A despir, e roubar o pobre povo.
Nem quem acha que he justo, e que he direito, Guardar-se a lei do Rei severamente,
E não acha que he justo, e bom respeito, Que se pague o suor da servil gente : Nem quem sempre com pouco experto peito Razões apprende, e cuida que he prudente, Para taixar com mão rapace, e escassa, Os trabalhos alheios. que não passa.
Aquelles sós direi, que aventuraram Por seu Deos, por seu Rei, a amada vida, Onde perdendo-a, em fama a dilataram, Tão bem de suas obras merecida.
Apollo, e as Musas, que me acompanharam, Me dobrarão a furia concedida,
Em quanto eu tomo alento descansado, Por tornar ao trabalho, mais folgado.
Na primeira figura se detinha
O Catual, que vira estar pintada,
Que por divisa hum ramo na mão tinha, A barba branca, longa, e penteada:
<< Quem era, e porque causa lhe convinha « A divisa que tem na mão tomada? » Paulo responde, cuja voz discreta O Mauritano sabio lhe interpreta.
Estas figuras todas que apparecem, Bravos em vista, e feros nos aspeitos; Mais bravos e mais feros se conhecem, Pela fama, nas obras e nos feitos : Antiguos são, mas inda resplandecem Co'o nome, entre os engenhos mais perfeitos : Este que vês he Luso, donde a fama O nosso reino Lusitania chama.
Foi filho e companheiro do Thebano, Que tão diversas partes conquistou : Parece vindo ter ao ninho Hispano, Seguindo as armas que contino usou : Do Douro, Guadiana, o campo ufano, Já dito Elysio, tanto o contentou,
Que alli quiz dar, aos já cansados ossos Eterna sepultura, e nome aos nossos.
O ramo que lhe vês para divisa, O verde thyrso foi de Baccho usado, O qual á nossa idade amostra e avisa, Que foi seu companheiro, e filho amado. Vês outro que do Tejo a terra pisa, Despois de ter tão longo mar arado, Onde muros perpetuos edifica,
E templo a Pallas, que em memoria fica :
Ulysses he o que faz a sancta casa Á deosa, que lhe dá lingua facunda; Que se lá na Asia Troia insigne abrasa, Cá na Europa Lisboa ingente funda. Quem será est' outro cá, que o campo arrasa De mortos, com presença furibunda ? Grandes batalhas tem desbaratadas,
Que as aguias nas bandeiras tem pintadas.
Assi o Gentio diz: responde o Gama : Este que vês, pastor já foi de gado; Viriato sabemos que se chama, Destro na lança mais, que no cajado : Injuriada tem de Roma a fama, Vencedor invencibil, affamado;
Não tem com elle, não, nem ter puderam O primor que com Pyrrho já tiveram.
Com força não, com manha vergonhosa, A vida lhe tiraram, que os espanta:
Que o grande aperto em gente, Ás vezes leis magnanimas quebranta. Outro está aqui, que contra a patria irosa Degradado comnosco se alevanta : Escolheo bem com quem se alevantasse, Para que eternamente se illustrasse.
Vês, comnosco tambem vence as bandeiras Dessas aves de Jupiter validas;
Que já naquelle tempo as mais guerreiras Gentes de nós souberam ser vencidas: Olha tão subtis artes, e maneiras, Para adquirir os povos, tão fingidas; A fatidica Cerva que o avisa;
Elle he Sertorio, e ella a sua divisa.
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