Era tão grande o peso do madeiro, Que só para abalar-se, nada abasta; Mas o nuncio de Christo verdadeiro Menos trabalho em tal negocio gasta : Ata o cordão que traz por derradeiro No tronco, e facilmente o leva, e arrasta Para onde faça hum sumptuoso templo, Que ficasse aos futuros por exemplo.
Sabia bem que se com fé formada
Mandar a hum monte surdo, que se mova, Que obedecerá logo á voz sagrada,
Que assi lho ensinou Christo, e elle o prova. A gente ficou disto alvoroçada,
Os Brahmenes o tem por cousa nova; Vendo os milagres, vendo a sanctidade, Ham medo de perder autoridade.
Sam estes sacerdotes dos Gentios, Em quem mais penetrado tinha inveja; Buscam maneiras mil, buscam desvios Com que
Thomé não se ouça, ou morto seja. O principal, que ao peito traz os fios, Hum caso horrendo faz, que o mundo veja, Que inimiga não ha tão dura, e fera, Como a virtude falsa da sincera.
Hum filho proprio mata; logo accusa De homicidio Thomé, que era innocente; Dá falsas testemunhas, como se usa; Condemnaran-o á morte brevemente. O Sancto, que não vê melhor escusa, Que appellar para o Padre Omnipotente, Quer diante do Rei, e dos senhores, Que se faça hum milagre dos maiores.
O corpo morto manda ser trazido, Que resuscite, e seja perguntado Quem foi seu matador; e será crido Por testemunho o seu mais approvado. Viram todos o moço vivo erguido Em nome de Jesu crucificado:
Dá graças a Thomé, , que lhe deo vida, E descobre seu pai ser homicida.
Este milagre fez tamanho espanto, Que o Rei se banha logo na agua santa, E muitos após elle : hum beija o manto, Outro louvor do Deos de Thomé canta. Os brahmenes se encheram de odio tanto, Com seu veneno os morde inveja tanta, Que persuadindo a isso o povo rudo, Determinam mata-lo em fim de tudo.
Hum dia que prégando ao povo estava, Fingiram entre a gente hum arruido : Já Christo neste tempo lhe ordenava Que padecendo fosse ao ceo subido. A multidão das pedras, que voava, No Sancto dá, já a tudo offerecido:
Hum dos maos, por fartar-se mais depressa, Com crua lança o peito lhe atravessa.
Choraram-te Thomé, o Gange e o Indo; Chorou-te toda a terra que pizaste; Mais te choram as almas, que vestindo Se hiam da sancta Fé que The ensinaste: Mas os Anjos do ceo cantando, e rindo, Te recebem na gloria que ganhaste. Pedimos-te, que a Deos ajuda peças, Com que os teus Lusitanos favoreças.
E vós outros que os nomes usurpais De mandados de Deos, como Thomé, Dizei, se sois mandados, como estais Sem irdes a prégar a sancta Fé?
Olhai que se sois sal, e vos damnais Na patria, onde propheta ninguem he, Com que se salgarão em nossos dias (Infieis deixo) tantas heresias?
Mas passo esta materia perigosa, E tornemos á costa debuxada. Já com esta cidade tão famosa, Se faz curva a Gangetica enseada : Corre Narsinga rica e poderosa, Corre Orixa de roupas abastada, No fundo da enseada o illustre rio Ganges vem ao salgado senhorio :
Ganges, no qual os seus habitadores Morrem banhados, tendo por certeza, Que inda que sejam grandes peccadores, Esta agua sancta os lava, e dá pureza. Vê Cathigão, cidade das melhores De Bengala, provincia que se preza De abundante, mas olha que está posta Para o Austro daqui virada a costa.
Olha o reino Arracão, olha o assento De Pegu, que já monstros povoaram; Monstros filhos do feo ajuntamento
D' huma mulher e hum cão, que sós se acharam: Aqui soante arame no instrumento
Da geração costumam; o que usaram Por manha da Rainha, que inventando deitou fóra o error nefando.
Olha Tavai cidade, onde começa De Siam largo o imperio tão comprido ; Tenassari, Quedá, que he só cabeça Das que pimenta alli tem produzido. Mais avante fareis que se conheça Malaca por emporio ennobrecido, Onde toda a provincia do mar grande Suas mercadorias ricas mande.
Dizem que desta terra, co'as possantes Ondas o mar entrando dividio
A nobre ilha Samatra, que já d' antes Juntas ambas a gente antigua vio. Chersoneso foi dita, e das prestantes Veas d'ouro, que a terra produzio, Aurea por epitheto lhe ajuntaram;
Mas na ponta da terra Cingapura
Verás, onde o caminho ás naos se estreita, Daqui tornando a costa á Cynosura,
Se encurva, e para a Aurora se endireita : Vès Pam, Patane, reinos, e a longura De Siam que estes e outros mais sujeita; Olha o rio Menão, que se derrama Do grande lago, que Chiamai se chama.
« VorigeDoorgaan » |