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mesmos que com tanta injustiça o acoimam de suicida, levam os homens desprevenidos a supporem ter sido ella antes devida a um assassinato do que a um suicidio. Talvez que lá Minas ainda existam vivas pessoas que possam esclarecer este ponto da nossa historia patria. »>

por

E' na verdade de muita ponderação para nós esse testimunho. Foi sempre distinguida com a maior veneração pelos Campistas a digna matrona, a quem se-refere o sur. dr. Heredia de Sá e que era sua mãe. Merecedora de toda a nossa fé é a exposição que ella fez d'esse facto, pois sempre de criança a-respeitámos pelas suas virtudes e não vulgar cultura de espirito.

Appellando nós tambem para a reminiscencia do probo e illustrado sûr. dr. Secioso, sobrinho da fallecida e criado de pequeno em sua casa, confirmou-nos elle a asserção e accrescentou que mesmo lhe-parecia, tanto quanto se-póde recordar, pois era nessa epocha muito criança, ter ouvido de sua respeitavel tia que o poeta do Ribeirão do Carmo morrêra envenenado, o que está de accordo com as primeiras suspeitas do sñr. visconde de Porto-Seguro, com a asseveração do conego Januario e a versão admittida pelo săr. Ferdinand Denis (16. Em verdade, a soffreguidão e excesso de zêlo com que nos documentos por nós consultados se-procura deixar fóra de dúvida que o poeta se-suicidára, e logo se enforcou a si mesmo, causam extranheza e fazem pairar sôbre o ânimo do leitor a idéia sinistra de que a verdade historica foi nesse particular sacrificada. Ainda encontra essa idéia outra razão de ser, por ventura mais forte, na consideração de que o depoimento que d'elle existe, ou lhe-fora arrancado ou fora adrede forjado para em seu nome culparem os outros implicados no levante ou extorquirem lhes com mais segurança confissões que não deviam ou não tinham querido até então fazer. Pela leitura das peças do processo se-verifica que não houve meios, argucias, tricas (si nos-permittem a expressão),

(16) O proprio sñr. Joaquim Norberto, que se-declara francamente pelo suicidio, publica na sua Historia da Conjuração Mineira (pag. 372 em nota) o seguinte: Ha nesta capital muitas pessoas que ouvirão aos coevos de Claudio que elle foi suffocado por dous soldados de ordem superior, e que depois se fez espalhar o boato de ter-se suicidado, abrindo uma veia com o garfo da fivella dos calções e escripto com o sangue um distico' na parede. —Nota 3, pag. 58, do 1.o anno do Almanak da Provincia de Minas Geraes.

de que os juizes não lançassem mão nos enfadonhos e successivos interrogatorios, quasi inquisitoriacs, para enredarem os implicados e deixarem bem patente a sua cumplicidade no levante intentado. A retractação, na verdade degradante, com que o misero inconfidente termina o seu depoimento, torna-se para nós suspeita, pois não se-coaduna ella com o seu character, que se-mostrára sempre nobre e elevado, nem tem tão pouco filiação nos precedentes actos da sua vida. Quem nos-diz a nós que a sua morte, isto é, o seu silencio absoluto, não seria indispensavel, porque, em segundo interrogatorio, não esperavam que as suas respostas fossem rectificadas? Porque não fora elle interrogado com as formalidades da lei, como o-tinham sido todos os mais, de modo que ficou o seu depoimento injuridico, e portanto nullo, como o-declara o proprio desembargador Coelho Torres nas suas informações ao vice-rei?

Nos esclarecimentos dados pelo sir. dr. Heredia não se-especifica qual dos dous peritos, que fizeram o exame medico-legal do cadaver, é o que se-tornára conhecido pela alcunha Paracatú: o auto de corpo de delicto, feito a 4 de julho de 1789 no cadaver de Claudio Manuel da Costa, vem assignado (Brasil Historico, pag. 140–141, tomo 1., 2. serie, 1866) pelos cirurgiões approvados Caetano José Cardozo e Manoel Fernandes de São Thiago: qual d'elles é o Paracatú em questão? O nosso docto informante não nol-o sabe dizer.

Alguns espiritos todavia se-inclinarão, com egual desejo de investigar a verdade, á consideração de que era uma inutilidade o desapparecimento de Claudio Manuel, visto ter elle de expiar no cadafalso o seu nefando crime, e, para os seus inimigos, devia essa infamante pena, essa morte affrontosa ser mais grata e satisfazer mais plenamente os seus desejos de vingança. Mas não estariam alguns d'elles tão altamente collocados na administração da justiça, que soubessem que só para Tiradentes não seria commutada a pena última ?

Não poderiam elles saber que a charta de perdão da rainha teria de lavrar-se ou já o-havia sido; pois tiveram o ânimo de conservar em segredo a referida charta por dous longos annos (17),

(17) A charta régia de perdão tem a data de 15 de Outubro de 1790.

deixando que os miseros inconfidentes, a quem ella approveitava, ignorassem até á ultima a sua existencia, gosando elles d'esse modo do sinistro prazer de verem os desgraçados passarem antecipadamente e a todo o momento pelas torturas sem nome de uma morte esperada, degradante e horrorosa? Quem foi capaz d'esse crime e teve força de vontade bastante para não deixar transluzir no olhar, na menor phrase, em um imperceptivel gesto, um tenue raio de esperança que os alentasse nas amarguras do carcere, em cuja porta estava para elles escripto o terrivel lasciate ogni speranza de Dante os que puderam a sangue frio commetter essa cobardia e deshumanidade, estão a nosso ver aptos para saciarem por um morticinio a sua barbara sêde de vingança.

Si o depoimento do poeta é verdadeiro, inclinamo-nos para a opinião dos que crêem que com effeito tinha elle sido accommettido de principios de alienação mental quando depoz, e que a sua morte voluntaria era um corolario d'aquelle acto, como consequencia do horror que no silencio e isolamento do carcere lhe-devia ter causado a indignidade que praticára de denunciar seus proprios amigos, um d'elles quasi seu commensal.

A primeira versão porém nos-parece mais acceitavel e verosimil. Arrancaram-lhe uma confissão que não estava no seu character, nem na lealdade que devia guardar para com os seus companheiros de aspirações politicas e de infortunio, ou forjaram sem sciencia sua um depoimento nesse sentido tanto mais plausivel é essa supposição, quanto não foi esse depoimento tomado segundo as prescripções legaes, indispensaveis, como sejam a presença de um tabellião e o juramento para com terceiro: bastava-lhes provavelmente que a peça pudesse produzir certo effeito moral, embora ficasse irrita e nulla sob o poncto de vista da sancção penal. Elle, que gozára d'uma reputação invejavel, não só como poeta, mas tambem como jurisconsulto, e que accumulára contra si muita cholera concentrada e muito despeito durante os oito annos em que exercêra o elevado cargo de secretario do govêrno da capitania, logar que resignára desastradamente na administração do antecessor do visconde de Barbacena: elle, pois, tinha contra si, segundo o testimunho do conego Januario, o resentimento

de muitos a quem ou ferira com as suas satyras, ou assombrára com o merito de suas luzes. A nossa suspeita, portanto, confirmada pelo valioso testimunho que deu occasião a éstas linhas, não é fôra de termo. A nossa opinião individual pois é que Claudio Manuel da Costa fôra assassinado, emquanto provas em contrário não vierem demonstrar que estamos em êrro.

No seu « Brazil Pittoresco » havia dicto (á pag. 69) Charles Ribeyrolles a respeito d'essa morte mysteriosa :

... Claudio da Costa enforcára-se na prisão em VillaRica, e grande tinha sido a emoção do povo com a nova dessa morte, filha da sombra, obra da noite. Não se acreditava no suicidio, e alguns dizião que se receiava a voz de Claudio, o advogado vigoroso, o poeta amado! O suicidio era hum crime no espirito das massas: chamava-se a razão d'estado. O povo enganava-se, acreditamo-lo. Claudio, o poeta, era um desses artistas delicados, hum desses pensadores altivos mas ternos, que não gostão do rumor. Temem a gloria selvagem dos cadafalsos e, em caso de possibilidade, arranjão-se como podem para morrer longe das turbas. Condorcet fez mais tarde como Claudio. Que interesse urgente e soberano havia nisso? Claudio não era o mais criminoso, o mais compromettido na conspiração; havia a seu lado e acima delle influencias mais altas, que forão respeitadas entretanto. Mas o povo, quando ha mysterio, conclue sempre pelo crime têm havido tantos! -e a primeira expiação de hum governo que vive do segredo e da violencia, he esta condemnação fatal que o envolve e segue em tudo. »

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Ribeyrolles fallava mais como poeta e artista, do que como historiador. Como porém escrevemos animado do desejo sincero de acertar com a verdade, não quizemos deixar de trazer a campo a sua opinião, embora avessa á que adoptámos neste dedalo de conjecturas.

Fazemos votos para que algum desapaixonado investigador das nossas cousas e amante da verdade deslinde um dia as dúvidas que aponctámos, si o nosso appêllo lhe-merecer consideração e o facto em si a importancia historica que lhe-ligamos.

Estavamos neste poncto do nosso trabalho quando, por interposta pessoa, consultámos sôbre este periodo tão debatido da vida do poeta mineiro a opinião abalisada do sur. dr. A. J. de Mello Moraes, que tem tido em suas mãos grande cópia de documentos importantes concernentes á historia nacional. Como resposta indirecta ás nossas dúvidas publicou s. s. no Globo de 7 e 13 do corrente mez e anno uns artigos, que pediriamos a s. s. permissão para reproduzir integralmente aqui, si não viessem elles tornar em demasia longo o nosso escripto, que já tomon proporções que estavamos longe de lhe-querer dar. Tel-os-ha entretanto o leitor em resumo fiel, para esclarecimento da questão. Como o illustre sur. dr. Mello Moraes se-refere ao que publicou sôbre a morte de Claudio na Historia do Brazil-Reino e Brazil-Imperio, damos em seguida e de principio o que se-lê á pag. 6 d'aquella obra é apenas esse topico o que em toda ella tem referencia ao nosso assumpto :

« Barbacena, de posse do segredo que lhe fora revelado por um miseravel traidor (o coronel Joaquim Silverio), immediatamente o transmittio ao conde de Rezende, vice-rei do Rio de Janeiro, o qual mandou sem perda de tempo prender os denunciados, o que teve logar sem a menor resistencia, sendo todos processados e dalli conduzidos para o Rio de Janeiro, á excepção do famoso poeta e grande magistrado dr. Claudio Manoel da Costa (que, segundo me disse o dr. Americo de Urzedo, fora assassinado, ou conforme outros se suicidára) e Joaquim da Silva Pinto do Rego Fortes, que morrerão na cadêa de Villa-Rica. »

O sur. dr. Mello Moraes diz-nos, pelos numeros do Globo citados, que o pouco que se-sabe da conjuração mineira foi referido por contemporaneos e pela divulgação da sentença que condemnou os implicados, sentença que o mesmo sñr. publicou com o processo de Tiradentes na sua Corographia historica. Nas considerações com que fez preceder essa sua publicação o sir. dr. Mello Moraes contou o que lhe-havia verbalmente communicado o venerando dr. Americo de Urzedo, natural de Villa-Rica, o qual sendo mineiro, ouvira dizer que o dr. Claudio Manoel da Costa fora assassinado. Pelo monstruoso processo e pelos documentos reservados, que diz

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