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Pelo teor deste officio (de que junto copia) verá V. Sa. que eu pondo sempre debaixo da hypothese que o dito Governo bem como os Cortes que consta acharem-se ja congregadas contemplam a S. M. no goso da Autoridade Real em toda a sua plenitude: nem eu na qualidade de Ministro d'ElRey posso dar a entender outra coisa. Mas a verdade do facto he que eu receio que bem pelo contrario o espirito de democracia seja que prevaleça a esta hora em Portugal: bem como he esse o que vemos ir se desenvolvendo de huma maneira espantosa em todo o Brazil. E tão forte he este meu receio que me animei a patentea-lo a S. M. ponderando-lhe o quanto seria arriscado o aventurar o decoro da Coroa entrando S. M. em Lisboa sem ter antes a certeza que do momento em que alli aportasse, começaria a exercer em toda a sua extensão as Attribuições inseparaveis da Realeza. Não que eu tivesse dados nenhuns de facto que me conduzissem a suspeitar o contrario: antes nas procurações dadas aos Deputados das Cortes observa-se que huma das clausulas era a conservação do Governo Monarchico, e na Augusta Pessoa de S. M. para ser continuada a Dynastia na Real Casa de Bragança: O que visivelmente significava a vontade geral da Nação era que quaesquer que houvessem de ser as reformas e alterações a que se procedesse a Autoridade Real não deveria ser em nenhuma maneira atacada nas suas Attribuições essenciaes.

Mas como a historia das Revoluções em todas as precedentes epocas e particularmente as dos nossos tempos me mostrava que as Assembléas huma vez reunidas debaixo de auspicios taes como estas nossas Cortes tem constantemente tomado hum caracter Democratico: e observo que ja de prevenção os Coripheos do Levantamento de 24 de Agosto fizeram entrar naquellas mesmas Procurações a clausula de que a futura Constituição deve ser ainda mais liberal que a de Hespanha: ao mesmo tempo que a todos he notorio que o que faz denominar a Constituição Hespanhola mais liberal que a Franceza de 1791 que lhe servia de modelo he o ser ella muito mais, ja se vê que o sentido daquella clausula he que deve a Constituição de Portugal ser ainda mais democratica do que a de Hespanha: posto que como ella e ella como a de França co

mece por dizer que a forma do Governo continúa a ser de huma Monarchia.

Em consequencia ponderei a S. M. que apezar de não ser possivel differir a sua partida para Portugal, cumpria fazer todas as diligencias para se certificar antes de alli chegar, qual ha-de ser a maneira como S. M. alli tem de ser recebido: se pelo que os Cortes ja houverem legislado, ou se propoem determinar á sua chegada, S. M. vae exercer as funcções de Rey em toda a extenção desta alta categoria, ou se (como eu muito receio) lhe está reservada a sorte de ser apenas hum Presidente perpetuo de hum Estado que tendo ja cessado de ser Monarchia ainda não he republica: que estando-se agora mesmo constituindo, se hade inteiramente governar por Leys que provisoriamente se vão agora mesmo fazendo segundo as occurrencias: Leys que tem todas de emanar desse Congresso, Leys que S. M. só lhe competirá o direito de as fazer executar, sem as poder nem impedir, nem modificar.

Se este ultimo he, accrescentei (como muito receio, torno a dizer) o caso em que V. M. se vae achar ao entrar na antiga sede da Monarchia, he preciso que V. M. saiba de antemão; porque certificado diss estou persuadido que V. M. tomará na sua alta sabedoria conselho mui diverso de ir subscrever á desistencia da Regia Dignidade que herdou dos seos Augustos Maiores: e que a lealdade Portugueza está tão firme em manter e conservar que os Coripheos da Revolução se viram obrigados a inseri-la como expressa clausula nas Procurações que elles mesmos forjaram e submetteram a approvação dos Eleitores immediatos constituintes das Cortes de Lisboa.

Afim pois de havermos com a possivel, ja que não pode ser com a necessaria antecipação, os precisos esclarecimentos a este respeito, lembro-me de encarregar ao conselheiro João Rodrigues Pereira de Almeida de huma carta minha para Fr. Francisco de S. Luiz que sendo a unica pessoa que eu conheço d'entre os actuaes Governadores do Reyno, me merece o maior conceito tanto no que respeita ás suas luzes e prudencia como ao seo caracter: pelo que espero que fazendo-lhe sentir os justos receios em que laboro em tão delicado assumpto, exigirei da sua honra que com fidelidade e

candura me expcnha a recepção que no actual estado das coisas V. M. terá de encontrar em Portugal.

Tanto ao dito Fr. Francisco de S. Luiz, como ao Conselheiro João Rodrigues recommendarei que sem perda de tempo mandem por duas vias a resposta á Ilha Terceira e ao Fayal, afim de que em nossa passagem por aquella altura a fazermos procurar e por ella poder V. M. resolver o que for mais do seo Real serviço.

Mereceu esta minha proposta plena approvação de S. M. e em consequencia escrevi a Fr. Francisco de S. Luiz na mencionada conformidade, dando ao Conselheiro João Rodrigues as precisas instrucções para com elle se entender franca e livremente sobre este tão importante assumpto: recommendando-lhe com a maior efficacia que os esclarecimentos a dar-nos sobre o objecto hajam de ser os mais explicitos, e que no-los dirijam com promptidão possivel ao Governo das duas referidas Ilhas, afim de que sem fallencia S. M. possa dalli deliberar sobre materia cuja resolução deve decidir da sorte de toda a Monarchia.

a maior

Pelas Gazetas hade ja ser conhecido a V. S. que alguns dos nossos Ministros nas Cortes Estrangeiras não so fão quizeram reconhecer a nova ordem de cousas em Portugal; mas que exigiram dos Governos junto aos quaes se achavam acreditados, que cortassem toda a communicação dos seos Estados com aquelle Reyno: E alguns houve que passaram a requerer que as Potencias entradas na Santa Alliança cahissem com mão armada a atalhar em sua origem e quanto antes a Revolução de Portugal, bem como a Austria o vae praticar com a de Napoles.

Não reconhecerem aquelles Ministros as mudanças acontecidas em Portugal, era hum dever do seo cargo; pois que representam nas Cortes onde residem o Governo contra quem se fez o levantamento. Este Governo ainda existe na Augusta pessoa d'ElRey: ElRey ainda he de facto, assim como o he de direito o unico Governo da Monarchia: entretanto que o novo Governo que se erigiu em Lisboa apenas se pode dizer de facto Governo de Portugal: e de direito ninguem dirá que elle o seja ainda quando se queira derivar este da vontade geral do Povo daquelle Reyno, pois que não

he na effervescencia de huma Revolução sempre assustadora que se pode manifestar a vontade geral de huma Nação.

O passo porém de exigirem alguns delles que os Governos junto a que residem tomassem huma attitude hostil contra Portugal mostra que aquelles Ministros vivem na illusão que o Directorio Executivo da Europa (como huma alta personagem chama mui significativamente ás cinco Potencias da Grande Alliança), tem procurado derramar em todos os espiritos; a saber: Que a todas e a cada huma dellas compete o direito de intervirem nas dissensões internas de todos e de cada um dos Estados da Europa, e por huma necessaria consequencia tambem nas dos seos co-Es. tados aquem dos mares.

Porém quando aquelles Ministros disto estejam, como pelo conhecimento que tenho da sua honradez, me persuado que o estam, convencidos daquelle direito das Potencias, deveriam ter reflectido que como ellas o dirivam do principio da propria conservação, dizendo que o perigo em que as Revoluções dos outros Estados poem aos seos delles he que os constitue não so no direito, mas na obrigação de procurarem suffoca-las, empenhando para isso todas as suas forças; deveriam aquelles nossos Ministros ter reflectido que não sendo possivel a nenhuma das ditas Potencias praticar (por ora) com Portugal o mesmo que a Austria vae a Austria vae a praticar com o Reyno de Napoles, era a sua requisição tão imprudente, quanto impolitica e prematura.

Não digo o mesmo das sollicitações que cada hum delles tiver feito depois de haver recebido para isso ordem desta Côrte: tal como as que Antonio de Saldanha a quem V. S. sabe que eu consagro a mais respeitosa amisade, terá dirigido ao congresso que se deve ter reunido em Laybach.

Comtudo havendo S. M. feito já retractar aquellas ordens apenas o Conde de Palmella entrou no Ministerio, e sobretudo tendo todas as ditas Potencias declarado que o caso de Portugal se não devia confundir com o de Napoles, nem com o de Hespanha, pois que não constava ainda em que maneira S. M. F. considerava os acontecimentos sobrevindos naquella parte dos seos Estados: e que portanto se deveria esperar pela manifestação que o

mesmo Senhor não deixará de fazer quanto antes a esse respeito, era consequente que S. M. depois de ter mandado participar aos seos Ministros junto ás differentes Cortes a resolução que havia tomado de adherir á Reforma Politica a que hiam proceder as Cortes de Portugal, restituindo-se a aquelle Reyno para com ellas se applicar ao acabamento de huma obra em que S. M. não era menos interessado do que os Povos cujo Governo lhe estava confiado pela Providencia, lhes incumbisse de certificarem a todas e a cada uma daquellas Potencias que constando a S. M. haver quem no seu Augusto Nome asseverasse ás grandes Potencias da Europa e determinadamente aos Soberanos reunidos nos Congressos de Tropau e de Leybach como S. M. em nenhum modo annuam aos acontecimentos succedidos em Portugal, lhes ordenava que desmentindo taes asserções certificando pelo contrario que S. M. prestará da maneira a mais livre e espontanea o juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição que fizerem as Cortes de Portugal: não havendo nada que possa alterar esta sua mui firme e muito maduramente tomada resolução: e que S. M. consideraria como hum acto da mais horrenda aggressão contra a independencia da sua Real Coroa todo e qualquer procedimento, convenção ou ajuste pelo qual os Monarchas Estrangeiros possam lembrar-se de assumir a autoridade: de intervirem de algum modo qualquer nos negocios internos desta Monarchia: tanto na Europa como nos seos Estados Ultramarinos.

He certo que não sendo, como aquelles Soberanos pretextam, o assenso ou o discurso de S. M. quem ha de dirigir a sua conducta a respeito de Portugal; mas sim a conveniencia ou desconveniencia que elles acharem em lhe fazerem, bem como á Hespanha, a applicação que vão ja fazer do Direito de intervenção no Reyno de Napoles; Portugal desta tão positiva declaração de S. M. deve preparar-se para ser mais cedo ou mais tarde visitado pelas Armas da Santa Alliança. Se Governos taes como o de Hespanha e provavelmente o de Portugal, não fossem condemnados pelo democratismo das suas Constituições, a serem o ludibrio de partidos incapazes de razão e de systema; mui facil seria a Peninsula, não digo ja resistir mas até fazer passar á Sta. Alliança toda

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