Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

salas de leitura das grandes bibliothecas parizienses abertas á noite, isto mesmo só para os estudantes.

A secção dos manuscriptos tem poucos frequentadores, talvez por funccionar a horas improprias, das dez da manhã ás tres da tarde. Dá, porém, a perfeita illusão de uma sala de claustro, socegada, propicia ao nascer das idéas, á meditação, até á scisma. Nem lhe falta, no fundo, um pateo ajardinado, e a vista, da amarellidão dos papeis velhos, póde erguer-se á verdura alegre das árvores na primavera e no verão.

Nessas salas da Bibliotheca de Sancta Genoveva, Ferdinand Denis viveu largos annos, na placida actividade do pensamento, sempre tractando de ser o procurador intellectual do Brasil, pensando nelle, fallancio delle, escrevendo sobre elle.

Na Bibliotheca era tambem empregado Hippolyto Taunay, depois de haver sido professor na Eschola Polytechnica de Pariz.

Hippolyto estivera na Bahia com Ferdinand Denis. Pintara aquarellas representando o casamento de dom Pedro e de d. Leopoldina, os paes de dom Pedro II. As aquarellas foram lithogra phadas em Pariz por meio de uma subscripção.

Enquanto Hippolyto dirigia este trabalho artistico, Ferdinand Denis o convidou para collaborador de uma historia moral, politica e pittoresca do Brasil, obra levada a cabo e que consta de varios volumes.

Denis tornou-se, pouco a pouco, uma especie de consultor erudito e amavel para quem na Europa precisasse conhecer a existencia do Brasil, o que ainda hoje bem se carece. Não se sabe si rir ou chorar ante as parvoïces, as perfidias e as ingenuidades das quaes somos alvos, na conversa ou em lettra de fôrma.

Informando, esclarecendo, rectificando, Denis prestou á nossa terra, na terra delle, os mais uteis serviços, tão modestos quão ininterruptos.

Quem desejava saber o que era o maior dos paizes da America do Sul e um dos mais extensos do mundo, bastava penetrar no gabinete do administrador da Bibliotheca de Sancta Genoveva. Saïa sempre servido.

Depararia com um ancião, de olhar moço, affavel, prestimoso. Cercavam-no livros portuguezes e brasileiros. Aqui as Decadas, alli os Lusiadas, acolá a Historia da America Portugueza.

Atraz da cadeira de Denis havia duas imagens immortaes e uma imagem querida: a mascara esculpturalmente dura de Dante, o rosto sombrio do musico de Fidelio e o retrato de Pedro II...

Denis parecia, pois, fadado a permanecer até á morte no cargo de bibliothecario de Sancta Genoveva. Devia ficar, calmo, ao abrigo das sorprezas da injustiça e do máo humor dos governos, á espera do descanço derradeiro.

Tal não aconteceu. Aposentaram-no á fòrça, de subito, talvez para accommodar um afilhado. Que podia receiar um ministro desalmado? Um velho erudito não destempera pelos jornaes.

Aturdido, pobre, edoso, magoado, Denis desamparou seu aposento da Bibliotheca. Refugiou-se em outro, na rua de Tournon 29, no fundo de um pateo. Morada triste, escura, insalubre, sem ar, nociva para o corpo, pesada á alma, turva por duas nevoas, a edade e a morte.

O velho mudado de casa e o passaro subtrahido ao ninho morriam, observou alguem com carradas de razão.

O bom Denis extranhou profundamente o novo domicilio. Os seus livros, os seus papeis, as suas notas, a sua vida, tudo fo atirado em desalinho nessa casa da rua de Tournon, onde os desvelos de uma governante, mme. Auber, e os de uma humilde criada Maria, conseguiram adoçar-lhe os ultimos dias.

Ao lado dellas e do seu amigo intimo Passerat, Ferdinand Denis sentiu os primeiros avisos da morte. A Egreja trouxe-lhe os seus sacramentos e a esperança do tribunal divino, de um juiz unico e de réos innumeros.

No predio da rua de Tournon, apenas illuminado pela luz vinda da rua de Condé, a i de Agosto de 1890, com noventa e dous annos de edade, Ferdinand Denis exhalou o ultimo suspiro.

A 3 de Agosto, ao meio dia. celebraram-lhe as exequias na egreja parochial de Saint Sulpice. O esquife foi levado á necropole do Père Lachaise, onde se acha numa sepultura perpétua. Nella se

guardam tambem os restos mortaes dos membros da familia Vauquelin, amiga e parenta de Denis.

A Bibliotheca de Sancta Genoveva ficou com parte da livraria de Denis. As outras partes della, a correspondencia do erudito, desappareceram escandalosamente num leilão do Hotel Drouot, sem siquer as honras de um catalogo!

Felizmente, a parte da livraria de Denis que coube a Sancta Genoveva foi classificada com carinho pelo actual director da Bibliotheca, o sr. Carlos Kæhler.

Ninguem continúa melhor a tradição de Ferdinand Denis. Ο sr. Kæler conhece a bibliotheca na ponta dos dedos, e desvela-se pelos estudiosos, de coração. E' o mais amavel dos benedictinos leigos.

Vale a pena recordar com elle o tempo de Denis, na grande Bibliotheca de Sancta Genoveva, a casa do espirito desse amigo do Brasil, cujo convite de entêrro traz a menção da gra-cruz da Imperial Ordem da Rosa entre os titulos honorificos do finado.

Amor e fidelidade se lê nas commendas dessa ordem. Accrescentem-se á divisa da nossa antiga condecoração as palavras ao Brasil - e ter-se-ha o programma da vida e do labor de Jean Ferdinand Denis.

A TROIA NEGRA

(Erros e lacunas da Historia de Palmares)

PELO

Dr. Nina Rodrigues

« VorigeDoorgaan »