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DEFEZA DO GOVERNADOR DOS ACORES

D. MIGUEL ANTONIO DE MELLO

Copia de huma carta escripta ao sr. Fernando Barreto da Silva (*)

O COMPILADOR e Edictor do Jornal Inglez, intitulado-Chronica Naval para o anno de 1813-publicou no N.° 29 do dito Jornal huma Relação escrita por um official da guarnição da Fragata de Guerra Britanica-Vestal-comandada pelo Capitão Graham, ua qual dá varias noticias das Ilhas dos Açores, por ter estado na de S. Miguel por algum tempo nos annos de 1808, e 1809. Não me farei cargo de responder a cada buma das muitas inepcias, e falsidades que na dita Relação se encontrão, por ter chegado à minha noticia, que sugeito mais habil do que eu o destina fazer; mas nem por isso omittirei convencer por meio desta Carta, e dos Documentos, à ella juntos, o dito official de insigne e impudente calumniador, pelo que na citada Relação escreveo para descredito do Governador e Capitão General que foi das Ilhas dos Açores D. Miguel Antonio de Mello, e de patentear os motivos pelos quaes diversos Vassalos da Gram Bretanha lhe são contrarios, que todos cedem em muita honra e credito do dito Fidalgo.

A paginas 378 do Jornal acima citado escreveo o dito official o seguinte, fielmente tirado da Lingoa Ingleza para á Portugueza: «O Governador General das Ilhas dos Açores rezidente na-Terceira-era grandemente suspeito aquelle tempo-em 1809-de ser favoravel aos Francezes. Quando as Tropas Francezas occupavão Lisboa se lhe fez avizo, que as suas rendas, que erão consideraveis não tinhão sido pelos Francezes sequestradas. O dito Fidalgo foi por esse mesmo tempo demetido do Emprego que servia.» Não nomeia, he verdade, o dito official o sugeito de quem trata por seu proprio nome: porein como

(*) Resposta ao compilador e editor do jornal ingles intitulado «Chronica Naval para o anno de 1813», sobre o que n'ella publicou em descredito do governador e capitão general que foi das Ilhas dos Açores, Dom Miguel Antonio de Mello, roborada com documentos, e peças justificativas - Suplemento Extraordinario ao Investigador Portuguez em Inglaterra. Londres, outubro de 1814, 8.o 62 pag. (Vol. X).

nenbum Portuguez ignora, que o Governador que elle dolosa, e falsamente procura infamar era na dita Epoca D. Miguel Antonio de Mello, mostrarei com a maior evidencia as calumnias que contem as suas asserçoens, para sua confusão, e para que os Portuguezes conheção claramente a dura perseguição que padecem todos aquelles, que no prezente tempo puguão como devem pela gloria, prosperidade, e decoro da Nação Portugueza, e pelo bom Serviço do Principe Regente Nosso Senhor, que tudo isto procurão Estrangeiros por diversos meios fazer amortecer, ou pelo menos grandemente esfriar nos coraçoens dos Portuguezes, a fim de a salvo praticarem nos Dominios do Principe Regente Nosso Senhor, quantos desatinos lhes apraz, humas vezes lesando inormissimamente a Real Fazenda Portugueza; outras offendendo os Direitos da Independente Soberania do Mesmo Augusto Senhor; outras finalmente os particulares interesses dos Vassalos Portuguezes que o Direito das Gentes, e as Leis Portuguezas solemnemente lhes afianção, dos quaes por tanto cumpre pacificamente gozem: e tudo isto muito contra as intençoens, e vontade de seus respectivos Soberanos, que por bem diverso modo querem, e ordenão, que seus Subditos procedão para com Portuguezes, e maiormente no Territorio Portuguez.

Posso certificar a Vm. sem receio algun de poder vir a ser do contrario convencido, que D. Miguel Antonio de Mello nenhuma noticia teve desde Dezembro de 1807 athe Outubro de 1808 do estado da sua Casa e domesticos interesses, e do que respeitava a situação das coizas Publicas em Portugal, e anteriormente á feliz Restauração do dito Reino, apenas soube o que divulgarão sugeitos, que podendo escapar à tiranica dominação dos Francezes do dito Reino se auzentarão entre os mezes de Dezembro de 1807, e o de Agosto de 1808. He por tanto falso o que escreveo o dito official, e alem disto he a todos notorio, que o General Junot tão somente mandou sequestrar os Bens daquelles Vassalos Portuguezes, que em Novembro de 1807 se retirarão de Portugal para o Brazil, buns em serviço, outros em seguimento do Principe Regente Nosso Senhor, ou depois da dita Epoca se auzentarão do dito Reino para o Brazil, ou para outros Dominios da Coroa Portugueza, ou para Inglaterra. Assim o provão, alem da publica notoriedade do facto, as Instrucçoens de 18 de Dezembro de 1807, publicadas por Ordem do General Junot para a Administração dos rendimentos dos Bens sequestrados, por auzencia do Reino de Portugal, aos Portuguezes que delle sahirão posteriormente a 28 de Novembro de 1807: o Edital de 4 de Fevereiro de 1808, pelo qual o General Junot publicou o Decreto datado em Milão a 23 de Dezembro de 1807 que Buonaparte expedio contra os Portuguezes: e finalmente sabido be, que com a Caza de D. Diogo de Souza actual Governador e Capitão Ge neral da Capitania de S. Pedro, que para o dito destino sabio de Lisboa, poucos dias antes do Principe Regente Nosso Senhor partir para o Brazil, se não entendeo por parte do intruzo Governo Francez. So

mente a impudente malicia do dito official, e de outros homens taes como elle podia affirmar, o que elle afirmou; e somente a elle, e a outros taes como elle podia vir à imaginação, que D. Miguel Antonio de Mello se tornaria affeiçoado aos inimigos da sua Patria, e do Nosso Adorado Soberano, por lhe não terem sido os seus bens mandados sequestrar pelo General Junot. Quando este General veio por Embaixador a Portugal, e rezidio em Lisboa, nunca o vizitou D. Miguel Antonio de Mello, apezar de alguns seus parentes e amigos lhe aconselharem o fizesse por civilidade, como todas as pessoas da qualidade de D. Miguel Antonio de Mello fizerão; e achando-se em 1805 na Villa das Caldas, quando a ella foi o General Junot igualmente se absteve de o vizitar; pois sempre foi por genio, e estudo muito contrario a contrahir familiaridade com Estrangeiros, de cuja probidade não tinha cabal conhecimento. pelo que sempre viveo em Lisboa mui retirado de Sociedades de Estrangeiros, e athe das Cazas, Portuguezas, que Estrangeiros mais frequentavão.

Tenho, quanto me parece, feito ver a Vm. a falsidade da primeira parte da Proposição do referido aflicial, escrita contra D. Miguel Antonio de Mello: Agora passarei a mostrar-lhe ser tambem falso que D. Miguel Antonio de Mello largasse o Governo das Ilbas dos Açores pelos motivos, que o dito official declara. Sabido he, que os Governadores das Colonias Portuguezas são providos por tempo de trez annos nos ditos Governos, e pelo mais que decorrer, alem de trez annos, athe que lhes sejão enviados successores. D. Miguel Antonio de Mello tomou posse do Governo das Ilhas dos Açores em Maio de 1806, e largou-o em Setembro de 1810, e por tanto não foi coiza extraordinaria, nem por modo algum deshonroza para D. Miguel Antonio de Mello dispensalo o Principe Regente Nosso Senhor do dito Governo no tempo em que o fez. Que D. Miguel Antonio de Mello servio o dito Emprego como devia, e muito à satisfação do Nosso Adorado Soberano exuberantissimamente o provão os documentos juntos No. 1o e 2o para D. Miguel Antonio de Mello muito honrozos, e de summo apreço para elle, e seus verdadeiros amigos, dos quaes por hum acazo feliz obtive copia, que entre meus papeis curiozos conservo com gosto, pela amizade que devo e professo ao dito Fidalgo; assim como a tenho dos mais que agora a Vin.ce remetto,e com os quaes folgo muito poder convencer o dito official, e seus parceaes de insignes, e impudentes ca umniadores, e provar convincentemente os motivos porque assim obrão, como passo ja a demonstrar.

Ja acima dice, que D. Miguel Antonio de Mello tomou posse do Governo das Ilhas dos Açores em Maio de 1806. Com Carta de dez do dito mez e anno do Juiz de Fora e da Alfandega da Cidade de Ponta Delgada, forão remettidos à Junta da Administração, e Arrecadação da Real Fazenda das ditas Ilhas buns Autos de tomadia de varios Contrabandos, feita na dita Cidade na noite de 27 para 28 de Fevereiro do

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mesmo anno a João Nesbitt, Medico Inglez rezidente na referida Cidade, os quaes lhe tinhão vindo de Inglaterra em hum Navio denominado-Zephiro-do qual na noite sobredita se tirarão, e clandestinamente conduzião para Terra varios sugeitos em fraude das Leys, e com lezão da Real Fazenda Portugueza. Forão os ditos Autos remettidos por Despacho da Junta de 31 de Maio de 1806 para o juizo contenciozo competente, afim de nelle serem os Reos ouvidos, e a cauza legalmente desembargada. Diligencias varias, e importunas que João Nesbitt entrou a fazer extrajudicialmente para se subtrahir à justa vindicta das Leys, moverão D. Miguel Antonio de Mello a participar o successo, o que por effeito nelle se ficava obrando ao Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Ultramarinos, para prevenir que o Principe Regente Nosso Senhor não fosse illudido por meio de requerimentos ob e subrepticios, que João Nesbitt levasse á Sua Real Prezença; e porque occorrerão circumstancias, que a prudencia e decencia pedião se não escrevessem em huma Carta de Officio, deo D. Miguel Antonio de Mello todas as que entendeo dever dar ao dito Ministro e Secretario de Estado, humas em Carta de officio que levou N.o 25, e data de 8 de Junho de 1806, outras em huma Carta particular acompanhada de documentos attendiveis. Respondeo o Ministro de Estado a ambas as ditas Cartas em Avizo de 21 de Julho do mesmo anno, e na forma seguinte. «O officio No. 21, foi remettido à Meza do Desembargo do Paço, para consultar, e sobre o de No. 25, e a Carta particular de Vossa Senhoria não tenho a dizer-lhe senão que continue Vossa Senhoria a respeito da importante materia de que tratão a servir o Nosso Augusto Soberano, e o estado com a mesma zelosa actividade coin que se tem havido, e ba em todos os outros objectos do Real Serviço, e lembrar-lhe a prezeverança da sua vigilancia em pontos tão essenciaes, e á cerca dos quaes se tem manifestado, maiormente entre nos, a depravação progressiva e lastimoza, e ca immoralidade da epoca actual, à qual o meu dever procurará obestar quanto permittem os meus meios, na forma das Reaes,e Paternaes intençoens do Nosso Augusto Soberano." Em 9 de Julho de 1806 appareceo na Junta da Real Fazenda das Ilhas dos Açores hum requerimento de João Nesbitt pedindo se lhe mandassem entregar as fazendas aprehendidas, allegando terem vindo de Inglaterra para uzo da sua famillia, requerimento no qual a Junta proferio no dito dia, mez, e anno o despacho do theor seguiute-Não ba que defferir. Angra, 9 de Julho de 1806 Assim consta a fl 141, do Livro 2. do Registo dos Despachos da Junta, e he para saber e notar que João Nesbitt tinha allegado antes ao Governador e Capitão General, e tambem o fez no processo contra elle e seus Co-Reos ordenado, mas sem o provar, que as fazendas aprehendid as the tinhão sido mandadas de Inglaterra, para elle as enviar para a Ilha da Madeira, no cazo de não serem na de S. Miguel admittidas a despacho legal; o que todavia em N.o 64-Vol. XI-1891.

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couza alguma podia aproveitar aos Reos para os relevar do commisso assim por que para as ditas Fazendas se conservarem abordo do navio que as conduzio, se não tinha pedido em termos, e tempo legal Franquia, como porque clandestiname nte de bordo do navio se tinhão tirado, e fóra delle forão aprehendidas. Pelos documentos juntos No. 3 a 7 se mostrão as diligencias que João Nesbitt continuou a fazer em 1808 para os mesmos effeitos, e como o Governador e Capitão General D. Miguel Antonio de Mello a respeito dellas se houve, o que tu do torna muito provavel ter sido Joac Nesbitt, os seus Co-Reos, ou seus parceaes os que informarão o dito official da Fragata-Vestal-acerca do caracter e procedimentos de D. Miguel Antonio de Mello por modo que elle temeraria, imprudente, falsa, e impudentemente se rezolvesse, como rezolveo, a falar da sua pessoa, como falou na relação que fez imprimir, e vou refutando.

As Ilhas da Madeira e Porto-Santo forão pouco tempo depuis do Principe Regente Nosso Senhor com a Real Familia partir da Europa para a America occupadas pelos Inglezes, como he notorio. Este successo sentio muito D. Miguel Antonio de Mello e lhe deu muito que cuidar. Apenas porem delle teve noticia entendeo ser da sua obrigação obrar o que provão os Documentos juntos No. 8., 9., e 10o, e tendo recebido do Governador e Capitão General das ditas Ilhas Pedro Fagundes Bacellar a Carta No 11., a ella respondeo como mostra o Documento No. 12. Obrou D. Miguel Antonio de Mello, como os citados Documentos juntos provão, para por huma parte conservar illezos o docoro e a Independente Soberania do Principe Regente Nosso Senhor nos seus Estados, e por outra dar à Nação Britanica provas, de quem alheio estava de a considerar inimiga da Portugueza, não obstante ter feito occupar, e achar-se por aquelle tempo Senhoreando as Ilhas da Madeira e Porto-Santo. Do que então praticou D. Miguel Antonio de Mello poderião sujeitos como o dito official deduzir o que elle escreveo, mas não por certo os prudentes, rectos, e cordatos.

Pelos Documentos juntos No. 13 a 19 se provão as pertençoens em que entrou o Vice-Consul Britanico Diogo Alton, para o fim de ser expulso das Ilhas dos Açores hum sugeito, que elle reputava, ou fingio reputar Vassalo da Monarquia Hespanhola, e os motivos que para isso tomou, sendo os verdadeiros estar desa vindo de muito tempo antes Diogo Alton com o dito sugeito, por causas, que nada tinbão com a Publica das Naçoens Portugueza e Ingleza. Os mesmos Documentos provão, porque maneira procedeo no negocio D. Miguel Antonio de Mello, e para fazer que Diogo Alton não excedesse em couza alguma os limites, dentro dos quaes se devia conter. Dos ditos Documentos nephum sugeito prudente e recto deduzirá por certo, couza que não ceda e muito em honra e credito de D. Miguel Antonio de Mello, e em abono do zelo e vigilancia com que accudia como convinha ao bom Serviço do Principe Regente Nosso Senhor, e decóro da Nação Portugue

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