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o que mui satisfeito ficou o rei queixoso D. Affonso. (Vid. Fr. Antonio Brandão).

Mas o principe Affonso (que desta arte
Se chamava, do avô tomando o nome)
Vendo-se em suas terras não ter parte;
Que a mãi com seu marido as manda e come,
Fervendo-lhe no peito o duro Marte,
Imagina comsigo como as tome:
Revolvidas as causas no conceito,
Ao proposito firme segue o effeito.

De Guimarães o campo se tingia
Co'o sangue proprio da intestina guerra,
Onde a mãi, que tão pouco o parecia,
A seu filho negava o amor, e a terra,
Com elle posta em campo já se via,
E não vê a soberba o muito, que erra
Contra Deos, contra o maternal amor;
Mas nella o sensual era maior.

Oh Progne crúa! Oh magica Medea!
Se em vossos proprios filhos vos vingais,
Da maldade dos pais, da culpa alheia;
Olhai, que inda Thereza pecca mais,
Incontinencia má, cubiça feia,
São as causas deste erro principaes;
Scylla por uma matta o velho pai,
Esta por ambas contra o filho vai.

Mas já o principe claro o vencimento
Do padrasto e da iniqua mãi levava:
Já lhe obedece a terra n'um momento,
Que primeiro contra elle pelejava;
Porém, vencido da ira o entendimento,
A mãi em ferros asperos atava;

Mas de Deos foi vingada em tempo breve:
Tanta veneração aos pais se deve!

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Eis se ajunta o soberbo Castelhano,
Para vingar a injuria de Thereza,
Contra o tão raro e ingente Luzitano,
A quem nenhum trabalho aggrava ou pesa,
Em batalha cruel o peito humano,
Ajudado da angelica defeza,

Não só contra tal furia se sustenta,
Mas o inimigo asperrimo afugenta.

Não passa muito tempo, quando o forte
Principe em Guimarães está cercado,
De infinito poder; que desta sorte
Foi refazer-se o imigo magoado:
Mas com se offerecer á dura morte
O fiel Egas amo, foi livrado
Que de outra arte pudera ser perdido
Segundo estava mal apercebido.

Mas o leal vassallo, conhecendo
Que seu senhor não tinha resistencia,
Se vai ao Castelhano, promettendo
Que elle faria dar-lhe obediencia :
Levanta o inimigo o cerco horrendo,
Fiado na promessa, e consciencia
De Egas Muniz; mas não consente o peito
Do moço illustre a outreni ser sujeito.

Chegado tinha o prazo promettido,
Em que o rei Castelhano já aguardava,
Que o principe a seu mando submettido
Lhe désse a obediencia, que esperava :
Vendo Egas, que ficava fementido,
O que delle Castella não cuidava,
Determina de dar a doce vida,
A troco da palavra mal cumprida..

E com seus filhos, e mulher se parte
A levantar com elles a fiança,
Descalços, e despidos, de tal arte,

Que mais move a piedade, que a vingança,
Se pretendes, rei alto, de vingar-te
De minha temeraria confiauça,
Dizia, eis-aqui venho offerecido

Até pagar co'a vida o promettido.

(Camões).

Giraldes sem Pavor ou a tomada de Evora.

Eis a nobre cidade, certo assento
Do rebelde sertorio antigamente.
Onde ora as aguas nitidas de argento
Vêm sustentar de longo a terra, e a gente
Pelos arcos reaes, que cento e cento
Nos ares se alevantam nobremente,
Obedeceo por meio e ousadia
De Giraldo, que mêdos não temia.

Camões.

Giraldes sem Pavor, affirma o mestre André de Rezende, foi nobre cavalheiro em tempo de El-Rei D. Affonso Henrique, e por seus desregramentos, cahio no desagrado de Affonso, e se retirou para o Alemtejo, e se alistou no serviço de Ismor, rei infiel, que o occupou em chefe de ladrões. Este officio, como diz um compilador, inteiramente degradante, não podia convir por longo tempo á um homem, que na sua mocidade tinha possuido os sentimentos de honra. Giraldes, desejava entrar debaixo das leis do seu legitimo soberano; mas conhecia, que para obter o seu perdão necessitava fazer um importante serviço: a occasião se lhe apresentou e elle a não desprezou.

Evora se achava em poder dos infieis, e Giraldes começou por ajuntar-se com os seus companheiros, á fim do largarem tal meio de vida, e entrarem no caminho de honra, e obedecerem ao legitimo rei. Perto da cidade, estava uma antiga torre, que servia para a vigia dos Mouros, e onde permanecia um, com sua filha, a fim de observarem as correrias dos christãos. Giraldes fez esconder na visinhança um certo numero de seus companheiros, os quaes deviam rapidamente unir-se a um signal convencionado. Logo que escureceo, elle se encaminhou para a torre, envolto em folhas para não ser percebido, e foi cravando ferros na parede da torre, por onde mansamente foi subindo, até que ganhou a janella. O Mouro naquella noite, tinha encarregado a filha da vigia mas, descuidada, foi surprehendida pelo somno.

Giraldes dentro da torre, deita a moça pela janella; vai ao Mouro que dormia, córta-lhe a cabeça e apodera-se das chaves. Descendo e encontrando a Moura ainda viva, corta-lhe tambem a cabeça, e apparece no meio dos seus companheiros, com as cabeças das victimas na mão. Vendo que os seus estavam satisfeitos com semelhante evento, lhes communicou os seus projectos, e os levou para a torre. Accendeo fogo, segundo costume das sentinellas mouriscas; e a direcção que se lhe deo em o mais alto da torre foi a que servia para indicar o lado em que os christãos acommettiam. Giraldes, dirigindo-se logo o Espinchuro, para onde mandou alguns camaradas, com ordem de não poupar a ninguem, viram-se logo a braços com os Mouros que sahiram da cidade, e certos do pequeno numero de christãos, os perseguiram em grande copia. Giraldes apenas vio que os Mouros tinham sahido, penetrou por um lado da praça, e degola as guardas e leva a perturbação e o terror á toda a cidade de Evora, por

TOM. I.

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senão saber o numero de inimigos, que tão ousadamente promove a destruição.

Os Mouros, que partiram pela parte do Espinchuro, certos deste successo, voltam á soccorrer os seus, acham as portas tomadas e guardadas pelos christãos; e aquelles que os attrahiram á planice executando fielmente as ordens de Giraldes, os attacam pela retaguarda e os dispersa : Desesperados os Mouros, e por todos os lados combatidos, abandonam a cidade aos vencedores. Restabelecido o socego, Giraldes permittio aos Mouros, que sobreviveram á caruagem, de ficar debaixo de certas condições na cidade, ou de se retirarem.

Informando logo depois a Affonso I o serviço que acabava de fazer, obteve o perdão para si,e para seus companheiros, e Affonso para bem justificar o merito dos seus serviços, entregou-lhe o governo e guarda da cidade de Evora, até que morreo. Desde o instante em que Giraldes julgou deixar a vida incurta e má, até que expirou, ninguem foi mais fiel e honrado que elle.

(Ext. da Chr. de D. Galvão).

D. Fuas Roupinho, 1.° almirante Portuguez.

Vês este, que sabindo da cilada,

Dá sobre o rei, que cerca a villa forte,

Lá o rei tem preso, e a villa descercada
Illustre feito digno de Mavorte!

Vêl-o cá vai pintando nesta armada,
No mar tambein aos Mouros dando a morte,
Tomando-lhe as galés, levando a gloria

Da primeira maritima victoria (1).

(1) Depois da victoria que D. Fuas, obteve do mouro Gomi, dirigio-se a Coimbra onde estava El-Réi, sabendo que andavam galés de Mouros pela costa fazendo damno, e indo por mandado do rei sobre ellas as tomou todas em 16 de Junho.

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