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TERCEIRA ÉPOCA
ЁРОСА

(SECULO XVIII)

O ESPIRITO CRITICO DO ENCYCLOPEDISMO E O MOVIMENTO NEGATIVO TEMPORAL DA REVOLUÇÃO

CAPITULO I

A crise politica e pedagogica do seculo XVIII

A Revolução occidental, que no seculo xvII fôra essencialmente intellectual, toma no seculo xviii o caracter social e politico. Decomposição systematica do regimen catholico-feudal pela livre critica e pelas iniciativas governamentaes. Relação intima entre a crise pedagogica e a crise politica.—A actividade intellectual, provocada pelas syntheses baconiana e cartesiana, exercese no seculo XVIII no desenvolvimento das Sciencias especiaes e na dispersão critica. Elaboração scientifica do seculo excepcional e tendencia objectiva dos espiritos erradamente denominada Materialismo.-A creação de uma Encyclopedia é motivada pela necessidade de uma coordenação, embora empirica, do saber disperso.-Na decomposição do regimen catholicofeudal os Litteratos, já como ideologos, advogados e jornalistas, exercem uma missão negativa, precipitando a explosão da crise temporal.-No trabalho espontaneo de recomposição, os Litteratos suggerem muitas idéas originaes para a renovação da Pedagogia moderna.-A influencia de Rousseau, de Diderot, de Condorcet.-No seculo XVIII secularisa-se a instrucção publica e imprime-se-lhe um caracter nacional.—Na phase organica da Revolução franceza as Sciencias dispersas, desenvolvidas pelo espirito de especialidade academica, coordenam-se sob o intuito das applicações no novo typo das Polytechnicas.-Persistencia d'este typo pedagogico na instrucção publica europea.-Pela queda da Companhia de Jesus os governos têm de prover á reorganisação da Instrucção publica, preponderando o caracter nacional.As Universidades continuam fechadas ao espirito critico do seculo e como instituição autonoma.-Como nas Academias se elaboram as novas Sciencias experimentaes, tambem os Philosophos e Litteratos discutem os phenomenos sociaes.-Influencia de Hobbes em Rousseau.-Relações mentaes da Inglaterra com a França no começo do seculo excepcional.-Os Economistas estudam os phenomenos sociaes objectivamente emquanto á cooperação: Quesnay, Turgot, Adam Smith, Condorcet.-As idéas francezas caracterisadas HIST. UN.-Tom. III. 1

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como materialistas (objectivas) e revolucionarias (criticas) generalisam o espirito de transformação mental e social na Europa do seculo xvII.-Reconhecimento da necessidade de uma reforma pedagogica em Portugal sob D. João v.-Tentativa de traducção do Novum Organum de Bacon por Jacob de Castro Sarmento, contraminada pelo jesuita Carbone.-A Academia de Historia liberta os seus membros da censura prévia para a publicidade. -Iniciativa de Portugal na suppressão da Companhia de Jesus em 1759, e portanto na renovação pedagogica do seculo XVIII.-A Academia das Sciencias põe em 1779 Portugal em contacto com a grande corrente scientifica e philosophica.-Reacção religiosa e policial sob o reinado de D. Maria I contra as idéas francezas.-Perseguições contra os homens de sciencia; alguns fogem de Portugal. Os desvarios dos dictadores metaphysicos da Revolução desacreditam a explosão temporal em toda a Europa.-As novas fundações pedagogicas do fim do seculo XVIII só se implantam em Portugal no começo do regimen parlamentar.

A transformação mental e social da Europa moderna apparece no seu periodo mais activo e intenso no seculo XVIII, começando no negativismo critico dos sabios especialistas, dos ideologos e litteratos até determinar a crise violenta da explorão temporal conhecida pelo nome de Revolução franceza. Um prurido de renovação e de audacia intellectual agitava todos os espiritos, a ponto de reis philosophos serem revolucionarios nos thronos, e dos ministros emprehenderem por iniciativa governamental as profundas reformas sociaes. Era a forte corrente da Revolução occidental que vem do seculo XII, que já observámos na sua apparição e phase espontanea na fundação das Universidades e dictadura monarchica, e que seguimos no seu periodo systematico no seculo XVI, na renovação dos Humanistas e reacção dos Jesuitas; no seculo XVII com as novas syntheses philosophicas, luctas contra o Protestantismo, creação das sciencias cosmologicas e da industria moderna; e que no seculo XVIII se complica pela livre critica actuando immediatamente na decomposição do regimen catholico-feudal. A grande crise manifesta-se em França, mas é essencialmente europêa; localisada, nunca poderá ser bem comprehendida, e a phrase idéas francezas, com que se designavam o espirito materialista dos philosophos e o impulso revolucionario dos politicos, só pode admittir-se emquanto á fórma da propaganda pelo influxo da brilhante sociabilidade franceza, que no seculo excepcional offuscou em todos os paizes o perstigio da côrte franceza, que era geralmente imitada. N'este periodo systematico da decomposição do regimen catholico-feudal o seculo XVIII não apresenta aquella poderosa evocação do passado grecoromano que fizeram os Humanistas no seculo XVI, nem elabora as vas

tas syntheses philosophicas e creações scientificas do seculo XVII, mas é-lhes superior como excepcional, pelas consequencias do seu audacioso negativismo. Escrevia Guizot, que teve uma alta capacidade historica illuminada pela penetração das leis sociologicas, que se tivesse de fazer uma escolha entre os seculos da historia, daria as suas conclusões a favor do seculo XVIII. E ao terminar o seu curso historico da Civilisação na Europa, caracterisa-o como apresentando o desapparecimento do governo, e manifestação do espirito humano como o principal e quasi unico actor:

«A actividade, a ambição, passaram do governo para o paiz. É o paiz que pela sua opinião, pelo seu movimento intellectual, intervem em tudo, mistura-se a tudo, possuindo elle só a auctoridade moral, que é a verdadeira auctoridade.

«O segundo caracter que me impressiona no estado do espirito humano no seculo XVIII é a universalidade do livre-exame. Até então, e particularmente no seculo XVI, o livre-exame era exercido em um campo limitado; tinha tido por objecto umas vezes as questões religiosas, ás vezes as questões religiosas e politicas simultaneamente; mas as suas pretenções não se estendiam a tudo. No seculo XVIII, pelo contrario, o caracter do livre-exame é a universalidade; a religião, a politica, a pura philosophia, o homem e a sociedade, a natureza moral e material, tudo se torna ao mesmo tempo assumpto de estudo, de duvida, de systema; as antigas sciencias são demolidas e sciencias novas são architectadas. É um movimento que se expande em todos os sentidos, embora emanado de um mesmo e unico impulso.

Este movimento apresenta o caracter singular, que porventura não se encontrou uma segunda vez na historia do mundo: é o de ser puramente especulativo. Até ali, em todas as grandes revoluções humanas, a acção misturava-se promptamente com a especulação. Assim, no seculo XVI, a revolução religiosa começara pelas idéas, pelas discussões puramente intellectuaes, mas rapidamente passou ao dominio dos factos. Os chefes dos partidos intellectuaes bem promptamente se tornaram chefes politicos; as realidades da vida envolviam-se com as realidades da intelligencia. Assim aconteceu tambem no seculo XVII, na revolução de Inglaterra. Em França, no seculo XVIII, vêdes o espirito humano exercer-se sobre todas as cousas, sobre as idéas, que, ligandose aos interesses da vida, deviam ter sobre os factos a mais prompta e a mais poderosa influencia. E comtudo os agitadores, os actores d'estes grandes debates, observando como especuladores puros, julgam e fallam sem nunca intervir nos acontecimentos. Em nenhuma época o

governo dos factos, das realidades exteriores, não foi tão completamente distincto do governo dos espiritos. A separação da ordem espiritual e da ordem temporal não foi realisada na Europa senão no seculo XVIII. Pela primeira vez, porventura, a ordem espiritual desenvolveu-se inteiramente á parte da ordem temporal. Facto gravissimo, e que exerceu uma prodigiosa influencia no curso dos acontecimentos. Deu ás idéas do tempo um singular caracter de ambição e de inexperiencia; nunca a philosophia aspirou tanto a reger o mundo, e nunca lhe foi mais extranha. Teve-se um dia de vir aos factos; foi preciso que o movimento intellectual passasse para os acontecimentos exteriores; e como tinham sido totalmente separados, o encontro foi mais difficil e o choque muito mais violento.

«Como admirar-nos agora de um outro caracter do espirito humano n'esta época, refiro-me à sua prodigiosa audacia? Até ali a sua grande actividade tinha sido sempre contida por certas barreiras; o homem havia vivido no meio dos factos, dos quaes alguns lhe inspiravam consideração, reprimindo até um certo ponto o seu movimento. No seculo XVIII em verdade ver-me-ia embaraçado para dizer quaes eram os factos exteriores que respeitava o espirito humano e que exerciam sobre elle algum imperio; elle tinha por todo o estado social o odio ou o desprezo. Concluiu que fôra chamado a reformar todas as cousas, chegando a considerar-se como uma especie de creador: instituições, opiniões, costumes, a sociedade, e até o proprio homem, tudo pareceu que devia ser feito de novo, e a rasão humana se encarregou da empreza. Nunca uma audacia egual lhe tinha entrado no pensamento.> 1

Esta audacia provinha da falta de comprehensão da continuidade historica; o seculo XVIII n'este processo de decomposição seguira a mesma negação da Egreja, quando, lançando os seus alicerces na sociedade da Edade media, renegou o passado greco-romano. A Renascença quiz restaurar esta civilisação hellenista á custa do desprezo da Edade media barbara; e o seculo XVIII, considerando a solidariedade historica como uma servidão similhante á das instituições absolutas que combatia, renegou do Catholicismo e da Edade media, e da Civilisação greco-romana e de toda a antiguidade. D'aqui a completa desorientação, porque sendo a historia o campo de observação dos factos sociaes, abandonal-a era entregar á phantasia todas as resoluções de qualquer problema social. N'esta anarchia do espirito o seculo XVIII

1 Histoire générale de la Civilisation en Europe, leçon xiv.ème.

caminhou generosamente e com alegria, mesmo no meio dos seus maiores desastres; tendo soffrido a grande crise que precipitara, e legandonos o terrivel problema a resolver, é ainda assim o seculo da nossa franca sympathia.

Este exercicio do livre pensamento no seculo XVIII encontrava tambem uma certa tolerancia da parte da Egreja e da auctoridade temporal. Ha uma rasão essencial para este facto; contra a Reforma do seculo XVI organisara o jesuitismo a resistencia tenaz, mas achando-se impotente perante a manifestação do espirito scientifico do seculo XVII, e da existencia industrial, para restabelecer a preponderancia do regimen theologico, a Companhia lançou-se na intriga e na transigencia hypocrita com aquelles a quem não interessava a emancipação popular. Comte esboçou nitidamente esta phase preparadora do livre-exame do seculo XVIII:

«O successo d'esta opposição assentou sobre uma vasta hypocrisia, segundo a qual todos os espiritos emancipados, então concentrados nas classes cultivadas, deviam secundar os esforços dos Jesuitas contra a emancipação popular, em nome do seu commum dominio. Mediante uma tal participação os livres-pensadores eram plenamente tolerados, e a sua propria conducta ficava secretamente entregue aos seus impulsos pessoaes, por falta de convicções publicas que só a podiam regular.»

Por esta via, a influencia que fôra exercida pela côrte de Luiz XIV em toda a Europa foi substituida pela da sociedade franceza com o perstigio da sua independencia intellectual. Diante das desgraças dos ultimos annos do reinado de Luiz XIV e da apathia do reinado de Luiz Xv a nação destacava-se como um organismo independente, vivendo por si, pelo espirito, pela livre-critica, pelo imperio moral das suas doutrinas, pelo encanto da sua amavel sociabilidade, que visava á suprema condição―agradar.a Para conseguir o dom de agradar era preciso uma certa frivolidade nas idéas, uma indispensavel frieza nas paixões, desde o enthuziasmo e a indignação até ao amor, emfim mesmo para ser verdadeiramente um heroe convinha acima de tudo ter maneiras. La manière supplée à tout, escrevia o sieur de Chavigni, aconselhando os personagens aulicos e os da toga e da espada. Foi esta superior insensibilidade mesma, diante da morte, e indifferente ás mon

1 Système de Politique positive, t. I, p. 555.

2 Saint-Ogan, Essai sur l'influence française, p. 178.

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