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struosidades do Terror, que fez com que mais se prolongasse o delirio canibal robespierrista. A lingua franceza era o idioma do fino trato, e Paris exercia no seculo XVIII a hegemonia na Europa; fallava-se francez nas côrtes de Vienna, de Berlin, de S. Petersburgo e de Varsovia, como o ouvira Caraccioli. Quando Filippe v veiu assentar-se no throno da Hespanha, Luiz XIV recommendou-lhe diante do embaixador hespanhol: Não vos esqueçaes que sois principe francez.» O neto do velho monarcha exagerou o conselho, a ponto de ter Luiz XIV de escrever-lhe: «O rei Filippe afasta do seu serviço os hespanhoes por causa da preferencia exageradamente manifesta pelos francezes. Dirse-ia que os seus subditos lhe são insupportaveis... Se estima pouco os hespanhoes, forçoso é que o occulte cuidadosamente... A sua amisade á França deve inspirar-se no desejo de que vivam na mais estreita união hespanhoes e francezes.» Assim recommendava nas Instrucções ao Cardeal d'Estrées, embaixador em Hespanha. Filippe v, o discipulo de Fénelon, procurava reproduzir os esplendores da côrte de Versailles, e na corrente das idéas que irradiavam da França foram creadas a Academia hespanhola e a Academia de Historia.

Rivarol caracterisou esta duplicidade da influencia nas côrtes e nos espiritos: as modas acompanham os nossos melhores livros para o estrangeiro, porque em toda a parte se procura ser rasoavel e frivolo como em França.» Ao passo que os embaixadores portuguezes em Paris mandavam para Portugal as bonecas representando as modas mais recentes, tambem se fundava entre nós a Academia real de Historia portugueza, por decreto de 8 de dezembro de 1720, á imitação da Academia franceza, e nascida por iniciativa particular do conde da Ericeira com «emulação dos Scientes de França».1 A Academia real de Historia portugueza era uma provocação á actividade mental, porque pelo decreto de 29 de abril de 1722 isentavam-se da Censura prévia do Santo Officio e Ordinario e das Licenças do Desembargo do Paço as obras escriptas pelos membros d'aquella corporação! Tal era o poder das idéas, que vencia a apathia cerebral sustentada pelas fogueiras da Inquisição e pelo regimen pedagogico dos Jesuitas. O mesmo conde da Ericeira tambem promovia junto de D. João v a resolução official de mandar-se traduzir o Novum Organum de Bacon, como meio de operar uma renovação do criterio na intelligencia portugueza.

Importa definir estas duas correntes, entre as quaes se acharam

1 Oração panegyrica do quarto Conde da Ericeira, p. 8.

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os Jesuitas mantendo o seu predominio pelo systema de calculada hypocrisia, lisongeando e cultivando os vicios da dynastia. Ao passo que D. João v na lei da pragmatica se queixava do excesso da imitação das modas francezas, todo o seu reinado se caracterisa em uma palavra-gastar. Era faustoso por desvairamento. Não existia parlamento ou côrtes, os ministros eram os favoritos da aristocracia ou do alto clero, e estupidos como o cardeal Cunha. A receita do estado era cobrada por alcavalas, por monopolios reaes, pelo confisco dos bens dos sentenciados do Santo Officio ou de crimes de lesa-magestade. Tudo pertencia ao real bolsinho. A aristocracia devassa achava-se arruinada pelo jogo e pelas festas opulentas; os altos cargos do estado no reino e conquistas, embaixadas, commandos e governos eram privilegio dos primogenitos da nobreza; em paga o rei requestava-lhe as filhas com romanescas promessas de casamento, e organisava a instituição dispendiosissima da Patriarchal de Lisboa «por effeito da qual passaram milhões para Roma» 1 com o intuito tambem paternal apara accommodação dos filhos segundos das casas dos grandes.» Os actos mais insignificantes da vida do monarcha estão ligados a monumentos que custaram o esgotamento das forças vivas da nação: Mafra, esse acervo de casernas, mixto de hospital gigantesco e de vaidade pharaonica, pois que se agarrava á força o povo para erigir essa obra, foi construido para cumprir um voto por causa da successão ao throno. Na hypothese de lhe sobreviver sua esposa, por isso que o monarcha se dispendia no serralho do convento de Odivellas, mandou construir o palacio e convento das Necessidades, «destinado, segundo ouvi dizer, para residencia da rainha quando enviuvasse; e o convento para os padres de S. Filippe Neri, que deveriam ser seus capellães».3 Adiante veremos como os Padres do Oratorio se acharam favorecidos no paço, máo grado a influencia dos Jesuitas. O palacio das Vendas Novas foi mandado construir para servir n'uma só noite, na passagem dos Infantes que se acabavam de desposar, e precisavam pernoitar ali. Até os proprios Arcades de Roma receberam um palacio mandado construir por D. João v para as suas sessões poeticas. Tambem á Universidade de Coimbra chegou a munificencia regia, mandando construir o sumptuoso edificio da sua Bibliotheca, começado em 10 de abril de 1712 e terminado em 1728, e no qual se dispendeu a quantia de 66:622$129 réis, além de

1 Ratton, Recordações, p. 178.

2 Ibidem, p. 179.

3 Ibid., p. 176.

14:385 000 réis empregados na compra de livros. 1 Escreve o Doutor Florencio na Memoria que seguimos:

«O reinado de D. João v foi magnanimo e famoso para a Universidade de Coimbra por esta obra, e por outras mais posto que de menos vulto.

«N'esse reinado fez-se a Torre da Universidade, obra que, principiada em 17 de abril de 1728, findara em 1733, importar do em rs. 14:5435522; e o risco foi feito em Lisboa e custou 485000 rs.

No mesmo reinado fez-se o Orgão da Capella, o qual, começado em março de 1732, e concluido em julho de 1733, importou em reis 3:1315000. A pintura da caixa foi, por escriptura do 1.o de julho de 1737, justa por 2155000 reis com o mestre pintor Gabriel Ferreira, residente em Coimbra.» 2

Na imitação das sumptuosidades do Rei-sol, D. João v era de uma grandiosidade exterior; a sciencia mantinha-se na estabilidade official e transmittia-se pela generosidade régia dos Perdões do Acto.

O luxo do monarcha lançou a aristocracia na miseria, a que segundo as idéas do tempo teve de se acudir com uma lei sumptuaria, a pragmatica de 1748; a nobreza, em frente do crescente desenvolvimento da industria moderna, voltava-se para o seu typo tradicional, presentido e esboçado pelos poetas dramaticos nacionaes-o fidalgo pobre. Mascarava a sua indigencia com os valentes volumes de genealogias e costados, synthetisada com orgulho ante a burguezia rica no anexim: Ou gente, ou fazenda.»

A influencia da côrte franceza começara em Portugal no seculo XVII, quando na lucta da politica de Luiz XIV contra a Casa de Austria, em Hespanha, Richelieu provocara a rebellião aristocratica de 1640, em Portugal, semelhante á revolução de Inglaterra de 1688, que deu o throno a Guilherme III. Pelo casamento de D. Affonso VI e de seu irmão D. Pedro II com Isabel de Saboya introduziram-se os usos da côrte franceza, como os Ballets, estendendo-se esta influencia a toda a peninsula quando veiu a prevalecer em Hespanha a Casa de Bourbon.

1 Dr. Florencio, Memoria historica e descriptiva ácerca da Bibliotheca da Universidade de Coimbra, p. 9. D'ahi transcrevemos a provisão regia de 31 de outubro de 1716: «Concedo licença para no pateo d'esta Universidade se fazer uma casa para a Livraria no sitio onde seja mais util e de menos despeza; e approvo a compra que a Universidade fez da Livraria que foi de Francisco Barreto pelo preço de quatorze mil cruzados.» (Livro dos Registos das Leis, iv, fl. 183.) 2 Op. cit., p. 37.

D. Affonso VI, sob a acção do grande ministro o conde de Castello Melhor, não obedeceu cegamente á absorpção dos Jesuitas, que dominavam na côrte franceza; d'ahi a fórma escandalosa como foi apeado do throno para ser substituido por seu irmão, que reconhecia esse extraordinario poder. Escreve o auctor do estudo sobre A Universidade, o Clero e os Jesuitas em França: «Nós lemos na primeira edade da sua existencia grandes cousas desempenhadas por elles; mas desde que a politica os chamou para as suas regiões profanas, a apparição do Jesuita em uma côrte torna-se um symptoma mortal. Por toda a parte onde acaba uma dynastia em uma degradação imbecil, ha sempre um Jesuita para a acompanhar docemente á cova; assim se viu na Hespanha e nos Paizes Baixos sob os ultimos reis austriacos; na Austria sob os ultimos soberanos da Casa de Hapsburg. Por toda a parte onde nm governo desvairado quer affrontar a sua época e abalar o edificio politico, em risco de ficar sob as suas ruinas, ha sempre ao pé um Jesuita para animal-o fatalmente á queda: são prova os ultimos momentos de Luiz XIV, de Jacques II e de Carlos x.»1 O eminente historiador João Muller, fallando de Portugal no seculo XVIII, e conhecendo a intriga das chancellarias, attribue a deposição de D. Affonso VI aos Jesuitas: «Arrebatado pelo seu caracter vivo e impetuoso, revelou, desde que subiu ao throno, que não estava disposto a deixar-se governar pelos Jesuitas, e attrahiu sobre si a sua animadversão. Impacientes de recobrarem a auctoridade de que tinham gosado no reinado precedente, empregaram todos os meios para perderem D. Affonso; apoderaramse para este effeito do espirito da rainha Maria de Saboya Nemours; indispuzeram o rei com seu irmão D. Pedro, e arrebataram-lhe successivamente os seus mais fieis servidores.»2 Comprehende-se a luz que encerram estas palavras de um historiador de largo bom senso. Tendo o infante D. Pedro tirado a mulher ao irmão, seguia se logicamente o throno. Muller accrescenta: «Foi assim que os Jesuitas se serviram das paixões dos seus partidarios para punir a imprudencia do seu inimigo. A intriga escandalosa e o processo obsceno da nullidade do matrimonio fez-se segundo esse vasto systema de hypocrisia jesuitica, a que já alludimos, e D. Pedro 11, uma vez assentado no throno portuguez, ficou chancellando o governo do jesuita padre Cunha. No reinado de D. João v os Jesuitas eram tambem ministros de estado, e

1 Revue britanique, 1845, 11, p. 640.
2 Histoire universelle, t. 1, p. 221.

confessores, occupados em distrahir o rei na sensualidade molinosista dos conventos de freiras, e em absolvel-o d'essas venialidades; entretinham-no com as extraordinarias e dispendiosas festas da canonisação dos beatos Estanislao Koska, Luiz de Gonzaga, João Francisco Regis, de Toribio Merovejo, de Peregrino, de Vicente de Padua, de Camillo de Lellis. Os Jesuitas como pedagogos litterarios aproveitavam a tendencia litteraria de D. João V, e querendo ir de encontro á corrente scientifica do seculo, fizeram com que o rei mandasse vir da Italia os dois jesuitas padre Domingos Cappace e padre João Baptista Carbone para fundarem em Portugal o ensino da Mathematica. O padre Carbone teve a habilidade de tornar-se o mentor politico do monarcha, ou, como dizem os escriptos do tempo: «aproveitando-se do grande talento d'este ultimo para o expediente dos varios negocios da monarchia. Foi este padre Carbone que embaraçou as tentativas de introducção do espirito moderno inauguradas pela traducção do Novum Organum de Bacon. Apesar de estar junto de D. João v desde 1722 até 1750 o intrigante padre Carbone, ainda assim a situação dos Jesuitas não era desannuviada na côrte portugueza por causa das relações com a Casa de Austria, estabelecidas pelo casamento de D. João v, em 1708, com D. Maria Anna de Austria, filha do imperador Leopoldo 1. A Casa de Austria conhecia que a sua queda em Hespanha e a preponderancia da França eram obra dos Jesuitas, que não se conformavam com os seus planos dynasticos de monarchia universal. Depois da morte do infante D. Duarte a Casa de Austria mudou de pensamento com relação a Portugal, e pela victoria de Berwick sentiu a necessidade de fortalecer a dynastia de Bragança por um casamento. Os Jesuitas con

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1 Na Gazeta official de 23 de abril de 1750 lê-se o seguinte ácerca do jesuita ministro de D. João v: «Falleceu a 5 d'este mez no Collegio de Santo Antão d'esta côrte, do qual era reitor, com onze dias de uma doença maligna, 55 annos e 6 mezes de edade, e 41 de religião, o M. R. P. João Baptista Carbone, natural de Orsa, no reino de Napoles, d'onde veiu a Portugal para passar ás missões do Maranhão: e reconhecendo o Rei Nosso Senhor o seu grande talento e capacidade, lhe ordenou que ficasse no seu real serviço, no qual se empregou 28 annos, fiando Sua Magestade d'elle os negocios de maior importancia no reino, a que deu expedição com incansavel disvello e fidelidade, desinteresse, zelo do bem publico e caridade com os pobres.» Nas suas cartas, em parte impressas no Compendio historico, queixa-se Jacob de Castro Sarmento a Antonio Nunes Ribeiro Sanches de ter tido muitos annos relações com o padre Carbone, que sempre perfidamente lhe contraminou todas as tentativas de reformas do ensino pu lico em Portugal.

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