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de Santilhana, citada por Sarmiento, consta ter sido um dos melhores poetas do seculo XIV, e de quem se conservavam poesias manuscriptas em um Cancioneiro que pertencia a D. Maria de Cisneiros, avó do dito Marquez, as quaes não chegaram ao nosso tempo. Um fragmento d'estas poesias nos persuadimos que o leitor póde ver nos dois sonetos escriptos em lingua gallega, que se encontram entre os do nosso Poeta, e que os compiladores provavelmente introduziram entre os outros por os acharem debaixo do mesmo cognome, attribuindo ao neto o que pertencia ao avô.

Esta veia poetica de familia se tornou extensiva a mais de um membro d'ella, pois alem do nosso eximio Poeta, florescia no mesmo tempo e na mesma arte o seu parente o padre Simão Vaz de Camões 2, da Companhia de Jesus.

Casou Vasco Pires de Camões com Francisca, ou Maria Tenreiro, fitha herdeira de Gonçalo Tenreiro, que se appellidou Capitão mór das armadas de Portugal, e teve filhos

Gonçalo Vaz de Camões,

João Vaz de Camões,

D. Constança Pires de Camões.

Do primogenito, Gonçalo Vaz de Camões, descendem muitas familias illustres d'este reino, e entre estas a do Visconde de Villa Nova de Souto de El-Rei, chefe do primeiro ramo, e a casa dos Marquezes de Angeja, hoje incorporada na dos Condes de Peniche.

De Constança Pires provem os Severins, a cuja familia parece que pertencia Gaspar Severim de Faria e Manuel Severim, aos quaes devemos, a um, possuir o primeiro retrato do Poeta, e ao outro, uma biographia.

João Vaz de Camões, segundo genito de Vasco Pires de Camões, foi vassallo de El-Rei D. Affonso V, a quem serviu nas guerras de Africa e Castella: viveu em Coimbra e foi Corregedor da comarca da Beira, cargo que houve em recompensa dos seus serviços. Jazia em uma sepultura rica no claustro da Sé velha de Coimbra, e n'ella se lia um epitaphio que fazia menção dos varios successos da sua vida 3. Casou com Ignez Gomes da Silva, filha natural de Jorge da Silva, de quem houve Antão Vaz de Camões, casado com D. Guiomar da Gama, dos Gamas do Algarve. D'estes foi filho Simão Vaz de Camões, casado com Anna de Sá de Macedo, e d'elles nasceu o nosso Poeta.

1 Vide nota 15.3

2 Vide nota 16 a

3 Vide nota 17.

O que se tem referido de seu pae, Simão Vaz de Camões, é pouco ou para melhor dizer, quasi nada. Sabemos officialmente que tinha o foro de Cavalleiro fidalgo, e que parte da vida a viveu em Coimbra, d'onde parece que era natural, e a outra parte em Lisboa no sitio da Mouraria. Pedro Mariz conta que indo por capitão de uma nau para a India, naufragára á vista de Goa, salvando-se em uma tábua, e que por fim por lá morrêra; porém o seu nome não se encontrou com tal emprego nos historiadores da India, nem em uma relação que percorremos de todas as armadas e seus respectivos capitães que saíram para a India desde o principio da descoberta.

Manuel de Faria e Sousa, seguindo o primeiro biographo do Poeta, affirmou o mesmo erro na sua primeira biographia; o assento, porém, que depois encontrou da Casa da India o fez emendar aquelle erro, em o qual têem laborado a maior parte dos biographos, alguns mesmo ainda depois da descoberta do registro official encontrado por Faria eSousa. Mr. de Magnin, membro do Instituto de França, em uma biographia sua que precede a traducção dos Lusiadas de Millié, ultimamente retocada e emendada por Mr. Dubeux, querendo conservar a tradição, conciliando-a com a probabilidade, assevera ter acontecido ao avô do nosso Poeta o naufragio de que se dizia ter sido victima o pae. É verdade que um certo Antão Vaz assistiu com Affonso de Albuquerque á tomada de Goa, porém se pertencia á familia dos Camões, é o que absolutamente ignorâmos. O que de Simão Vaz de Camões sabemos, é que elle era morador na Mouraria, onde residiu no anno de 1550; que se passou depois a viver em Coimbra; e que em 15 de Junho de 1553 o enviava preso para Lisboa o Corregedor de Coimbra com uma devassa por ter entrado no convento das religiosas de Sant'Anna d'aquella cidade 1; e que a 10 de Dezembro de 1563 ainda era vivo e morador na mesma cidade, pois d'esta data achámos um alvará passado a pedido de Fr. Martinho de Ledesma, reitor do collegio de S. Thomás de Coimbra, da Ordem de S. Domingos, pelo qual El-Rei faz mercê ao dito collegio de S. Thomás de Coimbra, para que Simão Vaz de Camões, cavalleiro fidalgo da sua Casa, e morador na cidade de Coimbra, seja isento de servir o cargo de almotacé ou outro officio publico, por espaço de dez annos contados da feitura do dito, servindo a esse tempo de procurador e recebedor do dito convento, como dizia que o fazia 2.

1 Documento A.

2 Documento B.

Longe pois de deixar seu filho orphão, como erradamente se tem dito, se achava Simão Vaz de Camões, postoque de setenta annos de idade, pelo menos, ainda com bastante vigor de saude para exercer um cargo, para o qual era necessario actividade, e promettendo ainda annos de vida; e assim poderia talvez assistir á publicação dos Lusiadas de seu filho, pois sete annos antes ainda era vivo.

Como nas obras de Cicero, debalde nas do nosso Poeta procurâmos noticias ou referencias á casa paterna, ou porque se perderam aquellas onde poderiamos beber estas noticias, ou porque a sua musa recuasse timida perante a austeridade dos paes, que julgam sempre o exercicio da poesia passatempo ocioso que afasta os filhos da vida real e activa, procurando quasi sempre cortar as azas ao estro poetico que os faz divagar por uma região esteril e sem fructo. A primeira e ultima vez que Simão Vaz apparece conjuntamente com o filho é no anno de 1550, servindo-lhe de fiador para o embarque para a India: nada mais sabemos das mutuas relações do paè e do filho, só podemos asseverar que se a educação é o mais caro e certo penhor de amizade, o mais rico legado com que um pae póde dotar a seu filho, foi sem duvida Simão Vaz de Camões pae o mais amante, pois não lh'a podia dar mais esmerada.

IV

As relações que Simão Vaz de Camões tinha com os padres de S. Domingos, que n'aquelle tempo gosavam de bastante reputação litteraria; a proximidade da casa com o convento; a docilidade com que o Poeta, a seu rogo, emendou e riscou alguns logares do seu Poema; o recreio que mostrava, e a consolação que sentia com a companhia d'estes religiosos, nos ultimos e desgraçados tempos da sua vida, arrastando-se, encostado a umas muletas, para ouvir as lições de theologia que se davam n'este convento, me faz acreditar que fossem estes religiosos os pri meiros preceptores do nosso Poeta, frequentando elle as suas aulas, que n'aquelle tempo eram concorridas pelas principaes pessoas da côrte.

Na Universidade de Lisboa devia o Poeta continuar os seus estudos, onde ainda alcançou o lente Garcia de Orta, que n'aquella Universidade leu philosophia no anno de 1533, e no de 1534 se despediu da Universidade para acompanhar para a India Martim Affonso de Sousa. Dizemos isto como uma conjectura, porém mui approximada da verdade, poisque na ode VIII, endereçada ao Vice-Rei D. Francisco Cou

tinho, Conde de Redondo, para o tornar propicio para conceder licença para o privilegio e impressão do livro que aquelle Doutor queria imprimir sobre as drogas do Oriente, está evidentemente sobresaindo o reconhecimento e amizade do discipulo para com o mestre, como elle diz, carregado de annos: o exemplo que aponta para convencer o Conde é a gratidão de Achilles para com o mestre, podendo talvez inferir-se pela provecta idade do auctor do livro e pelo final d'esta poesia, que tivesse Garcia d'Orta sido mestre do Conde, e depois ainda do Poeta.

Não temos noticias positivas e circumstanciadas do tirocinio litterario do nosso Poeta, porém das suas poesias se deprehende já em idade tão tenra aquella rara penetração, que quasi sempre é a percursora do genio; o soneto XXI, talvez o primeiro adejo poetico do nosso Vate, no qual, alem de boa poesia, se revela o seu aproveitamento na historia universal, é prova convincente. Quantas vezes o leitor terá passado com indifferença este soneto que nos mostra a epocha tão prematura das precoces composições do Poeta, dando-nos uma prova de que de onze annos, ou menos, já poetava e fazia um soneto como aquelle! É este soneto dirigido ao Duque de Bragança D. Theodosio, e n'elle lhe chama grão successor e novo herdeiro do Braganção estado; ora o Duque D. Jaime, seu pae, falleceu a 20 de Setembro de 1532, em consequencia, n'este anno herdou seu filho D. Theodosio a sua casa e estado. Admittindo que o Poeta escreveu este soneto tres annos depois, praso mais lato que se pode dar, porque aliás caberia mal o titulo de novo herdeiro, temos o soneto escripto aos onze annos da vida do Poeta ou antes; provavelmente o foi no anno de 1535, no qual intentou acompanhar o Infante D. Luiz à expedição da Goleta, ou quando o Duque D. Theodosio veiu hospedar-se em Coimbra no convento de Santa Cruz, onde os conegos regrantes lhe fizeram sumptuosa hospedagem, e onde o Poeta se deveria achar, pois por esta epocha residia na cidade de Coimbra.

A Universidade de Coimbra, fundada primeiro em Lisboa por El-Rei D. Diniz, a instancias do abbade de Alcobaça, prior. de Santa Cruz e outros reitores de igrejas parochiaes, e mais pessoas, tanto ecclesiasticas como seculares, que se offereceram a pagar aos lentes pelas suas rendas, depois de varias mudanças de uma para outra cidade, acabava emfim definitivamente de se trasladar para Coimbra no anno de 1537, apesar da opposição dos seus lentes, por determinação de El-Rei D. João III, desprezando-se a lembrança de a remover para Torres Vedras, contra o que representavam a Camara e povos d'esta villa.

N'esta Academia, que então começava a brilhar com o ensino de illustres mestres nacionaes e estrangeiros, foi o Poeta concluir os estudos encetados em Lisboa, como temos a certeza pela canção IV e outras suas poesias das quaes consta a sua residencia n'esta cidade:

Vão as serenas agoas

Do Mondego descendo,

E mansamente ate o mar não param:

Nesta florida terra

Leda, fresca e serena

Ledo, e contente, para mi vivia;

Não sei, nem consta das suas poesias, qual era a carreira litteraria a que se destinava, e a vida que preferia escolher, porém inclino-me a acreditar, que foram os primeiros estudos os de theologia, não só pela distracção que tomava no fim da vida com estas materias, mas porque correndo a sua educação debaixo dos auspicios de um tio seu, Superior de uma ordem religiosa, poderia bem acontecer que descortinando este no sobrinho talento tão prodigioso, occorresse a idéa de o attrahir para a sua corporação. A perplexidade que o Poeta mostrava na escolha de uma vida, apparece em um paragrapho inedito de uma das suas cartas impressas, e se encontra em um manuscripto que possuo onde esta carta vem por integra. «Tomei o pulso a todos os estados da vida e nenhum achei em perfeita saude, porque a dos clerigos para remedio a vejo tomar maes da vida que salvação da alma; a dos frades inda que por baxo dos abitos tem huns pontinhos que quem tudo deixa por Deos nada avia de querer do mundo (sic); a dos casados é boa de tomar e roim de sustentar e peor de deixar; a dos solteiros barca de vidro sem leme que he bem roim navegação: hora temperai me lá esta gaita, que nem asi, nem asi, acharas meo real de descanso nesta vida, etc.» Em o mesmo manuscripto segue outra carta que pelo estylo parece do nosso Poeta, onde se encontram estas expressões: «Novas minhas estava por não escrever por que não ousava confessar que temia deixar hum estado por outro que maes me emfadasse; pois nesta parte me vencião dous receios, a huma largar a com que tanto ha me enguanei, outro de não saber o como me averia no que não tinha provado, mas aqui entrou a razão dizendo me que do que tinha me bas

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