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francez, e a questão terminou com riso á custa do antagonista Perault. Veiu novamente a campo Houdart de la Mothe; vieram tambem mais dois Abbades, o de Terrason, e o de Pons, e a disputa se tornou mais interessante, porque o sexo feminino quiz tomar parte na peleja alliando-se a Márqueza de Lambert do lado dos antagonistas e a celebre M.me Dacier, pondo-se à frente dos apologistas. O theatro tomou assumpto da questão, e fez rir a platéa á custa dos combatentes 1; mas no fim de tudo Homero ficou sempre sendo o mesmo Homero. Virgilio, apesar das liberalidades de Augusto e da sua boa fortuna, lá teve um Carbalio Pictor que deveu á sua censura a alcunha de Eneadomastix, e outros muitos que o accusavam de plagiario da Illiada.

E quereis saber como a Academia de Crusca, por bôca do seu secretario Rossi, ajuizava da Jerusalem Libertada do infeliz Torquato Tasso 2? Na opinião do critico era elle o poeta mais infimo que tinha apparecido até o seu tempo; o seu poema a obra mais inferior que tinha saído á luz; fazia-se ler pela novidade, mas em poucos dias cairia no esquecimento para nunca mais se levantar. Era um poema secco sem proporção, sem invenção, enfadonho e desagradavel; o estylo pouco florido, acanhado, frio e obscuro; as comparações baixas, pedantescas, os versos asperos e de uma cadencia pululante. Tal era o juizo critico que os academicos faziam do mais bello Poema de um dos maiores poetas da Italia! Estes escreviam resentidos, mas o que mais admira é Boileau, o Dictador da litteratura franceza no seculo de Luis XIV, fazer um tão errado conceito do poeta italiano. Ao injusto juizo dos Academicos juntemos ainda a critica de um homem tão celebre como foi Galiléo, e o que é mais um decreto do Parlamento de Paris (1595) que prohibia a publicação da sua Jerusalem Conquistada, como attentatoria dos direitos reaes e da memoria do fallecido rei Henrique III, e que o Procurador geral com alguma ignorancia confundiu com a Jerusalem Libertada.

Milton pôde apenas secretamente saborear a fama que o aguardava, porquanto o seu Poema esteve por muito tempo occulto, e pouco ou nada prezado dos seus compatriotas, até que um estrangeiro de um reino visinho lhes veiu denunciar que tinham o mais bello dos poemas epicos. Não faltaram criticos e inimigos ao poeta do Tamisa 3, e entre estes o mais acerrimo o seu compatriota Guilherme Lauder, que sustentou que as comparações, descripções, discursos e ornatos do seu

1 Vide nota 90.a

2 Vide nota 91. 3 Vide nota 92.a

poema não eram mais que plagiatos extrahidos de differentes poetas; que Milton apenas tinha tido o trabalho de copiar, e traduzir, apropriando-se até dos defeitos dos originaes. O poema do Jesuita Mansenius, a Sarcothea, a tragedia de Grotius, o Exilio de Adam e o poema a Guerra dos Anjos, do professor Saxonio Taubman foram indicados pelo critico inglez como a origem d'onde Milton tirou os differentes membros da sua composição. Juntae ainda outros, Ramsay, Vida, Sannazar, Romæus, Fletcher, Straforst, Adreini, Quintianus, Malapert e Fox; e a estes, diz Mr. de Chateaubriand, poderão tambem acrescentar Santo Avito e Tasso, de quem é provavel que o poeta inglez lesse em Napoles, em companhia do Manso, o seu poema «Sette giornate del mondo creato.»

Corneille, o pae do theatro francez 1, o precursor de Racine e Molière, não pôde evitar a critica injusta quando saía a sua bella producção dramatica do Cid, a recompensa foi uma critica da Academia, pondo-se à testa do antagonismo o ferrenho Cardeal de Richelieu; o terno e suave Racine teve o seu Pradon. Mas que é feito dos criticos? passaram como a nuvem perante o sol, e as obras immortaes do genio, depois de tantos seculos devolvidos, são ainda hoje e o serão sempre lidas e relidas pelo homem de bom gosto.

Se o nosso Poeta aconselhava a Duarte Pacheco que se consolasse da ingratidão dos Reis com Belisario, elle podia tambem, pondo os olhos na injustiça praticada com homens tão superiores que o haviam precedido e outros que se lhe haviam de seguir, aprender a desprezar as censuras absurdas feitas a tão solido merecimento. Nem podemos nós absolver aquella parte de seus contemporaneos que em seu peito abrigaram tão baixo sentimento, que ou detractores invejosos procuraram com uma critica erronea diminuir-lhe o merecimento, ou julgaram com o seu silencio fazer emmudecer-lhe a reputação, como se o seu Poema não fallasse de uma maneira tão altisonante, ou fosse necessario passaporte d'elles para entrar no Templo da Deusa das cem bôcas. É na verdade notavel que quasi nenhum dos poetas do seu tempo, d'aquelles que canonisâmos como classicos, lhe endereçasse elogio, ou mesmo d'elle faça menção quando tão liberalmente os prodigalisavam uns aos outros. Nem Sá de Miranda, nem Ferreira, nem Caminha, nem Bernardes se referem ao Poeta nas suas poesias 2; d'este ultimo me parece mesmo,

1 Vide nota 93.a

2 Vide nota 94.a

que a descripção na carta iv do mau poeta que inventa vozes novas, é allusiva a Camões, e é bem singular que na vII, escripta depois do anno de 1558, em a qual enumera a Pedro de Lemos, para os louvar, tantos nomes dos claros lumes das Musas portuguezas, como lhes chama, o nome de Camões, aindaque ausente, seja omittido, quando por este tempo a sua fama como poeta lyrico devia estar estabelecida; o soneto que depois dirigiu ao Poeta, pelo seu principio dá a entender que fôra convidado a escreve-lo, sendo porém, é preciso confessa-lo, de encarecido louvor. Se não falha a conjectura, Caminha, poeta mediocre, aguçou um feixe de epigrammas que dirigiu contra o peito do Poeta 1, mas que mal podiam roçar-lhe as roupas. É porém singular que todos estes poetas tinham, estreito trato com os amigos mais intimos de Camões; o mesmo censor das obras de Caminha era o discreto padre fr. Bartholomeu Ferreira, ao qual devemos possuir os Lusiadas sem amputações nem deturpados. O mesmo silencio relativamente ao Poeta se nota em Pedro Sanches, o qual na sua epistola ad Ignatium de Moraes, em a qual faz menção de tantos poetas portuguezes, só o nome de Camões foi esquecido; mas é preciso dizer-se que esta carta é um fragmento, e assim não póde plenamente ser accusado.

D'estes Bavios e Zoilos do Poeta 2 nos dá noticia o seu contemporaneo e amigo Fernão Alvares do Oriente, na prosa x, na qual descreve o Templo da Poesia onde elles jaziam aos pés da estatua do Poeta que pretendiam em vão derrubar. De todos os contemporaneos aquelle que partilhou mais enthusiasmo e predilecção por Camões, foi sem duvida Fernão Alvares; os mesmos sentimentos animaram a João Lopes Leitão e outros. Dos poetas que nos podiam dar mais largas informações perderam-se as obras; das de D. Manuel de Portugal apenas restam algumas asceticas; de João Lopes Leitão o soneto que se lhe attribue em louvor do amigo, uma pequena poesia nas obras de Caminha, e uma carta em prosa, manuscripta, que conhecemos; de Heitor da Silveira apenas conheciamos o memorial que dirigiu na India ao Conde de Redondo, agora algumas poesias nas obras de André Falcão de Resende que se imprimem em Coimbra; e de D. Gonçalo Coutinho uma unica canção tambem manuscripta: as suas obras porém se conservavam na livraria do Duque de Lafões.

D'entre os detractores que appareceram no seculo seguinte aquelle

1 Vide nota 95.a

2 Vide nota 96."

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em que falleceu o Poeta (xvn), o que mais ousadamente se apresentou em campo foi o licenceado Manuel Pires de Almeida, que escreveu uma critica sobre a visão do Indo e Ganges; porém promptamente achou em João Franco Barreto um denodado campeão que desembainhasse a espada em defeza do seu mestre.

Em nosso tempo um homem, aliás de grande litteratura, o padre José Agostinho de Macedo empregou as armas do sarcasmo e do ridiculo que tão magistralmente sabia exercer para derrubar a fama do nosso Poeta, querendo sobre a sua ruina levantar um novo monumento; porém, bald ado na tentativa, veiu quebrar as suas loucas e vaidosas pretenções contra o pedestal onde repousa inabalavel a estatua do Principe dos poetas portuguezes. Na verdade não sei que possa ser de maior elogio para o primeiro Epico portuguez, do que um homem de tantos conhecimentos ficar tão microscopico ao pé do nosso Poeta.

Elle porém, quaesquer que sejam as criticas, não fallo d'aquellas quando dormita o bom Homero, zomba d'ellas, porque a sua fama passando já através dos seculos não pode ser abalada, e não carece de elogios, porque, como bem o disse depois melhor aconselhado o poeta Bernardes:

Elle só a si se louva em toda a parte.

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