Vestido sobre as armas vem com ella : O rei e o condestabre se ergue a ve-la.
Ambos com natural contentamento, E Antão Vaz dando saltos de alegria Faziam mais formoso o vencimento, Que assim per todo o campo se estendia; Mas, porque se converte em desattento Mil vezes o prazer na phantasia,
Tocar trombeta manda o condestabre Quando Thetis ao sol ja as portas abre.
Cavalga levemente, e vai seguindo Com mui grande tropel de gente armada As gentes que espalhadas vão fugindo Per charneca, montanha, campo, estrada Per toda a parte terra descobrindo De vencidos guerreiros semeada Té o logar que agora a fama nota C'o nome da batalha, Aljubarrota.
Aonde dos ja vencidos Castelhanos Muitos, fugindo á morte, pereceram Entre pastores rudos e serranos,
Que antes do condestabre os receberam. Que os que por menos annos ou mais annos Logar para a batalha não teveram E as mulheres armadas livremente Matavam nas estradas muita gente.
Inda é do vulgar povo engrandecida A forneira valente e celebrada Que com a pa tirou a sete a vida, Que a deviam trazer mui mal guardada. Quem não acabará gente vencida Se contra ella a pa serve de espada! Celebre-se a mulher, louve-se a terra Aonde se fez com pas tam fina guerra.
A noite vinha os ceos escurecendo, O sol ja se escondia atrás dos montes, Iam-se as nuvens brancas desfazendo, Coravam-se de roxo os horizontes, Jam-se as feras e aves recolhendo,' Soavam ja ao longe as claras fontes, Quando do largo alcance, que seguira, C'os seus o condestabre se retira
O Lusitano rei, que assim tomára Um ligeiro cavallo da outra parte Quando d'elle o Pereira se apartára, No campo representa um novo Marte; › Os fugitivos segue, os seus repara Com destreza, prudencia, aviso e arte, E entre a gente contrária ja sem guia Um cavalleiro viu que a pé fugia :
Sem elmo, e o arnez ja destroçado, O escudo em mil partes dividido,
Que pela cruz com que ia atravessado Foi do rei valeroso conhecido:
Diogo Alvares Pereira », em alto brado << Não fujaes << lhe bradava » sem sentido, Que agora amigo em mim tereis, melhor Do que vós ja me fostes servidor. >>
Voltou atrás o rosto o cavalleiro De po, sangue e suor cuberto e cheio, E vendo o rei piedoso e verdadeiro, Inda que com vergonha e com receio Confessando o seu êrro de primeiro, Cruzando os fortes braços, se lhe veio E com o sangue e lagrymas nos olhos Perdão lhe está pedindo de giolhos.
Alli o deixa o rei n'aquella estancia, Na guarda dos peões, feros soldados, Entre presos de menos importancia, Que o mesmo rei lhes tinha encommendados, E em quanto com destreza e vigilancia Recolhe os seus guerreiros espalhados, Os barbaros peões sem mais respeito Provam a furia vil contra um sugeito.
Que em o vendo entre si sem resistencia, E ausente o rei tam forte como humano, Dão a seu erro antigo penitencia Polo signal que tinha castelhano:
Com uma sem-razão, fera inclemencia Foi morto a lanças vis o Lusitano Que com espada, lança e braço forte A tantos na batalha dera a morte.
O campo recolhido sabiamente, Voltando dom Nun'alv'res com gran' preza, Cansado do trabalho, mas contente O sol da patria terra portugueza, No arraial põe guardas diligénte, Fazendo contra a sorte fortaleza, Que mil vezes mudavel víra o rosto Em tragedia trocando o maior gôsto.
Alli c'os passatempos costumados Tres dias teve o rei de grande glória, Dividindo os despojos aos soldados, E gosando os descansos da victoria. N'aquelles largos campos celebrados, A que hoje inda engrandece ésta memoria, E aonde o caminhante alegre e ledo
Apontando os logares vai c'o dedo.
R. LOBO, Condestabre.
DESPOIS DA DESTRUIÇÃO DE TROIA.
Arde a Neptunia Troia ja rendida Ao cavallo fatal e grega espada,
Em cinza, em fumo, em sombra convertida, Que a glória humana é fumo, é sombra, é nada: Ja tractavam os Gregos da partida, Carregando o despojo á grande armada : E entre tam rica e soberana preza Era a formosa Helena a mor riqueza.
Ja co'a causa e desculpa do troiano Excidio que na cinza inda fumava, Soltando a redea ás naus, o soberano Agamenon as ânchoras levava :
Da negra antena despregando o panno, Que indo prenhe do vento que soprava, O porto deixa, o alto mar cortando; Vão-se as praias e os montes affastando.
O destroço fatal de Troia viam
Das naus que o Hellesponto atravessavam
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