Ve no ar levantado o braço forte
E apertado um punhal na dextra erguida, Do alto ao rosto ve descer a morte
Indo esconder-se o ferro na ferida : Gosando Achiles mais ditosa sorte, Os laços corta d'ésta illustre vida, Tendo outra vez no ar a adaga fera Como que a alma por feri-la espera.
Triumpha a morte e Marte do arrogante Despojo que no campo se estendia: A espada jaz, e o escudo rutilante Que Grecia toda com razão temia ; O Ilion poderoso e triumphante N'elle a glória contempla que perdia, Čuja alta fama quando o ceo tocava N'ésta viva columna descançava.
Achiles vencedor quasi vencido
O escudo embraça, que ja mal sustenta : Toma a espada das fôrças impedido, E a planta move vagarosa e lenta, De cançado dos golpes e opprimido: Estar com pouca fòrça representa E com tremante passo, a mão pesada Vai fazendo bordão da propria espada.
G. P. DE CASTRO, Ulyssea.
་་་ལ་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་་
Abrindo vinha o ceo nocturno e frio Do rei da luz a bella embaixadora E mudando em aljofar o rocio,
Irnas de ouro derrama a roixa Aurora : A branda testa as perolas em fio Toucavam, com que mais ao sol namora, F com o veo das nuvens que a cercava Do rosto as frias gottas enxugava.
Festejando a princeza do Oriente, Que sai as nuvens lucidas pizando, Os filhos do ar com penna diligente, Vinham o ceo e a terra namorando; Que com farpada lingua docemente Não aprendida musica espalhando, Quando nas leves azas se levantam A alma suspendem, e o sentido encantam.
Tras d'ella os abrazados horizontes Com ardente pincel o sol bordava, E a altiva testa dos suberbos montes De raios de ouro e prata coroava :
As plantas, rios, flores, prados, fontes, Cadaum com lingua muda ao sol fallava, Como que agradecia a gran' belleza, Com que enfeitava o sol a natureza.
Mostrava a terra verde as bellas flores Vestidas com tal graça e alegria De mais finas e mais suaves côres, Que estar-se rindo o prado parecia : O vento c'os primeiros resplandores Entre as folhas calado então dormia, E as fontes, que passando murmuravam, A suave repouso convidavam.
Sai Górgoris dos seus acompanhado Para onde o forte Ulysses o esperava ; Que corre a recebê-lo alvoroçado, A quem no rosto o coração mostrava : Porque o monte é de feras povoado, Por alegrar a Ulysses ordenava Uma caça real e montaria,
Com que fatigue a selva, e gaste o dia.
Ja de atavios ricos adornadas
remendadas se apercebem
Que no campo do Tejo são criadas,
Seus fenos pacem, suas correntes bebem: Que de Boreas e de Euro cubiçadas
De seu fecundo espirito concebem,
Dando aos filhos por este nascimento A ligeireza do paterno vento.
Górgoris para a caça apercebido
Das insignias do campo se guarnece;
Carrega ao hombro, de ouro arco brunido, E a aljava rica sobre o lado dece, No cordão de ouro e seda retorcido A esmaltada bozina resplandece ; Curta lança na mão que foi mais vezes Terror mortal dos javalis montezes.
Entre os mais um libré leva famoso, Branco de negras malhas todo cheio, De largos peitos, rosto portentoso, Que tem a formosura em ser tam feio : Ja cuberto de aço luminoso,
Lustroso, forte e engraçado arreio, No pescoço um collar que com pungentes Pontas affronta as feras mais valentes.
Mostra-se logo Astrea, e a formosa Calypso ao monte, que se alegra em ve-las, Qual na noite serena e luminosa
Se accende o claro ceo de luzes bellas : Ulysses, que na luz pura e ditosa
Das duas suavissimas estrellas
Se ve abrazar, ja de sua dor contente
Contava á causa d'ella o mal que sente........
Calypso o ouve, e como se envergonha, Não responde, e nas faces se cubria leuma côr abrazada de vergonha, Com que inda mais formosa parecia : Bebendo está suavissima peçonha Nas amorosas queixas que lhe ouvia: Quando este gôsto alegre lhe interrompem Bozinas, que soando os ares rompem.
As vozes dos monteiros o ar feriam, Com que os echos nos montes se dobravam ; Presos nas trellas os librés gemiam, Que a sahir e afferrarse apparelhavam. Ja de uma brenha altissima sahiam Dous javalis que o monte atravessavam De monstruosos corpos, que fugindo Co'as meias luas vão o mato abrindo.
Um d'elles corre o monte, não soffrendo Dos monteiros as vozes e o ruido ; Per um valle cortava discorrendo Onde possa escapar sem ser sentido. Calypso topa; o palafrem temendo A brava fera, pelo monte erguido Corre espantado; e Ulysses não descança Té nas entranhas lhe esconder a lança.
Quando tornava alegre e victorioso, E Calypso buscava na espessura,
« VorigeDoorgaan » |