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A uma e outra parte temeroso
Discorria com vista mal segura,

Cahida emfim a encontra, e do formoso
Rosto eclipsada a viva formosura;
Pallido chega, que sem alma vinha
Buscando o corpo que por alma tinha.

Com voz saudosa e de suspiros cheia
As mãos lhe beija, e docemente chora:
<< Quiz-se fazer formosa a morte feia
Com vossa formosura, alta senhora :>>
Lhe diz Ulysses, e da branda veia
De uma fonte a rocia, e como aurora
Que abre o Oriente, então Calypso abria
O sol da vista d'onde nasce o dia.

Assim com ella entrava desmaiada
Per uma pobre casa de pastores,
Onde por molle cama, e regalada
Tem brandas pelles e punicias flores:
Da tarde grande parte era passada
Em saúdosas lagrymas e amores,
Onde mais testemunhas não se achavam,
Que arroios que do caso murmuravam.

Nos montes e apartados arvoredos
Muitos nocturnos passaros voaram,
E nas concavidades dos penedos

Vozes de aves infaustas se escutarain :

Sem cothurno e sem facha a estes segredos Assistiu Hymeneu, e não faltaram Gemidos de animaes que o ar abrindo Foram tristes agouros repetindo.

Em seus braços Calypso as horas passa,
Que da prizão suave se contenta.

Um amoroso laço ambos enlaça,
Ambos uma alma anima, ambos sustenta :
Na bella vista e peregrina graça
Em quanto elle seus olhos apacenta,
Practicando co'a alma a alma estava,
E o coração c'o coração fallava.

G. P. DE CASTRO, Ulyssea.

CALYPSO

ABANDONADA DE ULYSSES.

Calypso em tanto a Ulysses victorioso
Com seu filho nos braços se off'recia,
Qual despois da tormenta o sol formoso
Traz nos braços da aurora o novo dia.
N'elles a espera Ulysses amoroso,
E um retrato da mãe no filho via :
Menos graça que os dous alli tivera
C'o bello filho a deusa de Cythera.

Da cidade a muralha levantada
Vai-se aperfeiçoando e vai crescendo;
A que o Tejo com veia socegada
Obedece, mais brando alli correndo :
Sobre uma e outra porta torreada
Vão ameias ás nuvens excedendo.
Quer Ulysses partir-se, e se recrea
Em trabalhar nos muros de Ulyssea.

Calypso que o suspeita, tristemente
De visões e de sonhos perseguida,

Em lagrymas destila a dor que sente
Qual cai da serra a neve derretida......

Vendo Ulysses que o muro se acabava,
E o tempo de partir se vem chegando,
As saudades c'os olhos lhe contava,
Da sua grave dor effeito brando.
Qual Vesuvio seu peito se abrazava
Com suspiros os ares inflammando;
Falla a Calypso, e mal fallar podia
Que as palavras co'as lagrymas rompia.....

De ouvi-lo está Calypso amortecida,
Maltractando seu rosto e sua belleza,
Chorando diz: << Por que me deixa vida
Quem leva o gosto d'ella, e me despreza !
Bem suspeitada foi, mal merecida
Ésta pesada dor que tanto pesa.

Oh morte! donde estás? tu me soccorre,
Que quem ama so acerta quando morre ! »....

Toma-lhe então a mão para beijá-la,
Sem mais dizer, que sua doce mágoa
Lhe interrompe as palavras quando falla,
Enchendo a alma de fogo e os olhos d'agua.
Diz muito mais Ulysses no que

cala

Mais accendem suas lagrymas a frágoa
De amor : Calypso chora, e tem nos braços
Os filhos seus que d'alma são pedaços.......

Descendo á praia, o lenho fugitivo
Calypso vendo alli, suspira e chora,

Segue a morta esperança um pranto vivo,
Que a mesma causa de seu mal adora :
Mas os suspiros leva o vento esquivo;
As lagrymas, que saem dos olhos fóra,
O mar surdo bebia, em cujo extremo
Se apresta a ingrata vela e ingrato remo.

Eclipsada da vista a formosura,
Seu propio rosto fere impaciente,
Esparze o ouro da madeixa pura,
E o peito bate com furor vehemente;
A voz sólta gritando, que procura
Que mova a quem amava a dor que
E o mar quando nas praias se quebrava
Parece que
do caso murmurava.

sente.

<< Vai-te (dizia) Grego, e com mais pennas
Euro veloz o ar e o mar abrindo
Dê favoravel curso a essas antenas,
E próspero te va sempre seguindo!
Eu entre a dor e males que me ordenas,
Teu nome e minhas mágoas repetindo,
Queixando-me estarei ao ceo e estrellas
Contando os males meus que são mais que ellas.

Deixa-me, ingrato Grego, a crua espada
Do meu paternal sangue ja tingida,

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