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Para que morra ao menos consolada
Se em seus fios cortar o d'ésta vida.
Devias de intender que era escusada
Pois bastava ésta dor para homicida;
Procuraste matar-me d'ésta sorte,
Fazendo eterna e immortal a morte.

Oh mar, oh ceo, que as glórias fugitivas
Vistes do meu primeiro pensamento,
A vós co'a voz de lagrymas esquivas
Se queixa dando vozes meu tormento!
Vós, penedos, que testimunhas vivas
Sois das horas de meu contentamento,
Montes, onde espalhei saudades tristes,
Bosques que meus segredos encubristes!

A vós em vão me queixo, e o mar irado
E irado vento em vão mover procuro.
Mas surdo e surdo vento, que alterando
Açouta este rochedo aspero e duro!
Aqui do debil laço desatado

Meu esprito, este mar, e este ar mais puro
Ha de turbar... Oh ingrato!...» ( lhe dizia)
E o echo: Oh ingrato, oh ingrato! repetia.

Uma montanha e serra inhabitada
Se erguia ao ar, em cuja corpulenta
Espalda a cerviz dura, de encurvada,
Mostra que o chrystallino ceo sustenta,

De pungentes espinhos corada
A fereza das pedras se accrescenta,
Que pendentes do alto estão mostrando
Que sobre o mar se vão precipitando.

Abaixo ferve o mar, em cuja boca
Se ouvem disformes brados e gemidos,
Com que batendo a levantada roca
Vai gastando os penedos carcomidos;
Gruttas escuras abre, donde troca
Em noite o dia, e n'ellas escondidos
Marinhos monstros e nocturnas aves
Sahem meneando o ar com azas graves.

Por se arrojar Calypso está subida
Onde a serra mais livre ao ar se estende,
Cobardemente ousada e atrevida,
Duvída, e ja a si mesma se repre'nde :
<< Que temo (diz) pois é castigo a vida
A um triste?» E ja no ar c'os filhos pende.
O Tejo a recebê-los vai sahindo,
Os puros braços de crystal abrindo.

Um dos filhos que leva lhe tomaram;
Com dous cahiu do precipicio horrendo,
Que no fundo do pego, onde

pararam, Se vão em duras pedras convertendo. Ja de penedos firmes levantaram

A

negra

fronte, donde o mar batendo

Sobre o rolo das ondas que quebranta,
Espumoso nos ares se levanta.

Com largos braços seus de branca areia
Calypso abraça os filhos transformados,
Que nas ondas do Tejo, que os rodeia,
Mostram seus duros corpos levantados,
E misturando o sal co'a doce veia
Do rio, os bravos máres empolados
Alteram com mor fôrça e maior furia,
Como em lembrança da passada injúria.

Teem nas portas do Tejo levantada
A testa altiva e fera, ameaçando

As naus que buscam pòrto e doce entrada:
De branca escuma as ondas coroando,
Alli o mar com roucas ondas brada
Nos penedos altissimos quebrando,
Que ruínas maritimas preparam
E o nome de Cachopos conservaram.

G. P. DE CASTRO, Ulyssea.

mmmmmmmmmmmuımmmmm

DESCRIPÇÃO DO AVERNO.

Falla de Asmodeu no conselho dos espiritos
infernaes.

Está na entrada da tartarea porta
Precipicio de medo e horror cheio,
Onde os fios vitaes Atropos corta,
Onde é confusão tudo, tudo enleio :
D'alli, donde a esperança fica morta,
E habita o sobresalto c'o receio,
Corre um valle, per onde desce a gente
Perdida para o reino descontente.

Per aquelle vazio o Averno alento
Pestifero respira, misturado

C'os gemidos das almas que em tormento
Blasphemam do rigor do ceo irado:
Confunde grosso fumo o negro assento
Que nunca raios viu do sol dourado,
Donde se ouvem rugir feras impías,
E nos ares gritar torpes harpyas.

Ouvem-se alli do Cérbero latrante
Os triplicados, horridos latidos,

Com os brados do velho navegante

Que á barca chama as almas dos perdidos.
Fama é que per alli desceu o amante
A quem Pluto e Prosérpina, vencidos
Do doce canto, a amada concederam
Que seus olhos segunda vez perderam.

E o que susteve os cercos crystallinos
Quando Atlas fiou d'elle o pêso puro,
E aquelle que á gentil filha de Minos
Ingratissimo foi sôbre perjuro;
E outros que vãos seguindo desatinos
Quizeram penetrar o centro escuro:
Tambem o infernal rei co'a doce amada
Tantos tempos da mãe em vão chorada.

D'aquelle sítio horrivel e espantoso,
Aquem teito é disforme, immenso monte,
Com brado horrendo o anjo tenebroso
Os ministros chamou de Phlegetonte :
Não quiz passar o negro estreito undoso,
Podendo-lhes servir azas de ponte,
Que aos protervos desejos em que ardia,
Um ponto eternidades parecia.

Logo do abysmo os negros moradores
Que na ambição primeira conspiraram,
Enchendo o ar de horrorissimos clamores,
Ante o mesmo furor se apresentaram.

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