Um povo, ao qual captiva inclina a frente Asia presa em grilhões, Asia domada : Sois vós por certo o promettido povo, Que deve dar á terra aspecto novo.
N'este templo é guardado o grande arcano. Disse, e bronzeo ferrôlho a um cofre abria; D'elle um lenço extrahin, que ao Lusitano Estranhissimo quadro offerecia.
« Quando (o velho lhe diz) for do Oceano Cortada a parte austral profunda e fria, Per mui fortes barões, de ferro armados, Mudar-se-hão d'Asia de repente os fados.
Nova lei se ha de ouvir nos climas, onde O Indo, o Ganges, retalhando a terra, Dentro das ondas tumidas s'esconde, Mais que tributo, ao mar trazendo a guerra : Virá grande nação das partes d'onde Á Europa pôsto o sol s'esconde e encerra ; Com quantos golpes e com força quanta, Quasi o Globo este povo opprime e espanta!
Vós que o ferro trajais, ao mar lançastes O pesado grilhão nunca sentido ; Vós no escuro Occidente o sol deixastes, É este o vosso aspecto, este o vestido: Vós co'a espada, que em guerra fulminastes, Tendes grandes nações d'assombro enchido;
A tal empreza vos tem certo o fado, Desde a origem dos seculos, guardado...
Os Lusos dous attonitos voltavam, Todos absortos na impensada scena ; A conhecida estrada atravessavam, Que do templo divide a selva amena: A fluctuante armada demandavam, Ja quando a noite placida e serena O veo de estrellas recamado abria, E a lua o rosto no horisonte erguia.
C'o mesmo assombro o capitão famoso A maravilha annunciada escuta,
No peito a volve insomne e cauteloso, Em quanto o veo da noite o mundo enluta: Mal do Ganges assoma o sol formoso; Ao som do bronze chama a resoluta Nautica chusma; co'a maré ja cheia Sobe do rio a crystallina veia.
J. A. DE MACEDO, Oriente.
EMPRENDE E COMPLETA OS LUSIADAS.
« Nada na corte obtive contrastado Per tam forte inimigo e poderoso *. Sem arrimo, sem pae-(Como eu, perdido Entre o obscuro tropel dos desvalidos, Que o sangue pola patria hão barateado Para perder á mingoa o resto d'elle, Meu pae de pura mágoa, e de despeito Fenecêra em meus braços) so no mundo Que me restava? Perecer como elle, Ou per um nobre feito despicar-me, Vingar a affronta d'uma patria ingrata.
«De taes ideias combatido o ânimo, Um dia ás margens do formoso Tejo, Curtindo acerbas dores, passeiavą, E os olhos desvairados estendia Per essa magestade de suas aguas Coalhadas de baixeis, que as ricas pareas, Que os tributos do Oriente véem trazer-lhe.
* O 1°. conde de Castanheira, D. Antonio de Atayde, grande valido d'el-rei D. João III.
Andando, meu espirito agitado Se enlevava nas glórias, nos prodigios Que a tam pequeno canto do universo Ametade da terra avassallaram. Transportava-me o ardente pensamento Aos palmares do Ganges envergados De tropheos portuguezes ; via o nauta*, Que ousou galgar o tormentorio cabo, E nos balcões da descuberta aurora Hasteou as Quinas sanctas. Retiniam-me Nos tremulos ouvidos os trabucos,
Que a golpes crebros as muralhas prostram Do rico Ormuz, da próspera Malaca, E da suberba Goa, emporio novo Do novo imperio immenso. Via acurvados Reis de Siam, Camboje, de Narzinga Aos pés do vencedor depor os sceptros, E render, supplicantes, vassallagem Ao ferro lusitano. Os nobres muros Vi de Diu estalar, saltar aos ares Per infernal ardil; e entre as ruinas Dos inflammados bastiões, dispersos Os palpitantes membros d'esse filho **, não correm lagrymas paternas ; , que martyr da patria é morto o filho.
** D. Fernando de Castro, filho de D. João de Castro.
" D'esse pae venerando, esse Fabricio Da lusitana historia, renovando Sob os arcos triumphaes da inclita Goa Altas pompas de Roma, e altas virtudes Que so geraram Lusitania e Roma, De Vasco, de Pacheco, de Albuquerque Inflammavam n'um extasi de rapto Meu peito portuguez memorias grandes. Quem taes milagres d'heroismo, e d'honra, Quem tanta glória a tam pequeno berço Foi tam longe ganhar? Quem a um punhado D'homens, á mais pequena nação do orbe Deu máres a transpor, veredas novas A descubrir na face do universo; Povos a subjugar, reis a humilhá-los, Ignotos mundos a ajunctar ao velho, E, a dilatar-lhe a superficie, a terra? Elles. E a patria, por quem tanto hão feito, Que digno prémio lhes ha dado? - A fome N'um hospital galardoou Pacheco;
A Albuquerque a deshonra ao pé da campa; Castro a pobreza, que os soccorros ultimos Sobre o leito da morte mendigava*.
* Peço-vos ( dizia esse governador aos assistentes) que em quanto durar ésta doença, me ordeneis da fazenda-real uma honesta despesa e pessoa per vós determinada, que com modesta taixa me alimente. FREIRE, Vida de D. J. de Castro.
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