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Qual vai claro ribeiro crystallino
Debruçando-se puro e saúdoso
Debaixo de inquietas avelleiras,

Per entre hervosos valles sempre verdes;
Té que ao largo se estende em lisa meza
Espelho e ás vezes banho das serranas.

De Barros que

direi?

que os estrangeiros Não digam mais do que eu ? que d'elle fallam Com mor respeito que fallar usamos. Ferreira, Brito, Souza, Arraes e Pinto So lhes faltou nascer em terra estranha Para altamente serem conhecidos, E encommendada aos bons sua leitura.

Cartilha houvera ser, cartilha de ouro
Para a pura dicção da lingua lusa,
O mui diserto Freire, última c'roa
Das nossas litterarias conquistas;
Fiel historiador, sempre eloquente,
Sempre Plinio, e mil vezes com ventagens.
Quanto não ganharia a patria honrada,
Não ganharia a lingua portugueza,
E os égregios heroes, se cada Cesar,
Cada Fabricio, Regulo ou Camillo,
Que deu a lusa terra, conseguisse
Um Freire que lhes désse alto renome
Per obras, per virtudes conquistado ?
Tem senões!

E que auctor é d'elles limpo!

Não dormitou Homero? O bom Virgilio,
Indignado das máculas da Eneida,
Não mandava de novo queimar Troia? *
Se ás musas não vedára o pio Augusto
O eterno pranto, e a Apollo as saúdades?
Pollião não imputa á maravilha **
Que iam alêm de Roma, curiosas,
As gentes ver defeito patavino?***

X I.

Vieira e os peraltas.

Mas muito ha que sobejo serio fallo, E o serio me não quadra, e quadra menos Ao meu assumpto e aos caros meus leitores. Démos que resuscite (o que hoje é facil) Vieira, e ouça fallar certos peraltas Pregoeiros de afrancezada lingua. Parece-me que o vejo franzir beiços,

Encrespar o nariz, perguntar logo :

Vieira.) Quem vos torceu as fallas á franceza, Meus pardaes novos de amarello bico?

Ergo ibit in ignes,

Magnaque doctiloqui morietur musa Maronis?

** Tito-Livio.

*** Patavinitatem quandam.

QUINTITANO

Peralta.) Lemos livros de fita, e é n'esses livros
Que nós puisamos o fallar á moda,

No mais charmante tom, mais seduisante.
Vieira. E quem trouxe essa moda,meus meninos?'
Peralta.) Elle é, poisque exigís que com justeza
Rapporte o renomado chefe, é esse o
Traductor do Telemaco capado,
De sermões vicentinos precedido,
Avan-corrores d'ésta nova schola.

que

Vou-me la (diz Vieira) — Ei-lo
Á porta do Ribeiro *, e pede novas

D'ésta nova eloquencia galio-lusa.

bate

Vieira.) Quem préga ca melhor? Quem faz bons versos Ribeiro.) Eloquencia, Monsieur, tem alto rango,

É o affere do dia, os meus eleves

Bellos espritos, chefes do bom gosto,
Teem dado á linguagem taes nuanças,
Que nunca em golpe de ólho remarcaram
Os antigos na affrosa obscuridade. »
Vieira.) Pare, pare senhor c'o sarrabulho
D'essa phrase franduna. Eu fui a França,
Nunca la me atolei n'esses lameiros,
Nunca enroupei a lingua portugueza
Com trapos multicores gandaiados
N'essa feira da ladra. Os meus Latinos

* Traductor do Telemaco que o auctor chan capado.

** A lingua portugueza carece muito d'este termo. (São palavras de um academico.)

Me deram sempre o precioso traje
Com que aformosentei a lusa falla.
Com Deus fique, senhor. Tal giria esconça
De ensosso mixtiforio burdalengo

So medra co' esses tolos que se enfronham
Em lingua estranha sem saber a sua.

E dão co' essa mistura a vera effigie
Do apupado ridiculo enxacoco. >>

XII.

Duas causas capitaes da corrupção do gosto e da linguagem. 1a. A dominação castelhana. 2a. A guerra da acclamação.

Eis vejo ao longe as duas largas portas
Per onde a corrupção entrou lavrando
No corpo da linguagem portugueza,
E lhe estragou a compleição sadía.
Uma, lh'a abriu Philippe de Castella,
Hypocrita tyranno e não prudente,
Quando o reino, não seu, quando as conquistas,
Com sangue portuguez tam rubricadas,
Mais com ouro usurpou, que com trabucos.
Elle os peitos torceu télli altivos;

E a lisonja, que encosta brandamente
A dextra á cerviz dura, a foi curvando,

E quantos ha que eu bem conheço'

Té que inteira a baixou ante o tyrauno.
Medrou logo o desejo de agradar-lhe,
Que fez beijar-lhe o sceptro e a mão de ferro
Que mui pesadamente a carregava.
Nos animos soprou alento frouxo,
Banhou os beiços de fagueiras fallas,
E as pennas embebeu na hispana tincta
Tanto ao fundo, , que as pennas esqueceram
Do seu idioma luso a côr nativa,
Para afagar com phrases mendigadas
As orelhas dos duros vencedores.

Que longe iam correndo do Ferreira,
(Bom Ferreira da nossa lingua amigo!)
Esses filhos ingratos que deixavam
A mui caroavel mãe, que de seu leite
Nunca lhes consentiu terem seccura,
Para ir buscar em braços de madrasta
Sustento e afagos que ella dava esquivos,
Fastiosos na opulencia, requestavam
Pão de esmola a suberbos estrangeiros,
Que escassos, com desdem, ao chão lh'a deitam.

Se era util, se era grato o que escreviam
Quem os mal conselhou

que desherdassem

Do rendoso aprasivel patrimonio

A patria natural, o meigo idioma

Que abundante e grandioso e brando e fero
Intendidos maiores lhe aprestaram?

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