Que pende para quem com louçania, C'o dom de aurea dicção, dá garbo ás fallas, Varia, estrema a phrase mais venusta,
Com que dote de esplendida riqueza De seu discurso a intrepida estructura. Que é suberbo palacio um bom poema,
Cuja fachada, camarins e salas
Com regia pompa ser ornados pedem. O ouro e o matiz das sedas e pinturas, Dos cofres mais reconditos da lingua Os tira á luz o próvido poeta. Vocabulos, effigies dos objectos, Que Camões, que Vieira memoraram, Que informe po cobre hoje; se erudita Mão lh'o sacode, e as cans remóça activo, Com lingua rica aditará a Elysia.
Como se arruínou a lingua e poesia portugueza;
Quando orpham de bons classicos o idioma Se viu ao desemparo, ao desalinho D'um tropel de ignorantes, todo o rico Custoso cabedal que tinha herdado Da ância do estudo de escriptores sabios, Se esvahiu pelas mãos de ruíns tutores. Um fastioso de após, desfez-se d'elle,
Este espancou quiçá, ess' outro asinha; E assim dos mais. Foi roupa de Francezes. Os terinos mais energicos, mais curtos, Os mais sonoros, por melindre ou birra, Foram longe da lingua degradados. E outros foram perdidos por desleixo. E nós de avítos bens herdeiros lidimos, N'um patrimonio entrámos defraudado D'ouro, padrões, alfaias nu e cru.
Vistes vós n'uma casa onde morreram Pae e mãe, e mui ricos, mas sem dono Ficam muitos filhinhos? - Um começa A descompor gavetas, a abrir cofres, D'um lenço de cambraia faz zorrague, Cavalga outro em bengala castão-de-ouro, Este um dedal de prata, aquelle um diche De subido valor, pela janella, Brincando ou descuidado, deita a rua; Rodam broches e anneis pelo sobrado, (Preço de muitas lidas!) - sobem logo Enxames de rapazes con-vizinhos Barulheiros, daninhos ou milhafres, Que bolem, quebram, vasam, pilham, levam, Ouro, diamantes, louça, doces, fructa; E uma herança, atélli graúda e rica, Pára em mesquinha misera pobreza. Tal da lingua os thesouros se escoaram Em poder de crianças litterarias,
De personagens nescias ou perluxas. Vède em tal desbarato, em tal desleixo,.
Que valente orador, vate atrevido Póde fallar conciso, ser ornado, Ser altiloquo ou terno, se lhe faltam Cabedaes com que abaste, com que enfeite, D'onde tire, a prazer, a expressão curta Que encrava mais profunda na alma a ideia; E não meandros de torcidos tropos Que resvalam do ouvido da memoria, Antes que o fio da vindoura phrase Se áte c'o fio bambo da ja lida !
Remontar ao <<< sublime >> ha sido sempre O perpétuo lidar, o fito nobre Dos que as obras meditam, que os vindouros Desempoem com fructo, com agrado: E o sublime quer grande e nova ideia, Curta, e que muito senso aperte em summa. Que se inepto, por falta de baixella, Lanças em vasto desbordado vaso A pura activa essencia concentrada, O concebido spirito sublime
Na vasteza chocalha e se derrama, Perde o cheiro, o vigor, e mes-cabado Na turba das surrapas se deshonra. Tu mormente, oh poeta, a quem no encaixe Do verso, estreito emprego e estofa, cabe, Se em palavras transbordas, vas per fóra
Da marca abalizada, e dás c'o verso, Desattento, a travez e desde o introito Enojas, e os ouvintes adormentas. Sê mui parco na ensancha das palavras, Se ousas tocar as raias do <<< sublime, >>> E dos ouvidos despota, se queres Te-los captivos a teus dignos versos: Mas para parco ser thesouro ajunta; Que sein muita lição serás verboso. Quanto mais ferramenta tem o mestre, Mais faceis, mais subtis perfaz as obras. Quanto mais panno tem, mais poupa o córte, Menos monte alardeia de retalhos A afreguezada experta costureira. Na casa em que a despença recheada Acode á meza com sobejo alarde, Banquetes (com que o pobre se arruína) O rico os dá frequente a pouco custo.
Methodo de estudar a lingua.-Classicos; Vieira; Lucena; Bernardes; Ferreira; Brito; etc.; Jacintho Freire.
Se queremos achar abertas veias Do custoso metal que as fallas doura, Visitemos as minas encetadas Pelos nossos antigos escriptores,
No Lacio e Achaia, que inda nos convidam Co' largo aberto seio a ser ricassos. E se a ruím priguiça vos atalha Mover o passo a longes territorios, Tendes em casa, e a vossas mãos disposto, O producto das minas ja cavado Limpo de fezes chrysolado e puro Nos Paivas, nos Lucenas, Britos, Barros.
Entre abbobadas longas intrincadas, Labyrinthos reconcavos e escusos De conceitos agudos predicaveis, De bastardo saber, de ingenho vesgo, Ha per cantos escuros, per desvios De sermões requintados do Vieira, Desprezados torrões de ouro encuberto, Que enriquecer mil paginas poderam Per artifices mãos melhor lavrados.
Tem Lucena capitulos tam cheios De lusa preciosissima abastança, Em phrase e termos escolhida e nobre!...
Em seu fluído estylo vai Bernardes Serpeando manso e manso até que mana Dos ouvidos nas íntimas entranhas,
A descripção da nau da India, a das ilhas Malucas, a dos costumes dos Chins, o combate dos Achens, etc.
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