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As expedições maritimas do seculo XV, e as grandes navegações do seculo XVI, deram ao povo portuguez uma missão superior no progresso da humanidade, e ao mesmo tempo imprimiram-lhe um caracter proprio, o vigor de uma nacionalidade distincta entre as raças da Peninsula. Collocado entre o continente e o mar, a desmembração de Hespanha deu a Portugal a autonomia politica; os seus portos, as suas armadas crearam-lhe as condições economicas; a sua burguezia foi uma consequencia da riqueza publica, a sua decadencia um resultado de nunca ter precisado crear uma industria organica para se manter. É na litteratura do seculo XVI, que se começa a vêr a affirmação da nacionalidade portugueza: em Gil Vicente, revelando a

Томо 1.

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existencia de um genio popular; em João de Barros, apresentando a concepção da historia moderna; em Fernão de Oliveira, a disciplina grammatical da lingua; em Antonio Ferreira, a independencia e superioridade do idioma portuguez para as obras do pensamento; em João de Castilho, a architectura manoelina, accommodando o gothico florido á impressão da natureza oriental, symbolisada nos Jeronymos, de Belém ; nos eruditos, o presentimento de uma grande epopêa para completar a historia; nos Reinícolas a codificação geral das garantias locaes; em tudo profundos symptomas de vida propria.

Não bastava porém a affirmação, faltava ainda a consciencia da nacionalidade: Camões, foi aquelle que mais sentiu, que melhor se compenetrou d'essa vigorosa consciencia, que tem uma raça no momento em que realisou a sua unidade. Extinga-se para sempre a nossa vida historica, acabem os vestigios que tornaram Portugal solidario na obra da civilisação moderna, bastarão as obras de Camões para representarem sempre vivo este povo, que succumbe pela fatalidade da sua ethnologia.

O estudo de Camões não pode ser feito exclusivamente pelo lado litterario; visto assim era grande, mas incompleto. Ha n'elle uma feição organica, que explica os problemas da litteratura e da raça. O epitheto de barbi-ruivo, que se lhe dá nos assentos da Casa da India, confirma a sua origem, de um trovador fidalgo emigrado da Galiza; a predilecção pelos romances do

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povo e pelas tradições heroicas, resultam do sangue dos ascendentes do Algarve e da educação domestica. As nacionalidades nunca se formam com elementos puros

de

raça; os Celtas, emquanto se conservaram inmixtos, nunca formaram uma nação, mas invadidos pelos romanos e frankos, pelos romanos e lombardos, pelos romanos e wisigodos, desdobraram-se no povo francez, italiano e hespanhol. Em Camões se encontram os dados d'este problema: o seu nascimento, devido a uma emigração de fidalgos da Galiza, coincide com o grande desastre das expulsações das colonias judaicas pelo catholicismo; o seu genio adquiriu uma individualidade completa com o longo desterro da India; a sua morte acontece no momento em que o exercito de Philippe II se apodera de Portugal. Nas suas obras transpiram de um modo absoluto os caracteristicos fundamentaes de uma nacionalidade: a tradição, a linguagem e o territorio.

A tradição dá a unidade moral a um povo, é o vinculo que constitue a nacionalidade; os poemas homericos encerram o conjunto das tradições hellenicas, e o genio grego sentindo esta revelação, fortaleceu-se com elles todas as vezes que se quiz affirmar. Na educação grega, o estudo de Homero formava o nucleo fundamental; Xenophonte diz, que seu pae querendo fazer d'elle um homem de bem, o mandou decorar Homero: «Quando uma criança começa a poder aprender alguma cousa, o ensino deve-lhe saír de Homero, e os cantos heroicos devem alimentar sua alma apenas saído

elle fica o compa

do berço, como o leite o mais puro; nheiro de nossa vida; com a edade torna-se o nosso confidente; e na velhice, se o abandonamos por um instante voltamos logo a elle famintos. » É esta unidade da tradição, que tornou a Grecia a Jerusalem da intelligencia e do bello, nexo moral que falta nos grandes emporios mercantís da America e da Australia. Socrates diz, que os gregos faziam decorar Homero aos seus filhos, e Alexandre não é mais do que um producto das impressões d'esses poemas.

Em Camões sente-se que este mesmo espirito o animava; na sua epopêa recolhe todas as formosas tradições da historia portugueza, como o milagre de Ourique, a façanha de Giraldo Sem Pavor, de Egas Moniz, de D. Ignez de Castro, da rainha D. Maria filha de Affonso IV, dos Doze de Inglaterra, do Naufragio de Sepulveda, da Ilha dos Amores ou da Antilia; na sua primeira educação, extranha á litteratura mas dirigida pelo sentimento domestico, apprendeu tambem a ȧpreciar os Romances cavalheirescos da tradição popular, que elle tantas vezes cita nas suas comedias e redondilhas.

Ainda que a obra de Camões não fosse um resultado do sentimento da nacionalidade, no momento em que se obliterava na consciencia portugueza, bastava esse livro para revelar, que a lingua portugueza soffreu uma alteração profunda no seculo XVI. Camões foi o que melhor fundou a disciplina grammatical da lingua; enriqueceu-lhe o vocabulario segundo os typos

de formação das palavras, dando-lhe a precisão da syntaxe latina, e seguindo um justo meio entre o archaismo erudito e a inovação popular e dialectal. Depois da tradição, o que é a lingua, senão um dos caracteristicos mais fortes da nacionalidade? Sob este aspecto Camões leva a primasia a todos os escriptores portuguezes. Pode-se dizer que o seu livro obstou á scisão da lingua portugueza em diversos dialectos: a lingua do continente conservou a mais inteira unidade; mesmo sob o dominio hespanhol, emquanto as classes opulentas e cultas falavam a lingua castelhana, 0 baixo povo usava no trato commum da lingua portugueza, que por esse facto se julgava então desprezivel.

Depois da lingua, a nacionalidade affirma-se na unidade de territorio; oriundo de uma familia do Algarve e da Galiza, tendo nascido em Lisboa, e passado a sua juventude em Coimbra, Camões percorreu as conquistas da Africa e da India, quando já o caracter viril o fazia comprehender a grandeza politica de Portugal. Isto lhe dá a ufania para cantar a epopêa das nossas glorias, para affirmar que os portuguezes são para mandar e não serem mandados; isto o levou a crêr que Portugal viria a ser a Monarchia do universo. A edade e a experiencia desfizeram-lhe este sonho: a sua epopêa accusa os filhos dos heroes do Oriente de terem apenas a nobreza dos pergaminhos; mostra tambem o abysmo das ambições sacerdotaes, e os perigos da realeza em mãos infantís. Foram estas tres causas que apressaram a ruina da nacionalidade. Camões ani

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