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causas que na petição atraz escripta alegão os officiaes da camara da villa de Villa Franca do Campo da Ilha de San Miguel, com a delligencia que acerca dyso per meu mandado fez o corregedor das Ilhas dos açores e me enviou com sua informação e parecer, per que constou cayrem e arruinarem-se os edeficios e cousas publicas da dita villa com o terramoto que nella houve, que era notoryo tornarem-se a redifficar e não ser pera isso bastante em muitos annos a renda do concelho per si sem se unir á dita remda a da imposição e poderem juntamente importar quinhentos cruzados por anno; ey por bem que por espaço de tres annos andem as ditas rendas asy a do concelho como a da imposição, ambas juntas e se possa á conta do rendimento dellas gastar per ordem dos officiaes da dita camara, que no dito tempo forem, té cento e cincoenta mil reis cada anno, pelo dito tempo de tres annos, em se refazerem e repairarem as cousas que apontão na dita petição somente e não em outras nem per outra maneira, e mando ao Julgado ou pessoa que tomar a conta do rendimento das ditas rendas, que dellas leve em despeza em cada hum dos ditos tres annos os ditos cento e cincoenta mil reis constando-lhe que se despenderão nas ditas cousas pelo dito modo e cumpra, guarde e faça inteiramente comprir e guardar este alvará como se nelle contem sem duvida nem contradicção allgua e quero que valha, &. E do theor deste alvará, que he a primeira via, foi passado mais outro pera irem por duas vias; comprirse-ha hum somente. Pero de Seixas o fez em Lisboa a bj (6) de março de mil bʻlriij (593.)

(Arch. Nac. da T. do T. Chanc. de Filip. 1. L. 24.o de Doaç. fl. 242.)

(Continua.)

AÇORIANOS ILLUSTRES

Bento de Góes

Viagem de um explorador michaelense pela Asia Central 1603 - 1607)

Estarão lembrados os leitores do Archivo dos Acores de uma breve noticia biographica que sobre o irmão Bento de Goes, coadjutor temporal da companhia de Jesus e natural de Villa Franca d'èsta ilha escreveu na sua Margarita Animata o distincto escriptor michaelense, o sr. Francisco Affonso de Chaves e Mello, e foi publicada a paginas 287-288 do primeiro volume desta revista.

N'este repositorio de documentos destinados a subsidiarem um dia a construcção do vasto edificio da historia açoriana cabe de direito uma relação mais detalhada da grande expedição realisada por esse nosso conterraneo atravez da Asia central e de que os nossos leitores apenas têem uma vaga idea pelas seguintes palavras d'aquella noticia: «Ouvindo fallar na christandade do Catayo. . . . partin para ella no anno de 1603, caminhou quatro annos por varios reinos com grandes traballos e evidentes perigos de vida. . . . chegou fiualmente ás portas da China tão enfraquecido das forças que expirou em 4 d'abril de 1607». Desenvolver a serie de feitos heroicos e de descobrimentos geographicos traduzida na obscura synthese d'esse resumo, eis o pensamento do trabalho que vamos emprehender, tomando por guia uma monographia lucidissima que acaba de publicar sob o titulo de Benoit de Goès o padre, J. Brucker da companhia de Jesus, extracto des Études religieuses publicado em Lyon no anno passado e que possue na sua vasta bibliotheca o nosso illustrado conterraneo, o sr. José do Canto, o mais devotado colleccionador de quantos documentos se hajam publicado ou escripto por todo o mundo sobre o obscuro e até hoje tão descurado ramo da historia. a do archipelago dos Açores.

Entre as viagens celebres figurará sempre a do michaelense BenN. 9 Vol. II - 1880.

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to de Goes uo seculo XVII, assim como já se vae tornando notavel. pelos novos dados scientificos que colligiu, a recente viagem de exploração pelo nosso vasto territorio de Angola e Africa central, que acaba de realisar outro michaelense, o sr. Roberto Ivens, distincto official da nossa marinha de guerra, que na companhia de um seu itlustrado camarada, o Sr. Brito Capello, tem sido enthusiasticamente acolhido pelas primeiras sociedades geographicas da Europa, como as de Madrid, Paris e Londres, aspirando-se pela muito proxima publicação do seu roteiro de viagem, que encerra a resolução ha muito esperada de importantes problemas geographicos, ethnicos, biologicos e hydrographicos.

Diligenciaremos, a'um futuro que desejamos não seja remoto, dar una noticia dos resultados d'essa expedição do sr. Ivens, que tanto está prendendo a attenção dos geographos do mundo; assim ficarão registadas n'este Archivo as duas mais notaveis viagens de exploração que nos consta terem sido realisadas por michaelenses.

Comecemos pela de Góes, partindo assim naturalmente de um seenlo mais remoto para o actual.

O nome de Bento de Góes é celebre na historia das viagens e dos descobrimentos geographicos. Já em 1667 o erudito padre Kircher da companhia de Jesus (Ath. Kircher, China Illustrata, part. 11) fazendo a exposição de varios itinerarios seguidos até à China (o Catayo, ou Cathay segundo a designação de todos os viajantes que na idade media haviam visitado a Asia Oriental) tentava esbocar a direccio geral do caminho seguido no principio do seculo em que elle escrevia pelo nosso ousado conterraneo. Nos nossos dias tem-se dado. porem, o maior vulto à arrojada expedição de tão modesto quanto andacioso acoriano, a ponto de Karl Ritter (K. Ritter, Asien, vol. I e V The chamar o encarregado heroico da difficil missão de abrir o caminho continental, então de todo desconhecido, da India ao Catayo por Cabul, Kachgar, Yerken. Aksu e Khamil (Hami). . . caminho notavel que elle explorou, inas que até ha pouco não föra ainda devidamente comprehendido e explicado. Muitos outros geographos eminentes tem feito a ultima luz sobre a viagem de Goes, sendo curioso de consultar a este respeito Henry Yule (II. Yule, Cathay and the way thither, Londres, 1867), sobre a sua alta significação, scientifica. Apezar das grandes expedições modernas, que a Inglaterra e a Russia tem promovido pela ambição de qual d'ellas monopolisará o predominio politico e commercial do extremo orieute, acompanhadas de investigações

sobre a geographia da Asia central e sobre os usos, costumes e religião dos differentes grupos ethnicos que povoam os tractos intermediarios ás possessões d'aquelles dois povos na Asia; apezar de nomes tão preclaros como os de Burnes, John Wood, Shaw, Hayward, Gordou, Trotter, Fedchenko, Semenow, Kostenko, Przevalsky e outros terem resolvido, com os dados scientificos mais rigorosos, os vastos problemas moraes, civis e religiosos daquellas embryonarias civilisações asiaticas, todas as descobertas contemporaneas não tem feito senão confirmar as observações minuciosas do modesto peregrino de 1603 e crescer a admiração geral pelo audaz insulano, que ha quasi tres seculos percorren a distancia que vae de Lahore, no Punjab, até Sou-Tcheou na fronteira da China, passando por Kaboul, Talikhan, Yarkand, Khamil e atravessando as regiões mais inhospitas para os viajantes, como o Afghanistan, Boukara, o Badakhchan, o plateau de Pamir, a Kachgaria, o Turkestan oriental e o deserto de Gobi, percorrendo assim uma distancia de approximadamente 4:000 kilometros, on 800 legoas, não só atravez de enormes difficuldades. o que abona o seu arrojo, mas por entre populações então quasi desconhecidas, o que fez d'elle um verdadeiro descobridor, que desvendou as espessas sombras que occultavam á Europa a Asia central.

Do seculo IV.o ao XIII. fizeram em sentido contrario ao itinerario de Goes diversas peregrinações os bondhistas chinezes, mas os seus roteiros e investigações foram desconhecidos à Europa e portanto inuleis para a sciencia geographica até aos nossos dias em que Abel de Rémusat em 1836 e Stanislas Julien em 1858, na França. e Bretschneider em 1875 na Allemanha tornaram conhecidas por traducções e memorias geographicas as expedições da China á India de um Fahian, de um Hiouen-Thsang e outros excursionistas do celeste imperio. Tambem no seculo XIII o celebre veneziano Marco Polo tinha precedido sobre os mesmos territorios o nosso conterraneo e é certo ser notabilissima a sua expedição pela época em que foi feita e difficuldades que o seu genio audaz teve de vencer; mas os cartographos que desejaram tirar proveito das suas narrativas cahiram ex graves erros sobre as posições relativas e absolutas das localidades que descreve de uma forma curiosa e instructiva, é certo. quanto ás maravihas que o impressionaram em centos de cidades è paizes diversos, mas tão confusa quanto a methodo de descripção e a rigor de orientação geographica, que levou os mais celebres geographos do seculo XVI. taes como Mercator. Ortelins, etc., a cahirem em singulares erros topographicos nos mappas que traçaram em vista dos dados incompletos fornecidos pelo viajante veneziano. Foram sem contestacão muito mais uteis do que todos esses trabalhos para o progresso dos conhecimentos ethnologicos e geographicos os estudos e observações de Bento de Góes atravez d'aquellas, podemos dizer, desconhecidas regiões orientaes. O seu diario fiel e minucioso, embora sem sa

tisfazer aos preceitos rigorosos da sciencia, nota dia a dia as distancias percorridas por dias de jornada e milhas, os aspectos da natureza, a qualidade das estradas, os costumes das populações, os nomes das localidades e paizes, tendo todo o cuidado em reproduzir com a possivel fidelidade todas aquellas denominações asiaticas, que a narrativa de Marco Pólo tão singularmente desfigura.

Esse memoravel tombo de quatro annos de laboriosa investigação não sobreviven, porem, intacto ao notabilissimo villa-franquense. Depois da morte de Góes, como desenvolvidamente veremos mais tarde. os seus companheiros christãos não poderam evitar que o destruissem em parte uns embrutecidos mahometanos, ficando apenas alguns valiosos restos que ainda assim permittiram ao padre Matheus Ricci. fundador e então chefe das missões em Pekin, o reconstruir até certo ponto o, manuscripto precioso já pelos fragmentos truncados que the levaram, já por uma carta que do viajante michaelense recebeu em Pekin escripta por este em Sou-Tcheou no termo final da sua dolorosa peregrinação é que serviu poderosamente para a reconstrucção do truncado diario de Bento de Goes. D'esse difficil trabalho, onde por confrontação e analogia se teve de preencher numerosas lacunas, resultaram, todavia, notaveis inexactidões que não podem attribuir-se a Goes: assim aquella das jornadas, que termina em Djelalabad no Afghanistan, acha-se deslocada da sua posição topographica. e na viagem de Lahore a Kaboul a duração das marchas e dos descanços está manifestamente errada. Ricci incorporou esse seu trabalho nas suas memorias (commentarii), publicadas e annotadas pelo padre Nicolau Trigault na Allemanha em 1615 e um anno depois por elle reeditadas em Lyão, com ampliações.

Alem destes subsidios, ha uns extractos de algumas cartas maudadas por Gões aos seus confrades da India, duas das quaes datadas de Yarkand, e que o padre Fernão Guerreiro. tambem missionario na China, inseriu na sua Relacam Annal da India Oriental. anno de 4606--1607, publicada em Lisboa em 1609, bem como um resumo do trabatho de Matheus Ricci, mandado por este aos jesuitas da India em 4608 e reproduzido por Guerreiro em 1614 no seu Annal respeitante a 1607 1608. Com a auctoridade d'esses subsidios, e lastimando que até nós não chegasse a relação original, embora truncada, de Bento de Gões, cujas lacunas a sciencia moderna saberia hoje reconstruir melhor do que o fez o padre Ricci, vamos pois. entrar na exposico do pensamento e da execução d'essa notavel expedição em que o aventuroso michaelense não só immortalisou o seu nome, mas concorreu para a gloria que a Portugal tinham já dado as expedições maritimas dos séculos XV e XVI, gloria que n'este ponto em grande parte recale sobre os Açores em geral e especialmente sobre esta ilha de S. Miguel que assim accrescenta mais um florão aos que lhe tem dado o brilhante procedimento de não poucos dos seus filhos. já co

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